Governo quer mudar lei para ajudar famílias e PME a terem menos custos com a fatura do gás. Presidente da República vai analisar.

Um dia depois da EDP e da Galp terem comunicado que pretendem aplicar significativas subidas nos preços do gás no mercado liberalizado já a partir de outubro, o Governo avançou ontem, dia 25 de agosto de 2022, com um plano de contra-ataque para tentar levantar as restrições no mercado regulado, e assim tentar ajudar as famílias e os pequenos negócios a conseguirem minimizar o impacto da fatura do gás nos seus orçamentos, já fortemente penalizados no atual contexto de alta inflação, subida das taxas de juros e de outros gastos extra.

O objetivo do Executivo socialista de António Costa é mudar a lei para permitir o regresso dos consumidores ao mercado regulado do gás natural, à semelhança do que acontece na eletricidade. A medida, se for viabilizada, estará estar em vigor pelo prazo máximo de 12 meses e deverá abranger 1,5 milhões de clientes. Entretanto, aqui podes consultar um conjunto de dicas para poupar no consumo de gás em casa.

"O Governo decidiu que vai propor o levantamento das restrições legais existentes, para permitir o acesso às famílias e pequenos negócios ao mercado regulado [do gás natural], anunciou o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, em conferência de imprensa.

O governante está convencido que “muitos consumidores passarão a ter até uma fatura de gás inferior” à atual, ao passarem para a tarifa regulada, que beneficia de custos de aquisição de gás mais baixos que os atuais preços grossistas, por estarem indexados a contratos de longo prazo entre a Galp e a Nigeria LNG. 

“Os preços do mercado regulado serão menos de metade dos preços dos comercializadores do mercado liberalizado que ontem [quarta-feira] anunciaram o seu aumento”, afirmou Duarte Cordeiro, numa conferência de imprensa, na qual avançou que o Governo vai propor o levantamento das restrições legais existentes, para permitir o acesso às famílias e pequenos negócios ao mercado regulado de gás natural.

Até agora, os consumidores podem regressar ao mercado regulado do gás natural apenas em casos particulares, como por exemplo:

  • beneficiários da tarifa social;
  • clientes de um comercializador que deixe de prestar o serviço.

Medida de levar restrições ao mercado regulado do gás natural é para clientes de baixa pressão

Por sua vez, o secretário de Estado da Energia, João Galamba, concretizou que o levantamento das restrições legais para o acesso ao mercado regulado do gás para as famílias e pequenas empresas vai abranger "um universo de 99,7% dos clientes de gás", insistindo que a medida não só protege as famílias e pequenos negócios do aumento de preços, como pode mesmo significar uma redução.

"Esta medida dirige-se a todos os clientes ligados à baixa pressão - o gás tem baixa, média e alta pressão - com consumos inferiores a 10 mil metros cúbicos de gás", explicou o governante em declarações à CNN Portugal.

Questionado sobre se há 'stock' de gás para que todas essas pessoas mudem para o mercado regulado, o secretário de Estado da Energia respondeu positivamente, explicando que "a tarifa regulada (que estará em vigor pelo menos até ao final de 2025) é abastecida pelos chamados contratos 'take or pay', que foram negociados pelos Estado português antes da privatização da Galp (...) são contratos da Galp, mas com determinadas obrigações, nomeadamente fornecerem tarifa regulada", esclareceu.

Quem define os preços no mercado regulado e no mercado liberalizado? E quem pode comercializar?

Mercado Regulado

No mercado regulado atuam várias empresas de âmbito local e regional que, até há pouco tempo eram detidas pela Galp e que hoje pertencem maioritariamente à Allianz Capital Partners, como a Beiragás e a Lisboagás, entre outras. Também atuam neste mercado a Portgás, da Ren, e a Sonorgás, do grupo Dourogás, tal como resume o Público.

Os preços destes comercializadores são fixados pela ERSE para o chamado “ano gás” que se inicia a 1 de outubro e termina a 30 de setembro, com possibilidade de revisões trimestrais para acompanhar a evolução do custo de aquisição da energia, como aconteceu a 1 de Julho, em que houve um aumento de 3,3%.

Mercado liberalizado

Por sua vez, no mercado liberalizado, as empresas fixam livremente as condições comerciais com os seus clientes, refletindo normalmente nos tarifários o custo de aquisição da energia e uma margem de comercialização que remunera a sua atividade.

O mercado liberalizado permite que haja empresas que fornecem simultaneamente eletricidade e gás natural. De acordo com a ERSE, além da EDP Comercial, atuam no segmento residencial de gás natural a Galp Power, Goldenergy, Endesa, Iberdrola, Dourogás, Yes Energy, Luzigas, G9 Energy, Aldro Energia, JafPlus e Audax.

Comercializadores do mercado livre preocupados com o futuro do setor

A Deco lançou, em junho, uma petição para que o mesmo seja permitido no caso do gás natural, uma vez que as tarifas no mercado regulado passaram a ser a opção mais barata para a maioria dos consumidores domésticos, comparativamente ao mercado liberalizado.

E se, para os consumidores, as tarifas reguladas podem ser uma via de escape para mais um agravamento de preços generalizado, para as empresas que atuam no mercado liberalizado são sobretudo “más notícias”, porque antes tinham um “problema de concorrência desigual” na eletricidade que agora se estendeu ao gás.

Isto porque no caso da eletricidade, desde 2018 que é possível mudar do mercado livre para a tarifa equiparada à regulada, ou seja, permanecendo cliente de uma empresa, o consumidor pode usufruir da tarifa definida pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

“Estamos muito preocupados com a solvabilidade das empresas do mercado liberalizado, tanto da eletricidade como do gás”, admitiu o presidente da Associação de Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado, Acemel, citado pelo Público.

Apesar de reconhecer que se vivem “tempos extraordinários” e que há “alguma compreensão” para a utilização do mercado regulado como “instrumento” de mitigação de preços, Ricardo Nunes disse que para os comercializadores do mercado livre a medida “é profundamente injusta” porque parece ser “um dado objetivo” que vão perder muitos clientes.

Na visão do presidente da Acemel, “ao contrário de outros países europeus, Portugal começou a casa pelo telhado porque aplicou primeiro várias medidas de intromissão nos mercados grossista e retalhista”. Primeiro, deveriam ter sido “esgotadas todas as outras medidas”, como a redução de impostos ou, como fizeram recentemente a Alemanha e o Reino Unido, a atribuição de cheques energia a alguns consumidores, recomendou Ricardo Nunes, em declarações ao diário.

Mas baixar o IVA do gás natural, por exemplo, não parece estar nos planos do Governo, considerando que esta medida de reabrir o mercado regulado já tem efeito no preço final pago pelas famílias, segundo indicou o ministro do Ambiente, ontem, na conferência de imprensa.

Marcelo Rebelo de Sousa diz que ainda tem de analisar diploma e perceber a lógica de intervenção do Governo

Já o Presidente da República escusou-se a comentar a medida ontem anunciada pelo Governo, dizendo querer perceber a “lógica global de intervenção” e lembrando “medidas ambiciosas” noutros países.

À margem de uma visita à 92.ª Feira do Livro de Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa, declarou que ainda não viu, nem conhece a recente proposta do Governo. "Logo que veja o diploma terei uma opinião”, prometeu.

O Chefe de Estado salientou, no entanto, que em toda a Europa “está a haver aumentos generalizados de custos no domínio da energia” e salientou que “todos os Governos estão a aprovar programas”, não apenas no domínio da energia, mas em geral para fazer face “às consequências económicas e financeiras da guerra no bolso das pessoas”.

“Uns fazem um pacote global, outros fazem por pacotes setoriais, outros por medidas isoladas. Não me vou pronunciar sem perceber qual o grau de intervenção que vai haver da parte do Governo: em vários países há aumentos, mas o que interessa é ver as medidas de mitigação ou compensação que existem, quais são, qual o alcance”, afirmou.

E aproveitou para recordar os exemplos de Itália, França e Espanha que “já divulgaram” medidas. Questionado pela Lusa se concorda com elas, classificou-as de “ambiciosas”.

“São medidas muito diferentes, que não tenho visto serem tratadas em Portugal, são medidas muito globais, muito abrangentes e bastante ambiciosas porque não são só na energia, são noutros apoios”, apontou ainda.

No dia 16 de agosto entrou em vigor o novo tarifário das botijas de gás, depois de o Governo ter aprovado a fixação de preços máximos para o gás engarrafado, feito a partir de petróleo liquefeito (GPL), tal como já tinha acontecido durante a pandemia de covid-19. 

E a Autoridade da Concorrência (AdC) reagiu de imediato alertando para os “riscos” da fixação de preços administrativos pelos governos em contexto de aumento de inflação, indicando que podem funcionar como “ponto focal de conluio”.

Além disso, o regulador avisou que “a imposição de um limite a um nível artificialmente baixo, que não permita às empresas recuperarem os seus custos, pode desencadear a saída de empresas, particularmente as de menor dimensão”, bem como “enfraquecer os incentivos para a entrada e expansão de concorrentes no mercado”.

EDP e Galp: comercializadoras do mercado livre anunciaram subidas do gás a partir de outubro

Na quarta-feira, a EDP anunciou que vai aumentar o preço do gás no mercado liberalizado às famílias em média 30 euros mensais, mais taxas e impostos, a partir de outubro, devido à escalada de preços nos mercados internacionais e após um ano sem atualizações.

  • Em declarações à agência Lusa, a presidente executiva da EDP Comercial, Vera Pinto Pereira, anunciou a decisão de aumentar o preço do gás “em média, 30 euros na fatura dos clientes” residenciais, os quais são acrescidos de “cinco a sete euros de taxas e impostos”.

Para os cerca de 433.300 (dois terços) dos 650.000 clientes residenciais, que representam os consumos mais baixos, a subida do preço do gás terá um impacto médio de 18 euros mensais, antes de taxas e impostos, ou seja, o aumento rondará os 22 euros.

  • Pouco depois, fonte oficial da Galp indicou à Lusa que a petrolífera também vai aumentar os preços do gás natural em outubro, no mercado liberalizado, “num valor a indicar brevemente”.

 

Por: Idealista com Lusa