Por: Miguel Peres Santos – Mestre em Gestão Cultural pela Universidade do Algarve msantostavira@gmail.com | http://facebook.com/mapdsantos

A 27 de Maio de 1934, após a consolidação de António Oliveira Salazar no poder e como Chefe do Governo e após a aprovação da Constituição da República Portuguesa de 1933, em plebiscito nacional (a ata seria publicada em Diário do Governo, de 11/04/1933) que marcaria o início do regime autoritário e ditatorial que ficaria conhecido por “Estado Novo”, começa em Tavira a publicação do jornal “Povo Algarvio”.

Este jornal surge num período em que as leis começam a limitar fortemente a liberdade de pensamento, que até seria garantida na própria Constituição:

“(…) leis especiais regularão o exercício de liberdade de pensamento e justificam que a função de censura será impedir a perversão da opinião pública na sua função de força social e deverá ser exercida por forma a defende-la de todos os factores que desorientem contra a verdade, a justiça, a moral, a boa administração, o bem comum, e a evitar que sejam atacados os princípios fundamentais da sociedade (…)” (Constituição da República Portuguesa de 1933)

Foi neste contexto de maior controlo do estado sobre a imprensa que o Dr. Jaime Bento da Silva, reconhecido médico e político ligado à estrutura do “Estado Novo”, através da Comissão Concelhia de Tavira da União Nacional, lança o jornal “Povo Algarvio” onde seria seu director, editor e proprietário, escolhendo para redactor principal uma das figuras mais populares da sociedade tavirense, o escritor Manuel Virgínio Pires, que se viria destacar, além do jornalismo, na autoria de peças de teatro e na poesia.

Dentro de um contexto político que era de consolidação do regime e onde era necessário que o mesmo passasse as suas ideias e valores, o “Povo Algarvio” revelou logo no seu primeiro número e na sua primeira página, que seria um jornal conotado com a nova situação política que o país atravessava, como podemos verificar no seu artigo de apresentação aos leitores “Por Tavira, Pelo Algarve”:

“ (…) O “Povo Algarvio”, jornal perfeitamente integrado na hora que atravessamos, não podia abstrair-se deste profundo anseio que está dominando todas as nações civilizadas, cada uma procurando o mais possível restaurar o seu tradicionalismo económico, social, condicionado pela época que vivemos, Assim o “Povo Algarvio” defenderá aqueles princípios corporativistas que, durante tantos séculos de história brilhante, formam a base da organização social e económica da vida portuguesa (…)” (“Povo Algarvio”, Nº 1, 27/05/1934, ANO I, P. 1)

Além deste, destaca-se ainda na primeira página do primeiro número, o artigo intitulado “28 de Maio”, onde se elogia a ditadura e a figura de António de Oliveira Salazar. Com estes dois textos, estava lançado um apoio sem reservas ao regime por parte da publicação e como consequência de todos os tavirenses e de todos os residentes nas freguesias do seu concelho.

Jornal “Povo Algarvio”, Nº 1, 27/05/1934, ANO I

 

Nos anos 30, com o regime na plenitude da sua força ideológica, era habitual o usufruto da comunicação social regional para exibirem as suas ideias e valores. Estes primeiros artigos do “Povo Algarvio” demonstram isso mesmo com uma dupla intencionalidade: em primeiro lugar apelar a uma imagem de união e marca regional, promovendo o orgulho regional, motivando-os que se interessem pelo seu património histórico e cultural, e em segundo lugar, ambiciona ligar o espírito regionalista aos conceitos nacionalistas do “Estado Novo”, ou seja adaptar a nível regional os princípios ideológicos do discurso salazarista.

Apesar da sua ligação política e ideológica ao regime, este jornal pode-se considerar um dos melhores que se publicaram na região, quer pelos colaboradores que nele trabalharam, quer pela rede de correspondentes que dispunha. Neste campo destacam-se a colaboração de Eduardo Mansinho e Isidoro Pires mais no campo político, ou Damião Augusto de Brito Vasconcelos e José António Pinheiro e Rosa, reconhecidos pelo seu trabalho na área da história.

Em 1946, com a saída do Dr. Jaime Bento da Silva da direcção do jornal, o mesmo foi substituído, primeiro por Isidoro Manuel Pires e depois por Manuel Virgínio Pires, continuando a sua acção de apoio ao Estado Novo e ao poder local, porém a mudança política que se assistiu após o 25 de Abril e o surgimento de outros jornais ligados aos movimentos mais democráticos como o Jornal “O Tavira”, levou ao desaparecimento desta publicação em 1978, quando o mesmo tinha deixado de ser uma semanário e já se publicava com uma periocidade anual.