Faro com novas hortas sociais no início do próximo ano

Faro vai ganhar, no início do próximo ano, novas hortas sociais nos terrenos da Direção Regional de Agricultura. A Voz do Algarve, esteve à conversa com Pedro Valadas Monteiro, Diretor Regional de Agricultura e Pescas do Algarve, que nos deu mais pormenores sobre este projeto. O responsável falou ainda sobre os principais problemas da região e os projetos que vão ser implementados em 2021 na área da Agricultura.

VA - A Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve (DRAPAlg) já assinou o protocolo com a Câmara Municipal de Faro para a cedência de um terreno que tem como objetivo a instalação de hortas sociais. Em que consiste este projeto?

PVM - Este projeto insere-se no âmbito da responsabilidade social da Direção Regional de Agricultura e Pescas. Nós, há vários anos, que temos protocolos no sentido de ajudar associações do nosso distrito, nomeadamente, do concelho de Faro. Tivemos, durante muito tempo, oficinas de terapias ocupacionais com a Associação de Saúde Mental do Algarve (ASMAL). Temos também um protocolo, há mais de 5 anos, com o Banco Alimentar Contra a Fome numa parcela de terreno que é em frente ao espaço das hortas sociais, que é direcionado para a produção de legumes frescos.

Agora, fizemos este protocolo com a Câmara Municipal de Faro. Estamos a falar de uma parcela com mais de 2.500 m2 que dará para fazer cerca de 50 talhões para hortas sociais. Nós disponibilizamos o espaço e damos assistência técnica. Damos formação, pois o intuito é que seja tudo feito em modo de produção biológico. A ideia é haver aqui a utilização de princípios da economia circular associados à agricultura, por exemplo, os resíduos das culturas serem objeto de compostagem e depois serem incorporados no solo para a melhoria dos níveis de matéria orgânica.

A gestão do projeto, o regulamento, as condições para os agregados ou as entidades que vão ficar com esses talhões e os critérios para a atribuição dos mesmos são responsabilidade da Câmara.

VA - Quantas famílias vão receber este apoio e a partir de quando?

PVM - Se considerarmos que cada talhão vai ter cerca de 50 m2, estamos a falar de uma área com cerca de 2.500 m2, logo dará à volta de 50 talhões, o que corresponde a 50 famílias. O quando depende da tramitação por parte da Câmara Municipal. A ideia que me foi transmitida é que poderia estar operacional a partir do início do próximo ano, uma vez que existe um conjunto de passos a seguir. É necessário um regulamento e presumo que tenha de ir a reunião de câmara. Depois, tem de ser lançado o procedimento concursal. As pessoas entregam as candidaturas e mostram o seu interesse. Depois há de haver um processo de seleção. Entretanto, o terreno tem de ser objeto de vedação e intervenção por parte da Câmara Municipal. Presumo que em termos de ir para o terreno, estará apto a ser feito a partir do início do próximo ano.

VA - Que tipo de alimentos é que as pessoas poderão produzir?

PVM - Hortícolas de regadio. Estamos a falar de produtos da época: hortícolas frescos. Ali não vai haver plantação de árvores de fruto. Este protocolo é um projeto com periodicidade anual, que renova automaticamente se não houver objeção por nenhuma das partes. Com esse horizonte temporal, as árvores de fruto ficam inviabilizadas.

VA - Os beneficiários deste apoio vão ter algum tipo de apoio ou formação?

PVM - Depende do nível de conhecimento de cada um dos beneficiários. Poderemos ter pessoas que já têm alguma experiência com a prática agrícola e poderemos ter outras que não têm experiência nenhuma. O apoio vai variar em função do nível de conhecimento das pessoas a quem forem atribuídos esses talhões.

Presumo que vamos ter de dar formação do modo de produção biológico porque é uma prática sobre a qual provavelmente não têm conhecimento. Vamos ter de instruí-los precisamente no modo de produção biológico, mas também sobre as regras, as operações e os tipos de fatores de produção que devem ser tidos em conta para fazer cumprir o modo de produção biológico. Essa é a formação base e depois, no dia a dia, a praxis de campo levanta sempre questões que carecem de apoio técnico.  Em suma, haverá uma formação inicial de base e depois um acompanhamento quando as pessoas já tiverem as suas produções instaladas no terreno.

VA - Quanto ao Centro de Experimentação Agrária de Tavira (CEAT), qual é o grande objetivo da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve para este espaço?

PVM - O Ministério da Agricultura apresentou recentemente a sua agenda de inovação para a Agricultura 2030. Essa agenda tem um conjunto de dimensões estratégicas. A primeira tem a ver com a alimentação sustentável. Dentro da alimentação sustentável, o principal eixo de atuação relaciona-se com a Dieta Mediterrânica, que é já Património Imaterial da Unesco e que tinha Tavira como Comunidade Representativa. Este centro está em pleno coração de Tavira e, portanto, foi identificado pelo Ministério da Agricultura, dentro da rede de inovação que vai ser criada para permitir operacionalizar estes vetores de atuação estratégica. Deste modo, o CEAT foi identificado como o Centro Âncora a nível nacional para a componente da Dieta Mediterrânica.

Na alimentação sustentável, o modelo de uma dieta equilibrada, saudável, que se quer como referência é a Dieta Mediterrânica. A meta é aumentar, até 2030, a adesão a esse modo, que, mais do que uma dieta alimentar, é um estilo de vida mais saudável. O objetivo é aumentar a adesão por parte da população portuguesa em 20% aos princípios da Dieta Mediterrânica. Para isso, o Ministério da Agricultura selecionou o Centro de Experimentação Agrária de Tavira para a componente da alimentação saudável. Logo aí há uma grande responsabilidade deste centro e de quem o gere, que é a Direção Regional.

Em estreita colaboração com outras entidades do Ministério da Agricultura e com outras entidades de outros Ministérios e de outros setores da sociedade e até mesmo organizações, temos de fazer a reabilitação daquele centro em termos do seu edificado, dos equipamentos e também das áreas dedicadas às coleções de fruteiras regionais. Vamos fazer essa reabilitação de maneira a que tenhamos condições para depois se fazerem trabalhos de investigação na área da Dieta Mediterrânica. A Direção Regional vai fazer parte, inclusivamente, do comité executivo desse Centro de Competências, cuja coordenação está a cargo da Direção Geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural. Depois há outras entidades envolvidas, nomeadamente, a Universidade do Algarve, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), a Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve, entre várias outras entidades a nível nacional. É uma parceria muito abrangente, não só de âmbito regional, mas também nacional.

O que nós pretendemos é que o CEAT se constituía como uma âncora para a implementação da parte de investigação, demonstração, sensibilização e educação na área deste modo de vida que é a Dieta Mediterrânica.

VA - O que é que falta para colocar esse projeto em prática?

PVM - Estamos na fase da identificação das necessidades em termos de reabilitação do edificado, da modernização das infraestruturas de apoio à parte agronómica e dos equipamentos (tratores, alfaias e sistemas de rega). Outra componente importante em termos de orçamentação tem a ver com a componente agronómica de campo, a renovação de coleções de material vegetal, o aumento das áreas de algumas coleções e o acréscimo de algumas espécies àquelas que já lá temos. Atualmente temos cerca de 700 entradas. Quando falo em entradas são variedades ou castas de diferentes espécies. O nosso intuito é introduzir ali outras espécies como, por exemplo, o medronheiro, espécie típica do Algarve. O que queremos fazer é instalar lá uma coleção de variedades de medronheiro. Melhorar o que lá está, aumentar a área e levar para lá outras espécies para que o Centro de Experimentação Agrária reforce, cada vez mais, a sua importância enquanto banco regional e de importância nacional enquanto centro/repositório de germoplasma vegetal. Basicamente, estamos a identificar os problemas e a orçamentar as necessidades, de modo a dotar aquele centro das condições tidas como necessárias para cumprir este objetivo ambicioso, que é ser a âncora desta dimensão da alimentação sustentável, com enfoque muito particular na Dieta Mediterrânica.

VA - Enquanto Diretor da DRAPAlg, quais são para si os principais problemas que o Algarve enfrenta?

PVM - Quando falamos do setor agrícola, há dois problemas principais. O primeiro é a água. O Algarve já não vive períodos de seca situacional ou conjuntural. A região enfrenta já um problema severo de seca estrutural. A Direção Regional tem uma rede que praticamente cobre todo o Algarve com estações agrometeorológicas automáticas e o que nós observamos, de ano para ano, é que, de uma forma genérica, há uma tendência regressiva em termos dos valores de precipitação média acumulada. Isto é transversal a toda a região.  A seca é estrutural, veio para ficar e agudizar-se. Nós sabemos que, se há região que já sofre com o efeito das alterações climáticas é precisamente o Algarve. Atualmente estamos numa situação muito complicada em termos de armazenamento de água. Os dados são públicos, coligidos pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o que nós observamos é que, tanto o nível das águas superficiais, como o das águas subterrâneas, são preocupantes. Esse é o principal problema porque a agricultura no Algarve só é competitiva e só é possível ser feita se for em regadio.

O outro problema é a questão fitossanitária. Há um conjunto de pragas que já existem, nomeadamente, a mosca da fruta que é uma praga dos citrinos, que causa prejuízos económicos muito severos. Depois temos outras pragas que estão às portas do Algarve, mas que felizmente ainda não chegaram, por via também do esforço que está a ser desenvolvido pelo Ministério da Agricultura nas prospeções, no combate através da luta integrada, biológica, para constituir zonas tampão que evitem que essas pragas cheguem ao Algarve, nomeadamente, a ‘Trioza Erytreae’, um inseto que causa prejuízos diretos aos citrinos e que é um vetor de uma doença que felizmente ainda não chegou à Europa.

Estes são os dois grandes problemas. Depois temos os problemas típicos da situação de mercado global devido à pandemia. Apesar disso, a situação tem vindo a ser regularizada, aos poucos, fruto da capacidade de resiliência dos empresários do setor, com o apoio dos mecanismos que foram criados para apoiar e combater os efeitos nefastos da pandemia por parte do próprio Ministério da Agricultura.

VA - A Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve juntou-se às Associações de Desenvolvimento Local da região para alargar a Rede de Produtores Locais do Algarve. Como tem corrido esta aproximação?

PVM - Tem corrido otimamente. A Associação In Loco tinha desenvolvido uma ferramenta mais direcionada para a questão da divulgação dos produtos da rede de produtores locais. Depois, o Ministério e as outras direções regionais fizeram uma rede, que deixou de ser de âmbito regional e passou a ser de âmbito nacional. Teve uma adesão enorme por parte dos pequenos produtores e, por outro lado, também o próprio consumidor começou a aderir cada vez mais a esta e outras redes que se têm vindo a constituir.

Eu penso que este fenómeno do online que, até agora tinha pouco impacto na parte da pequena produção, veio para ficar, inclusivamente até na área do mar, da pesca. Por exemplo, já há cooperativas, associações que estão a fazer vendas de cabazes de peixe fresco. Há um projeto muito feliz por parte da associação de Armadores de Pesca da Fuzeta, que tem um cabaz de peixe fresco que é extremamente interessante. Esta é uma das consequências criadas pela pandemia, que vai permanecer depois de vencermos o vírus.

Por sua vez, os pequenos produtores continuam a sofrer porque vendiam muito naqueles mercadinhos de rua e feiras, que estiveram fechados durante bastante tempo. À medida que forem reabrindo, a tendência é para normalizar.

VA - Que projetos é que a Direção Regional tem na calha para 2021?

PVM - O projeto mais relevante é precisamente o que envolve o Centro de Experimentação de Tavira enquanto âncora da Dieta Mediterrânica e da alimentação sustentável dentro da agenda da Inovação para a Agricultura 2030. Depois, igualmente dentro da rede de inovação, o próprio Centro de Experimentação de Hortofrutículas do Patacão é também um dos 24 polos que está identificado porque tem a coleção de referência nacional de citrinos e, portanto, vai ser um polo de investigação, inovação, experimentação e demonstração para essa componente de recursos vegetais.

Depois, temos outros projetos que já começámos e que vamos continuar a desenvolver. Estamos a trabalhar juntamente com a Direção Geral da Alimentação e Veterinária, o INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária), as associações de criadores, nomeadamente, a Associação de Criadores de Gado do Algarve (ASCAL), com o apoio do SIBIL que faz parte da Universidade do Porto num projeto de recuperação da vaca algarvia, que praticamente se extinguiu no Algarve.  Neste momento estamos a realizar uma prospeção para verificar qual é o efetivo que ainda existe. Estamos a trabalhar, a fazer as análises ao DNA, às caraterísticas exteriores. Vamos ver se esse efetivo tem massa crítica suficiente para avançar com o tal centro de recuperação da vaca algarvia, que na prática é termos um núcleo em determinado sítio, que, em princípio, será na área geográfica de três municípios (Lagos, Aljezur e Vila do Bispo).

Outro projeto tem a ver com o pêro de Monchique que temos em Tavira. A ideia é fazer-se a instalação das 30 e tal variedades de pêro de Monchique que nós temos em Tavira e levá-las para um terreno que a Câmara Municipal de Monchique já tem ou vai adquirir. Pretendemos fazer um campo de demonstração de variedades de pêro de Monchique. Assim, os investidores e agricultores de Monchique podem ir lá ver quais são as caraterísticas das várias variedades que temos e eventualmente fazerem a instalação nos seus próprios terrenos.

VA - Com a mudança das novas instalações da DRAPAlg na área das pescas em Olhão, que benefícios são esperados para os pescadores?

PVM - A sede da Direção Regional é no Patacão e vai continuar a ser. Depois o que acontece é que a Direção Regional é um organismo de âmbito regional e, como tal, para além da sua sede no Patacão, tem uma distribuição geográfica. Tem delegações em Tavira e no Parchal, em Lagoa. Para além disso, tem ainda mais dois núcleos: um em Alcoutim e outro em Olhão que é dedicado fundamentalmente ao setor das pescas.

Esse núcleo em Olhão já existe há vários anos e funciona no edifício que pertence à Doca Pesca. Esse edifício é muito grande e precisa urgentemente de obras. Por outro lado, o Grupo de Ação Costeira que é presidido pela Câmara Municipal de Olhão, desenvolve também atividades na área de apoio à pesca. O que detetámos foi a possibilidade de criar sinergias com a Câmara Municipal, uma vez que a tendência é criar espaços cada vez mais especializados para facilitar a vida do cidadão. Em vez de deslocar-se a três ou quatro sítios, o cidadão tem ali um ponto único onde pode tratar de vários assuntos relacionados com a sua área profissional, neste caso a economia do mar.

O que nós fizemos foi uma parceria com a Câmara Municipal de Olhão para deslocalizar os nossos serviços do sítio onde estão atualmente para este espaço do profissional da pesca. Aqui vão funcionar, simultaneamente, os serviços da Direção Regional e do GAC (Grupo de Ação Costeira) da Câmara Municipal de Olhão. O objetivo é melhorar a eficiência, reduzir custos, mas também prestar um serviço de melhor qualidade e mais eficaz ao nosso cliente, que neste caso é o profissional da pesca, da agricultura, o cidadão que se dedica à pesca lúdica e às marítimo-turísticas. Nesse mesmo local também vão estar instalados os balcões do mar, que são a ferramenta de excelência para comunicar com o Ministério do Mar.

 

Stefanie Palma