O perfume da música africana espalha-se por qualquer lugar com as fragâncias que lhe são peculiares, uma alegria solta da alma e de ritmos envolventes. Nesta edição destacamos o exemplo de Fernando Carvalho, autor e intérprete que um dia deixou a sua Bissau natal, na Guiné (ex-colónia portuguesa) rumo a Lisboa onde concluiu os estudos. No decurso de sua vida profissional acabou por escolher o sossego inspirador de Loulé para aqui se fixar, há já 35 anos, e dar largas a uma veia musical que ao longo do tempo se tem traduzido em trabalhos de sucesso.
Com a afabilidade e serenidade de palavras que lhe são peculiares falou-nos de “Passagem”, seu último trabalho lançado recentemente:
V.A. – Neste contexto de crise pandémica que se reflecte em todas as áreas da nossa vida, o que o inspirou a este trabalho e qual a mensagem fundamental nela contida?
F.C. - Em momentos menos bons da nossa vida em sociedade, a arte e o engenho colocam os artistas a dar o seu melhor em prol das comunidades.
V.A. – Este é já o 17º CD; que novidades temos neste trabalho que de alguma forma o distingue dos anteriores?
F.C. - Para além dos ritmos da Guiné, como por exemplo no tema Guiné Ca Na Maina / um apelo à reconciliação, incorporo os ritmos quentes dos PALOP (Países Africanos de Expressão Portuguesa) na sua diversidade.
V.A. – Com o verde a dominar o tema de capa, quais foram os critérios para a sua escolha?
F.C. - A cor verde da capa retrata a esperança, apela à vida, ao amor e à felicidade. O CD a “Passagem”, é um contributo para um mundo socialmente melhor. Sabemos que o aquecimento global do planeta tem provocado cada vez mais desequilíbrios ambientais. Por exemplo, o Sul de Portugal e Espanha já começam a ter zonas cada vez mais desérticas e em África também acontece isso; o confinamento, apesar de indispensável, tem gerado crises psicológicas, isto é, tem contribuído para o aumento dos suicídios e das depressões; o desemprego tem gerado o aumento da violência doméstica. O Álbum “Passagem” é um apelo à reflexão, pois estamos todos de passagem nesta vida e por isso deveríamos contribuir para um mundo socialmente melhor e deixarmos de táfla-táfla / desperdiçar o tempo com coisas banais e concentrarmo-nos na construção de uma sociedade mais justa e mais próspera onde impera a paz e amor.
V.A. - Voltando um pouco atrás, como é que a música aconteceu na vida do Fernando?
F.C. - Habituei-me a ouvir músicas desde criança, essencialmente através da Rádio Difusão Nacional da Guiné. Aprendi a tocar e a cantar com outros artistas, nomeadamente o José Carlos Swartz, o Jaime do Nô Pintcha, o Jorge Cabral e o professor Pacthu.
V.A. - … E a partir daí nunca mais parou! Compõe por inspiração rápida, espontânea ou em processos mais demorados, em que vai amadurecendo ideias?
F.C. - As duas coisas. Depende do momento e dos assuntos sociais relevantes para a vida em sociedade.
V.A. – Considerando os novos valores da música africana ou de inspiração africana que se têm revelado, que tem a dizer sobre eles?
F.C. - A nova geração de músicos de origem africana evoluiu bastante. Adaptaram-se bem às novas mudanças sem perder as suas origens.
V.A. - Para concluir, tem já algo perspectivado para o futuro?
F.C. - O artista deve continuar a trabalhar oferecendo coisas bonitas às pessoas e interagindo com elas.