por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestre em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

Atrair os jovens emigrantes fazendo-os regressar a Portugal é, segundo António Costa, uma prioridade a fixar no Orçamento de Estado para 2019. Sem que se conheçam os moldes concretos desta medida, certo é que a intenção do Governo passa, num primeiro momento, por conceber um incentivo fiscal, nomeadamente, através da redução de 50% do IRS dos portugueses que deixaram o país entre 2011 e 2015, e que queiram regressar nos próximos dois anos. Ora, tomando parte neste debate, não posso deixar de denotar, desde logo, a insuficiência desta medida, que a meu ver apresenta falhas estruturais tão óbvias que chegam a ser anedóticas.

Assim, e em primeiro lugar, dir-se-ia que medida enunciada pelo primeiro-ministro falha redondamente naquelas que são as verdadeiras questões que forçam e que impulsionam a emigração jovem. O que está, e o que sempre esteve em causa, é a disparidade entre os salários praticados em Portugal e os salários praticados na maioria dos países da União Europeia. Um incentivo fiscal, tal como se propõe, não é uma medida que contribua significativamente para acentuar esta disparidade, e que tenha o mérito de atrair os jovens emigrantes. Como tal, um dos primeiros e grandes erros desta medida evidencia-se no seu foco: ao procurar conceber incentivos fiscais, sem se estes se encontrem complementados por medidas conducentes a um nível adequado em termos salariais, o Governo deixa a questão central da emigração jovem completamente inócua.

Talvez por isso, António Costa tenha sido extremamente cauteloso, e em jeito de recado, se tenha dirigido ao sector empresarial, sublinhando a necessidade de se criar “melhor emprego”, o que significa (espero), salários mais altos. Não deixo de expressar a minha admiração pela astúcia e habilidade política do primeiro-ministro, que no mesmo discurso consegue convencer a ala esquerda do parlamento de que esta é uma medida séria e positiva para o país, ao mesmo tempo, que deixa sobre o puro arbítrio das empresas, a criação de “melhor emprego”. Questão que fica por responder, é saber se a criação de “melhor emprego” é também um recado dirigido ao próprio Estado, na sua atuação enquanto entidade empregadora, ou se pelo contrário, continuará o Estado a promover programas de estágios como o tem feito ao longo dos Programas de Estágios Profissionais da Administração Central e Local (respectivamente, PEPAC e PEPAL), em que os salários pagos aos jovens mais qualificados se situam no patamar dos 650 euros.

Num outro aspecto, diga-se, de igual forma, que o período de elegibilidade para beneficiar deste incentivo fiscal não é menos pacífico ou isento críticas. Creio que esta medida tenha um teor altamente partidário, e que a sua verdadeira finalidade seja utilizar este exemplo como arma de arremesso para as eleições do próximo ano. Veja-se que o período de elegibilidade a que me refiro, coincide precisamente com o período de governação de Passos Coelho, período em que se registou um pico da emigração jovem. Não retiro qualquer mérito à reversão das más políticas dos Governos anteriores, mas também aqui, devo dizer que não é perceptível porque motivo se exclui desta proposta os jovens que emigraram entre 2016 e 2017. Será que o António Costa, que se corteja com os números da criação de emprego, é o mesmo António Costa que ignora que durante o seu período de governação, Portugal continuou a ser o segundo país da União Europeia com o maior número de jovens emigrantes? Doutra perspetiva, pergunto ainda se não fará mais sentido incluir os jovens que emigraram entre 2016 e 2017 visto que estão numa fase recente das suas carreiras, ao invés de procurar concentrar todo o foco desta medida nos jovens que emigraram há mais de 5 e 6 anos, e que hoje, têm provavelmente uma vida profissional e pessoal bastante mais estável.

Por último, não vejo que exista qualquer resquício de razoabilidade no prazo estabelecido para o regresso dos jovens, pois veja-se bem que o Governo quer criar um incentivo fiscal com um prazo de validade de dois anos, exigindo assim, a quem queira dele beneficiar, que altere todos os aspectos da sua vida pessoal e profissional num iate temporal de dois anos. É irrazoável e imprudente pensar-se que a maioria dos jovens aceitará abdicar do triplo, do quadruplo, ou do quíntuplo do salário, para regressar a Portugal, na base dos 1 000 euros, beneficiando de uma redução de 50% do IRS. Além disso, não posso deixar de assinalar a estranha, mas não insuspeita, coincidência entre este prazo e o calendário político. Considerando o prazo de dois anos, é assim provável que esta medida somente se prolongue até ao primeiro ano do próximo mandato, o que revela desde logo, que esta não é, de facto, uma prioridade do Governo para longo prazo. A história repete-se. Também no passado, Passos Coelho tentou implementar uma medida do mesmo género, através da do programa VEM (Valorização do Empreendedorismo Emigrante), cujo resultado foi para lá de desastroso. António Costa segue-lhe os passos, ao mesmo tempo que se revela incapaz de lidar com a política de baixas remunerações praticadas em Portugal.

Nem o apelo à “nova política salarial” lhe vale para que se diga que o primeiro-ministro está atento às questões do emprego jovem. Concordo que seja necessária uma “nova política salarial” que se consubstancie em níveis salariais mais altos para os jovens mais qualificados. Tal política tem sido adiada anos a fios, e não é segredo que a mesma é contraria aos interesses das empresas, nomeadamente dos grandes conjuntos económicos, que perspectivam Portugal como um mar de mão-de-obra altamente qualificada e bastante barata. Romper com o status quo não é pratica deste Governo, e ainda que António Costa queira parecer sério no seu empenho político para atrair os jovens emigrantes, não dispõe de medidas sérias e robustas que lhe deem credibilidade. Torna-se, por isso, óbvio que tudo isto é um mero exercício de retórica político-partidária sem substancial ou impacto real. 

O sucesso deste tipo de medidas, que pretendem fomentar efectivamente o regresso dos jovens emigrantes, somente pode ser alcançado quando a classe política se consciencialize de que é necessária uma mudança de mentalidades e de hábitos bastante profunda, que envolva quer o Estado, quer os sectores empresariais. Acresce que, uma política séria de investimento nos jovens mais qualificados não se pode ficar pelo mais básico. É, pois, necessário complementar a questão dos salários com uma série de outras medidas estruturais que que contribua para assimilar Portugal aos padrões da qualidade de vida dos restantes estados europeus, o mesmo é dizer, renovar o sector da Saúde, da Educação, dos Transportes Públicos, etc. Até um tal momento, não creio que seja possível falar com seriedade em políticas nacionais adaptas a atrair os jovens emigrantes. Como tal, não dou muito importância ou significado às intenções ou palavras de António Costa, e hoje, na qualidade de jovem emigrante, mais consciente da avassaladora discrepância entre Portugal e a maioria dos países europeus, mais seguro me sinto em afirmar que não bastam as políticas das boas intenções e da mera conveniência. Melhor que actuar remediando, é actuar prevenindo, pelo que a prioridade, a meu ver, deveria colocar-se na criação de mercado laboral suficientemente atractivo para os jovens portugueses, levando-os a optar por ficar ao invés de emigrar, porquanto, sem que esse mercado se encontre efectivamente estabelecido, continuam a faltar as fundações para que os jovens emigrantes regressem e permaneçam em Portugal.