Felizmente temos um Serviço Nacional de Saúde (SNS) em Portugal. Um património de todos, que não deixa ninguém para trás.

Mas o SNS, por si só, não será suficiente para conter a pandemia de Covid-19. A responsabilidade e o papel cruciais estão nas mãos de cada um de nós e de todos. A Fundação SNS reconhece e saúda a extraordinária demonstração de cidadania solidária da grande maioria da população portuguesa ao acolher e cumprir com serenidade e rigor as orientações da Direção-geral da Saúde (DGS) e do Governo. Há, agora, que manter e reforçar essa disciplina para reduzir ao máximo os danos desta pandemia.  Palavras de imenso apreço, gratidão e estímulo são devidas a todos os profissionais de saúde bem como a todos os profissionais de outros sectores que, nos seus postos de labor e de luta, dão o seu melhor com dedicação, coragem e competência.

Cada um no seu campo de ação, todos contribuem para limitar as consequências desta catástrofe natural. No que respeita ao SNS, é de sublinhar a intervenção precoce dos profissionais e equipas de Saúde Pública a nível local - incansáveis na avaliação e monitorização da situação epidemiológica, na deteção de casos, na delimitação o mais exaustiva possível das primeiras cadeias de transmissão e na aplicação das melhores medidas de prevenção e proteção, baseadas na melhor evidência científica do momento. É cedo para fazer avaliações e retirar conclusões. Porém, é bem possível que esta ação da Saúde Pública tenha contribuído para baixar a escala de grandeza do patamar de partida da explosão epidémica.

Um reconhecimento especial é devido às equipas hospitalares em geral, com destaque para os profissionais das unidades de cuidados intensivos que, ultrapassando muitas vezes os seus limites físicos e emocionais, tudo têm feito para salvar vidas, em situações críticas e muito críticas. Que não lhes faltem nunca as condições e equipamentos necessários. Na última semana entraram nesta luta, de modo organizado, equipas dos centros de saúde e das suas unidades. Numa primeira linha, destacam-se os profissionais das Áreas Dedicadas à Covid – 19 na comunidade (ADC-C).

A disparidade inicial de modos de organização, de condições e de meios destes ADC-C deve ser rapidamente superada, para segurança dos profissionais e eficácia da sua ação. Paralelamente, e com mais continuidade e consistência, é reforçada a intervenção personalizada e de proximidade dos enfermeiros de família e dos médicos de família em todas as unidades de cuidados de saúde primários do SNS. Tudo isto tem sido possível porque Portugal dispõe, felizmente, de um SNS – apesar do desinvestimento e da fragilização de que foi anteriormente alvo, em anos seguidos.

A Fundação SNS realça também a maturidade política e sentido de responsabilidade das principais correntes e organizações político-partidárias que, sem abdicarem da sua capacidade crítica e modos de ver próprios, têm dado exemplo de como é possível convergir no essencial e potenciar uma liderança comum, coletiva, em torno do Governo e da liderança técnica da DGS. Papel decisivo e exemplar tem sido o dos profissionais e dos órgãos de comunicação social, apenas com raras e lamentáveis exceções, bem como os contributos genuínos e marcantes de figuras mediáticas, atores e outras figuras públicas.

Todos têm dado valiosos e eficazes contributos para reforçar a coesão, a coerência e a eficácia da ação de todos nós, cidadãos e País, nesta travessia dura, de contornos muito complexos e de grande incerteza. Finalmente, a Fundação SNS, sublinha e enaltece as dinâmicas notáveis das comunidades locais, marcadas pela cooperação intersectorial e interprofissional, habitualmente conduzidas com grande energia e empenho pelos seus líderes autárquicos.  É a nível local que o envolvimento e a participação da comunidade têm a sua expressão mais efetiva e onde mais eficazmente

convergem múltiplos esforços e contributos – serviços de saúde, organizações do sector social, forças de segurança, forças armadas, empresas, entre outros. Cabe aqui assinalar o papel das farmácias comunitárias, por vezes esquecido quando se delineiam estratégias de intervenção local, em saúde. No essencial, a par das medidas que visam conter e reduzir os efeitos da pandemia, tem sido possível reforçar a confiança na democracia, no SNS, nos órgãos de soberania, na comunicação social, nos dispositivos de segurança e de proteção social, na nossa capacidade de ação coletiva, protegendo o melhor possível os mais frágeis e vulneráveis. A crise evidenciou fragilidades, insuficiências e problemas, mas também mobilizou vontades e esforços para os minorar. Tudo isto tem contribuído para atenuar o sofrimento humano e reduzir a ansiedade social.

A crise há-de passar. Dela decorrerão muitos ensinamentos, mas já existem indícios claros do que tem de ser mudado para redesenhar o SNS do futuro. Desde o investimento, orçamentação e governação do SNS, à reorganização das suas instituições, serviços e equipas, por forma a assegurar continuidade e integração de cuidados, centrada em cada pessoa. Tal exigirá eliminar uma burocracia piramidal, com patamares intermédios díspares e desnecessários, que podem retardar decisões e comprometer a ação de quem está nas linhas da frente. A próxima etapa coletiva há-de contemplar o reforço e a transformação do SNS. Incluirá certamente a descentralização da gestão, promovendo a adequada autonomia e responsabilização das instituições e das suas equipas e, ao mesmo tempo, o reforço de uma visão e ação estratégica global que enquadre a coordenação locoregional como seu principal instrumento. Também será necessário promover uma maior participação dos cidadãos e das comunidades, como está inscrito na Constituição da República.

 

Lisboa, 3 de abril de 2020

O Conselho de Administração da Fundação para a Saúde – Serviço Nacional de Saúde