por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestrando em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

A palavra “SCUT”, abreviatura para “Sem Custos para o Utilizador”, é utilizada por referência a um modelo económico e financeiro através do qual uma entidade privada, sujeita ao mercado concorrencial, fica responsável pela construção, exploração e manutenção de uma autoestrada, recebendo do Estado um valor (renda) que varia em função do número de veículos que nela transitam diariamente. Na prática, sucede que é o Estado que através de uma renda paga o valor das portagens, dispensando os utilizadores de o fazerem.  

E porque motivo deve o Estado pagar essa renda e não os utilizadores dessa mesma autoestrada?

Poder-se-ia apresenta um rol extenso de motivos e argumentos, porém, por questões práticas, poder-se-á apresentar as seguintes razões.

Em primeiro lugar, este tipo de rendas deve ser assumida pelo Estado porque se trata de uma questão de mobilidade e de dinamização das regiões. No caso do Algarve, a inexistência de uma via alternativa (e não, a Estrada Nacional n.º 125 não é uma alternativa por mais maquilhagem que lhe coloquem) obriga a que o Estado garanta um meio idóneo e adequado para que se restabeleça a circulação na região, pressuposto da efetividade da liberdade de circulação de bens, pessoas e serviços no espaço europeu.

Em segundo plano, as oscilações do PIB (produto interno bruto) a nível regional justificam plenamente, no caso do Algarve, que o Estado se substitua ao utilizador e garanta que este tenha um acesso gratuito às infraestruturas rodoviárias. Atendendo ao quadro nacional, o PIB produzido pela região algarvia somente supera as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. No continente, o Algarve é por isso a região que gera menos PIB per capita. Torna-se assim óbvio que o poder de compra e autonomia financeira dos algarvios não pode ser comparada às demais regiões portuguesas. Sobre este aspecto, é tarefa fundamental de um Estado de Direito Democrático que este venha a desempenhar um papel de correção dos desequilíbrios e das assimetrias regionais.

Por último, há que ter presente que o Algarve é uma região com evidentes particularidades, sobretudo no que respeita ao Turismo, o principal motor económico regional e um dos principais cartões de visita de Portugal. É pouco ou nada digno que a região mais turística de Portugal e da própria Europa apresente a todos aqueles que a visitam uma única autoestrada, que num troço de 133km se veja dilacerada por 10 pórticos de portagens, ou em “alternativa”, uma estrada nacional que não se encontra operacional na maioria dos seus troços, e que leve ao congestionamento que se prolonga por vários quilómetros.

Face a estas circunstâncias seria espectável que as sensibilidades, necessidades e interesses da região fossem devidamente atendíveis em São Bento, pois em ultima ratio, os interesses regionais são também os interesses nacionais.

Porém, o hemiciclo parlamentar distanciou-se uma mais do assunto e demonstrou um profundo desprezo pela urgência e necessidade de procurar uma solução satisfatória. No passado mês de março, o Bloco de Esquerda (BE), o Partido Comunista Português (PCP), e o Partido Ecologista – os Verdes (PEV), apresentaram vários Projetos de Resolução que visavam abolir as portagens na Via do Infante. As propostas foram rejeitadas com os votos contra do Partido Socialista (PS), do Partido Social Democrata (PSD) e do Centro Democrático Social (CDS). Por outro lado, o PSD, apresentou pela mão do deputado Cristóvão Norte uma proposta de suspensão da cobrança de portagens na A22 até à conclusão das obras de requalificação da EN125, a qual foi igualmente rejeitada, desta vez com os votos contra do PS, BE, PCP e PEV. Também o CDS apresentou pela autoria da deputada Teresa Caeiro uma proposta que visava reverter o aumento do custo das portagens da A22, mantendo o seu congelamento até à conclusão das obras de requalificação da EN125. Esta proposta foi igualmente rejeitada com os votos contra do PS, BE, PCP e PEV.

Numa breve síntese poder-se-ia afirmar que o impasse político não permitiu que fosse encontrada uma solução para a situação da Via do Infante. Facto é que os partidos de esquerda inviabilizaram qualquer melhoria, ainda que mínima, em relação às portagens da Via do Infante, portanto os partidos da direita inviabilizaram a aprovação de uma solução definitiva, limitando-se apresentar projetos de curto alcance e que funcionam como “remendos” para uma situação que os próprios criaram. Seja como for, é preciso ter presente que foi o PS quem saiu pior nesta fotografia (com exceção dos deputados António Eusébio, Luís Graça, Fernando Anastácio, e a deputada Jamila Madeira). Durante a sua campanha eleitoral, que antecedeu as eleições legislativas de 2015, o PS colocou vários outdoors espalhados por toda a região, no qual constava expressamente a mensagem de que “Pagar portagem não é alternativa”. Esta mensagem de propaganda política criou expetativa de que o PS viesse a abolir as portagens na Via do Infante, expetativa essa que saiu defraudada.

Volvidos dois anos, o Algarve continua a esperar (e a desesperar) por uma solução. Não ignorando os esforços que foram feitos em 2016, o PS não conseguiu até ao momento apresentar uma solução satisfatória, e mesmo quando confrontado com a possibilidade de providenciar essa solução, opta por votar contra. Não é inteiramente clara a posição que o PS tem em relação ao assunto. Por um lado, em 2016, o PS apresentou uma proposta de redução do valor das taxas portajadas na Via do Infante, mas já em 2017, perante as propostas do PSD e do CDS que iam nesse mesmo sentido, decide votar contra. Por outro lado, em 2015, o PS prometeu, em sede de campanha eleitoral, abolir as portagens na Via do Infante, mas quanto confrontado com essa possibilidade em 2016 e 2017, votou contra.

Neste esquizofrénico jogo político, também é importante não esquecer que foi o PSD e o CDS, durante o Governo de Passos Coelho e Paulo Portas, quem sentenciou o Algarve a uma clausura de portagens e a uma “alternativa” sem alternativa. Estes partidos, que admitiam e saudavam a existência de Contratos de Associação com entidades de ensino privado onde já existia oferta pública, são os mesmos que não hesitaram em concessionar a exploração da Via do Infante a entidades privadas, o que obviamente implicaria a existência de (insustentáveis) portagens. Embora se perceba que a consignação de despesas e receitas públicas impeça a comparação entre estas situações, o certo é que permite compreender e analisar a postura destes partidos perante este assunto. Ainda que seja notável que a ala Direita tenha ganho sensibilidade para esta questão, propondo a suspensão ou a redução do valor das taxas portajadas até à conclusão das obras da EN125, o certo é que as emendas de circunstância não bastam, nem acautelam devidamente os interesses dos algarvios.

Por tudo isto vale dizer que a abolição das portagens na Via do Infante é tarefa para ontem, e que, independentemente de qualquer pressuposto, não é admissível que os representantes parlamentares e os membros do executivo continuem a afetar e a lesar gravemente os interesses da região, a dinamização da sua economia, e a mobilidade interna.