Por Neto Gomes

Num momento de grande consternação, tombou para sempre Hermes Alberto, em pleno edifício da Câmara Municipal de Loulé, quando aguardava o momento para assinar mais um documento para o enriquecimento do seu notável património humano, que no futuro irá assegurar a construção de uma creche em Almancil.

Hermes Alberto, um velho e querido amigo, com quem partilhámos momentos únicos, em reencontros de festa, alegria, esperança, com um olhar e uma prática associada em todos os momentos, ao amor pelos outros, num constante combate ao minimizar da dor e dos sofrimentos, dos que levados pela idade, ou por qualquer conjunto de dificuldades, caiam no isolamento.

Sendo a grande alma mater da ASCA - Associação Social e Cultural de Almancil, Hermes Alberto foi uma figura de um carisma e humanismo verdadeiramente contagiantes, com um coração enorme, dedicando toda a vida, à vida dos outros. Aliás, a ASCA, na sua página on-line, escreve como nota de pesar pelo falecimento do Presidente da Direção – Sr. Hermes Alberto: 

«É com profunda consternação que a Associação Social e Cultural de Almancil comunica aos/às seus/suas associados/as, clientes e famílias, entidades parceiras e comunidade em geral, o falecimento do seu Presidente da Direção, Hermes Luís de Brito Alberto.

O dia 30-01-2020 fica marcado pela perda de um Homem de reconhecidas capacidades intelectuais, sociais e de gestão.

Nascido a 17-06-1951 em Almancil, foi defensor e atuante em várias causas sociais e políticas, visionário, carismático e agitador de consciências, Hermes Alberto, assumiu funções enquanto Presidente da Direção desde 1999, “ensinando” a todos/as os/as que com ele trabalharam e privaram, a importância do Trabalho, da Palavra, da Solidariedade, da Amizade e do Amor.

Que a sua Atitude perante a Vida e o seu Legado, possam ser sempre lembrados e honrados conforme profetizou um dia…

               “Que o Espírito Solidário se mantenha nos nossos atos”»

 

Em novembro de 2009, já lá vão dez anos, escrevemos, aqui, no jornal A Voz de Loulé, uma pequena crónica, assim a modos de homenagem, sobre Hermes Alberto, e nela, trouxemos à tona dos conhecimentos, coisas, que poucos sabiam sobre este nosso querido amigo, e que hoje, agora numa homenagem prenha de dor e de gigantesca saudade, voltámos a transcrever:

 

«Hermes Alberto cidadão do mundo

Quando alguém é pequenote, costuma-se utilizar a expressão “Não lhe olhes ao corpo”, quiçá pelo conhecimento que temos da sua genica, da sua determinação, do seu sentido de estar sempre presente.

Com Hermes Alberto, este “não lhe olhes ao corpo”, tendo também a ver não como o facto de ser pequenote, mas com o seu tamanho, e sobretudo e exemplarmente, com a sua genica, a sua determinação, o seu sentido de estar sempre, mas também com a sua afirmação em amar e sentir os outros.

É sobre este homem grande, na alma, no espírito, na vontade, na experiência, no sentido humanista como encara os outros e o mundo, na solidariedade, fazendo de cada homem um verdadeiro irmão, que vamos escrever meia dúzia de linhas ou talvez três se a mais o engenho não nos permitir.

Quando conheci o Hermes Alberto eu já era velho, mas rapidamente aprendi a reconhecer o seu carácter, o seu valor, o seu anti vedetismo, que tanto caracteriza os fracos e consome os homens quadrados sentados em lugares redondos. Só me falta dizer que conheci o Hermes e a sua querida esposa, através de um amigo comum, o João Martins, autarca de Almancil, Presidente da Junta de Freguesia. Refilão, mas um bom autarca. Aliás, só se é bom autarca, quando se é refilão…

Com o tempo, e em convocatórias concretizadas, para alguns almoços e jantares, porque é à mesa que melhor se conhecem os amigos, que fiquei a saber um pouco mais de um homem que conhece todos os milímetros da Quinta do Lago, por quem a comunidade estrangeira e não só, tem um respeito duas vezes do tamanho da Espanha. Já sei que devem estar a pensar nesta disparatada comparação, mas o que está escrito, está escrito e não vale a pena mexer mais. Foi a comparação que arranjei e ponto final.

Só não sabia que o Hermes tinha andado pelo Canadá, tinha tido a honra que guarda até hoje um histórico autógrafo da D. Amália, a mesma do “Prefeito Coração”, quando o Hermes era o maior num Restaurante Alemão.

Não sabia que o Hermes tinha dado aulas de português na Alemanha, que tinha ajudado corações portugueses num País diferente, de olhar diferente, que mesmo no tempo do muro agora tombado e com 20 anos de história, já era um País com uma superorganização. Aliás, muito a sério, o Hermes Alberto, costuma dizer que das muitas coisas que trouxe da Alemanha, a mais valiosa, lado a lado com as amizades, foi o sentido de organização.

Sabia muitas coisas sobre o Hermes, só não sabia que tinha tido ligações militares aos que fizeram Abril, que tinha sido Alferes Miliciano em Faro, e quem todos os momentos da sua vida, mesmo nas horas piores, nunca se desligou da solidariedade, do companheirismo, dos afetos, devolvendo, dando aos outros, mil vezes mais do que lhe chega às mãos.

Até nos sonhos Hermes Alberto é diferente e ao contrário de outros que costumam dizer “eu tive um sonho”, Hermes Alberto teve mais que um sonho e não pára de sonhar.

Primeiro o Centro de Dia de Almancil. Verdadeiramente exemplar, no rigor, na conduta, na valorização da pessoa humana, nos afetos, na relação entre a sociedade e os utentes feita através de contactos, palestras, festas, exposições.

Na relação entre os utentes e os parceiros sociais, conferindo mais qualidade, mais responsabilidade.

Na relação entre os utentes e a comunidade estrangeira, que tem sido exemplar e tem contagiado a própria comunidade algarvia nos apoios.

Na relação entre os utentes e os poderes constituídos, não apenas com a Junta de Freguesia, mas com a Câmara Municipal de Loulé e Segurança Social, cujos apoios têm sido marcantes e decisivos para uma obra exemplar, afinal um dos sonhos do Hermes.

Mas o Hermes Alberto não parou de sonhar, de sonhar para os outros, e hoje já é possível, tijolo a tijolo, o erguer como se de um novo sol se tratasse, da Lar para a 3ª. Idade, num esforço exemplar e com uma nobre corrente de afetos, que Hermes Alberto ligou a si próprio e entrelaçou como se de mil cordões umbilicais se tratasse por quantos são a força, a alma, o tecido de afetos do Centro Comunitário: Direção, técnicos/as, funcionários/as. Tudo gente que tal como o Hermes querem ser anónimos, porque como diz a canção, aqui, no Centro Comunitário de Almancil, “O artista principal” é o utente.

Agora que já estou a ficar mais velho e a pagar 50% em certos lugares, é que comecei a conhecer outros lados deste gigante do bem fazer, de acreditar que a partilha é possível, até nas emoções. De acreditar que a vida é um conjunto de almas e não a pobreza da nossa mesquinhez individual, de nos termos tornados nuns indiferentes. De acreditar que tem que haver dia seguinte para todos os homens, para todas as mulheres. De acreditar que o enobrecimento de cada homem, está naquilo que fazemos aos outros.

Apenas um senão em Hermes Alberto. Nunca é tarde para arquitetares um seguidor, outros seguidores, o que acho é que é muito cedo, para lançares este gesto, este movimento, porque se calhar ainda não percebeste, que tu, em toda a vida comunitária, mais que o epicentro, és a trave mestra do edifício, e mesmo não sabendo se algum vez estiveste ligado à construção civil, se foste pedreiro, porque ainda não mo confidenciaste, sabes seguramente qual o papel que tem num edifício a trave mestra…

Apetecia-me terminar com um poema que um dia me enviaste de um poeta cubano, contudo, prefiro soltar e relembrar o Fernando Pessoa que há em ti: “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce…”, mas também é bom seguir o rasto dos teus sonhos, também como gigante de afetos, cuja vaidade e orgulho, é olhar e fazer bem aos outros.

Fosse o Hermes um algarvio de fora e outro galo cantaria, e eles existem muitos destes galos, só que quando conhecidos, nem as galinhas olham para eles. São os galos que o corpo sofre, pelos rombos que a vida lhes dá.

Que lições de vida, encontrei nos cânticos, sem frases feitas, do “Professor Hermes Alberto…”»

 

E como resposta a este texto, recebi esta mensagem do Hermes: «Estimado Amigo,

Um texto com esse fino recorte só poderia provir de uma pessoa como tu,"

Amigo do seu amigo ".

Efetivamente continuo a questionar-me se fará sentido viver em liberdade sem

se se sentir livre?

Mais do que viver em liberdade é necessário que nos sintamos livres.

Esse será o grande desafio ao qual poucos responderão - EU SOU.

Um abraço forte.

Hermes»

 

E fechamos por agora, esta pequena conversa sobre o nosso bom amigo Hermes Alberto, porque a vida de Hermes nunca ficará nas trevas, encontrando sempre em cada um de nós e na obra constante e repetida da ASCA, toda a sua memória.

 

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