Ângela Pontes 56 anos, é ostomizada, ou seja, passou a ter uma urostomia, em novembro de 2017, isto é, uma intervenção cirúrgica, para facilitar um novo trajeto para a saída da urina, para um saco adaptado ao corpo.
Todos os anos, milhares de pessoas se submetem à ostomia, procedimento que além de salvar vidas, alivia o sofrimento causado por algumas doenças tais como cancro no intestino, reto, bexiga ou outras disfunções.
O tempo de utilização de uma ostomia, é muito relativo, pode ser definitiva, como também temporária, tudo depende do fator que desencadeou a situação.
Após a operação, a pessoa passa por um processo de adaptação na sua vida pessoal e social, o que não a impede de fazer uma vida completamente normal e até trabalhar.
VA - O que é uma pessoa ostomizada?
AP - Uma pessoa ostomizada é uma pessoa que, por motivos de saúde, é submetida a uma cirurgia, no meu caso foi-me retirada a bexiga, isto porque me foi diagnosticado um cancro nesse órgão. Então, uma pessoa ostomizada é uma pessoa que tem um orifício, chamado de estoma, que lhe foi feito provisoriamente ou não. No meu caso, foi para desvio da urina, por isso é chamado de urostomia.
VA – No seu caso onde fica localizado o orifício?
AP - O orifício é no abdômen, isto no meu caso, no entanto, há outros problemas. Relativamente à minha experiência, a urostomia é a cirurgia que constrói um novo caminho para saída da urina, por meio de um estoma, onde estão ligados os ureteres e a urina passa a ser eliminada constantemente por gotejamento para dentro de um saco coletor que está colocado no meu abdómen, através de uma placa adesiva própria.
VA - Estoma é um nome que popularmente não é tão conhecido, mas no geral as pessoas sabem o que é o “saquinho”. Diga-nos Ângela, como é viver com esse saquinho? Consegue desempenhar a sua vida normalmente? Ir às compras, andar de bicicleta? Fazer desportos? Como é o seu dia a dia?
AP –A princípio fiquei com algum receio de não poder viver a minha vida normalmente e de ter alguns impedimentos a nível social. Fiquei preocupada, sem saber se poderia fazer isto ou aquilo, ou com o facto da possibilidade de que esta nova situação me poderia prender um pouco. Contudo, com o passar do tempo fui-me habituando e hoje em dia faço tudo normalmente. Não deixei de fazer nada, quer seja o trabalho, a minha atividade diária normal, o ginásio ou uma ida à praia…
VA - O saquinho vê-se? Como é que funciona?
AP – O saquinho está colocado no exterior do abdómen, primeiro é colocado uma placa adesiva que tem um adaptador onde se prende o saquinho, esta placa tem que ser substituída com frequência, o saco coletor da urina tem que ser esvaziado ao longo do dia. Como fica por debaixo da roupa não se vê.
VA – No entanto, se falar do saquinho toda a gente sabe, não é?
AP - Do saquinho toda a gente sabe! Por vezes torcem um pouco o nariz, não sei se é porque tem medo ou porque nos acham diferentes. Quando digo a alguém, que tenho um saquinho ficam espantados e afirmam: - “olhe que não sabia, não se nota.” Porque isto não está à vista, é como uma peça de roupa interior, não se nota, não cheira, é uma coisa minha e não tenho nenhuma vergonha em dizer que sou ostomizada.
VA- O saco é para o resto da vida?
AP – No meu caso, sim. Contudo, há casos em que pode ser reversível. Em relação a mim, é para a vida toda, terei sempre este saquinho, que já faz parte de mim e que não me incomoda em nada, tenho alturas que até me esqueço que o tenho.
VA - Vai à praia? Como é que faz com o saco?
AP - Vou sim, sempre que posso. Mas, infelizmente este assunto ainda é “tabu”, muitas pessoas ostomizadas sentem vergonha e não vão à praia, porque a maioria das pessoas olham e comentam… “Olha aquela tem um saco”. Eu gostaria que isso mudasse, não podemos ter vergonha de usar o “saquinho”, afinal este salvou-nos a vida. Eu não tenho nenhum problema com isso, e não me incomoda nada, sempre gostei muito de ir à praia e não é o saco que me vai impedir .Há poucos locais onde eu não posso ir, ou pelo menos não devo, como jacuzzis e saunas devido às temperaturas elevadas. Como o estoma é um orifício que está à superfície é mais fácil de se contrair uma infeção, ou seja, neste momento, sou mais suscetível a infeções urinárias.
VA - Passou por todo o processo de um doente oncológico?
AP – Sim, claro, passei por todo o processo de quimioterapia, perdi o cabelo e perdi peso… olhava-me ao espelho e aquela pessoa que eu via não era eu.
VA – Despois do processo clínico, quando retomou a sua atividade laboral?
AP – Retomei 3 meses após a operação, tinha muita vontade de voltar a ter a minha rotina de volta, ir trabalhar, ir às compras, preparar as refeições para a família, etc…e quanto mais cedo eu retomasse a minha vida normal, melhor e mais rápida seria a recuperação.
VA- Ao nível da entidade patronal, como funciona?
AP- Relativamente à entidade patronal, há uma redução no IRS, o patrão desconta menos no ordenado, porque se trata de uma pessoa com incapacidade.
VA- Também têm direito ao selo no carro para estacionar?
AP – Sim, também temos, mas não o devemos utilizar! Não padecemos de incapacidade de locomoção. Isso serve, sim, para as pessoas que estão numa cadeira de rodas ou com problemas de mobilidade, temos que usar o bom senso.
VA – Como faz diariamente quando está fora de casa ou sabe que vai demorar?
AP – Eu tenho sempre comigo uma mala “SOS”, onde tenho todos os produtos que tem de estar sempre comigo, no caso de haver uma fuga ou se tiver que mudar a placa e/ou o saco.
Nessa mala tenho a placa, que se cola na pele em redor do estoma e na qual se fixa o saco. Tenho também produtos para proteger a pele em redor do estoma, bem como, outros objetos que podem ser necessários, como tesoura ou um espelho, indispensável para a correta colocação da placa.
VA – Em todo este processo, conheceu outras pessoas na mesma situação? Pessoas que aceitaram melhor ou pior que a Ângela?
AP - Pessoalmente não conheço, mas gostava muito. Conheço apenas através do Facebook, isto porque faço parte de um grupo onde trocamos ideias, trocamos dúvidas, falamos com outras pessoas, que estão exatamente na mesma situação, sempre é mais fácil falar com outra pessoa que esteja na mesma situação, visto que entende mais facilmente por aquilo que estamos a passar. Claro que, falo com as minhas filhas, falo com as minhas amigas, com a minha família, mas não é a mesma coisa. Eu desde do início que aceitei esta situação e só pensava em ficar boa e ultrapassar esta maldita doença. Ganhei esta batalha, sempre com o apoio das minhas filhas, do meu marido e restante familiares e amigos, nunca me senti sozinha, tenho também um médico fantástico, o Dr. Miguel Rodrigues, que foi muito importante neste processo, bem como toda a equipa de urologia da Fundação Champalimaud que me acompanhou, liderada pelo Dr. Jorge Fonseca.
VA - Existe alguma Associação que apoie as pessoas que passam por estes processos, ou seja, existe alguma Associação de Ostomatizados?
AP- Existe, a Associação Portuguesa do Doente Ostomizado e a Liga Portuguesa Contra o Cancro que tem um Movimento de Apoio à Pessoa Ostomizada. Podemos através dessas entidades obter toda a informação necessária, nomeadamente sobre os produtos a comprar, bem como, sobre os direitos que a pessoa ostomizada tem. Esses direitos passam pela obtenção do grau de invalidez do certificado de incapacidade Multiusos, um certificado que é passado por uma junta médica que nos dá um grau de deficiência. No meu caso específico, eu tenho um grau de 72%. O mesmo dá algum benefício a nível do IRS e ao nível do Selo do carro porque ficamos isentos do seu pagamento, prioridade nas filas, descontos em alguns serviços, isenção de taxa moderadoras e muita gente não sabe, mas quem é portador de um certificado de incapacidade pode solicitar uma prestação social junto da Segurança Social.
VA - Agora com o COVID-19, tem cuidados redobrados, teve de alterar a sua rotina?
AP- Neste tempo de Covid-19, os cuidados que tenho são os mesmos de qualquer outra pessoa, é claro que sou um pouco mais suscetível, porque tenho as defesas um pouco mais baixas.
VA - Acredita que há algo mais a fazer relativamente à divulgação/informação sobre este tema?
AP – Sim claro que há, e muito, através da divulgação do mesmo, por exemplo, sobre os produtos, isto porque a pessoa ostomizada tem de ir, sem acompanhamento à procura dos produtos. Essa divulgação e sensibilização seria também importante junto dos profissionais de saúde, onde muitos ainda não estão preparados para auxiliar pessoas ostomizadas, eu própria já tive que lidar com essas situações. Seria também mais fácil se as próprias empresas ou farmácias fizessem campanhas publicitárias nesse sentido. Isto ainda é um assunto muito fechado. Se eu estiver na rua e perguntar a meia dúzia de pessoas o que é uma pessoa ostomizada, de certeza que ninguém me saberá dizer. Este assunto tem que ser divulgado pois, infelizmente, cada vez há mais ostomizados. Até mesmo nas escolas, pois também há muitas crianças ostomizadas que às vezes se sentem descriminadas, e isto não deveria acontecer. Eu gostaria muito que este assunto deixasse de ser “tabu”, desmitificando a ostomia e a pessoa ostomizada, contribuindo para tranquilizar futuros pacientes e familiares. Espero que esta entrevista possa contribuir para essa mesma divulgação, ajudando desta forma alguém na mesma situação que eu.
Por: Nathalie Dias
Transcrição: Carolina Figueiras