por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestrando em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

As imagens que acompanharam a denúncia da equipa de enfermagem do Serviço de Urgências do Hospital de Faro, só chocam quem nunca por lá passou.

O longo tempo de espera das urgências, a acumulação de macas nos corredores, a insuficiência dos meios materiais e humanos, os gritos e gemidos daqueles que há horas aguardam para serem vistos por um médico, as salas atoladas de doentes que formam uma espécie de pré-morgue, poder-se-iam dizer que são, de facto, a imagem de marca do Hospital de Faro.

Tais relatos não são uma novidade, e há décadas que situações como aquelas que foram relatadas são conhecidas. Contudo, foi necessário que esta denúncia alcançasse a comunicação social, obtendo, assim, a visibilidade e amplitude necessária para que o tema ressurgisse na ordem do dia e fosse sinalizado como uma questão de interesse nacional.

Não obstante, e ainda que seja, por demais, evidente que os factos que suportam a denúncia dos enfermeiros se devam a uma lacuna deixada pelo Sistema Nacional de Saúde, o Conselho Administrativo do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), através do seu Gabinete de Comunicação, precipitou-se em enviar comunicados à imprensa, afirmando que tanto o tempo de espera no serviços de urgências, quanto a situação denunciada pelos enfermeiros ficaram a dever-se a “um pico anormal na afluência de utentes à urgência”.

Ora, a maioria dos algarvios reconhece que o amontado de macas e doentes pelos corredores e os longos tempo de espera não são situações anormais. Pelo contrário, estas situações tendem a ser uma tendência no Hospital de Faro. Desvalorizar a denúncia dos enfermeiros; o sofrimento dos doentes, transposto nas fotografias que chegaram a público; e as centenas de relatos, denúncias e reclamações, são uma afronta a todos os algarvios, a todos os pacientes e seus familiares.

Acresce, que tais declarações são profundamente contraditórias. Se a situação que esteve na origem da polémica é anormal e, por isso, pontual, porque motivo o Hospital de Faro abriu procedimentos para a contratação de 42 novos enfermeiros? Das duas uma: ou o Conselho Administrativo do CHUA reconhece a insuficiência dos seus recursos humanos, dando razão de ser à denúncia, ou então, seguindo a sua tese, está a contratar enfermeiros sem que haja necessidade, visto que tal situação representa apenas um “pico anormal na afluência de utentes”. Embora a contradição enunciada coloque o Conselho Administrativo em má posição perante qualquer uma das alternativas, é óbvia a razão pela qual o Hospital está agora a recrutar novos enfermeiros. Os algarvios sabem-no, os doentes que por lá passaram sabem-no, os funcionários sabem-no, as autarquias sabem-no, o Conselho Administrativo sabe-o perfeitamente.

A polémica em torno do serviço de urgência do Hospital de Faro, e a forma como o Conselho Administrativo do CHUA lidou com esta situação, somente veio a revelar que o central da sua atuação está focado nas questões políticas, negligenciado a melhoria efetiva dos serviços hospitalares. Na expressão popular, não basta sacudir o pó para debaixo do tapete, esperando que ninguém dê bom olhar à sujidade escondida. Era exigido, e por isso espectável, que o Conselho Administrativo do CHUA assumisse clara e inequivocamente a existência de constrangimentos nos serviços de urgência do Hospital, e se comprometesse, dentro do possível, a procurar uma solução.

É óbvio que não se espera que, num espaço de dois anos (coincidentes com o início das funções do Governo), sejam colmatadas as lacunas do Sistema Nacional de Saúde. Espera-se, sim, que haja transparência e proatividade na resolução dessas mesmas falhas, e nessa medida, esta situação poderia ter sido tomada de exemplo para o próprio Conselho Administrativo do CHUA exigir do Governo, a construção de um novo centro hospital – necessário há décadas – bem como o reforço dos meios materiais e humanos. Não o ter feito, foi uma opção totalmente política, que em nada serve os interesses regionais, sobretudo, numa área tão sensível como é a saúde pública.

Por outro lado, e embora a construção de um novo hospital fosse uma prioridade já sinalizada no ano de 2006, a mesma deixou de constar da lista de prioridades do Governo.  Como sucede em tantos outros domínios, as oscilações regionais verificam-se igualmente neste campo. A construção de um megacentro hospitalar em Lisboa é disso exemplo. Embora a área metropolitana de Lisboa possua cerca de 14 hospitais (entre os gerais e os especializados), o Governo avançou na construção de mais um, que projetado para zona da Bela Vista, pretende englobar e absorver vários dos hospitais já existentes. Quanto ao Algarve, o abandono do projeto que visava dotar a região de um hospital com capacidade para suprir as necessidades sentidas, parece ter passado em branco junto do Conselho Administrativo do CHUA, que tendo presente o fecho de vários centros de saúde, foi incapaz de marcar posição perante o executivo. Por isso se diz – e bem – que a gestão do Hospital de Faro é feita para a contenção do prejuízo e não para o desenvolvimento e melhoria dos seus serviços.

De igual modo, um olhar mais atento sobre as medidas de promoção da saúde pública, permite revelar o carácter exíguo das políticas nacionais. Considerando a necessidade de construções de novos hospitais em várias regiões (Alentejo, Algarve, Centro), a necessidade de reforço do pessoal médico e assistente, e a modernização dos sistemas e equipamentos de saúde, a implementação de uma medida executiva que proíbe os doces e salgados nas máquinas de venda automática dentro dos centros hospitalares torna-se caricata. E não é que esta não seja uma medida útil, porque de facto o é. Porém, em respeito às necessidades mais prementes do sistema nacional de saúde, esta é uma medida praticamente irrelevante.

Ao passo da negligência pública, o sector privado na região tem vindo a alargar-se. A existência de centros hospitalares privados é, praticamente, uma constante em todo o Algarve. Isto revela, com evidência, que a lacuna aberta pelo sector público, somente veio a beneficiar os agentes privados. E não é que a oferta privada não possa existir onde existe oferta pública, pois essa é a lógica do mercado. A oferta pública é que não pode deixar de existir, somente porque em determinadas áreas se verifica a presença de um agente privado, pois essa não é a lógica do sistema nacional de saúde. E neste aspeto, com toda a margem de erro que esta visão possa encerrar, a visão governativa para o Algarve tem procurado que a oferta privada venha a suprimir as falhas do sistema nacional de saúde. Ora, tal é desde logo insustentável, quer porque o rendimento das famílias algarvias é dos mais baixos quando comparado com outras regiões, quer porque a existência de uma rede hospital eficiente é factor de investimento e de atratividade de uma região.