por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestre em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

Em Portugal sempre existiu a ideia de que é bom copiarem-se as modas estrangeiras. O novo fenómeno da extrema-direita, não sendo uma completa novidade, apresenta-se como a última moda internacional, e Portugal está de olhos postos nela. O padrão é tendencialmente claro: Estados-Unidos da América, Brasil, Suécia, Holanda, Alemanha, Áustria, Hungria e Itália. Estes são alguns dos exemplos mais sonantes, onde a moda pegou. E embora já se esperasse pelo efeito contágio na esfera política portuguesa, a visibilidade que a extrema-direita tem alcançado nos últimos dias, colhendo os proveitos de um momento de instabilidade, levanta muitas preocupações, as quais devemos estar atentos.

À primeira vista pode não parecer, mas Portugal é uma espécie de oásis da democracia ocidental. Isto não significa que tudo corra às mil maravilhas, e que não existam problemas sérios. Com toda a certeza que os há. No entanto, se prestarmos atenção àquilo que se passa em nosso redor, observamos que Portugal é um país pacífico e seguro, com um clima político estável, e que vive sem grandes ou graves agitações sociais. É o carácter pacífico que Portugal apresenta, que o torna verdadeiramente distinto dos restantes países e das democracias ocidentais. Preservar estas qualidades exige um combate constante aos fenómenos populistas e aos discursos dos intolerantes.

Todavia, quando certas franjas da sociedade se erguem em momentos de contestação social ou ideológica, existem sempre determinados grupos ou sectores políticos que, como abutres, esperam colher os proveitos da instabilidade instalada. Ao longo dos últimos anos, a extrema-direita tem vindo a aperceber-se de que a comunicação social, ancorada, na sua maioria, ao sensacionalismo, é uma espécie de terreno fértil onde plantar as suas ideias políticas. Em momentos mais conturbados, a extrema-direita salta directamente para os ecrãs e para as primeiras páginas dos jornais, apresentando-se como a derradeira solução para Portugal.

Por outro lado, tem sido a própria comunicação social a utilizar a extrema-direita como forma de captar mais audiências e de aumentar o número de vendas dos jornais. Aos olhos da comunicação social, a extrema-direita apresenta-se como uma fonte inesgotável de polémicas e sensacionalismo. Falar em Salazar já é até um exercício enfadonho e preguiçoso, quando o objectivo é incendiar a opinião pública. Não obstante, de quem ganha o que de quem, verdade é que, esta correlação tem vindo a tornar-se cada vez mais evidente.

A título de exemplo pode apresentar-se a participação de Mário Machado no Programa Você na TV, apresentado por Manuel Luís Goucha. Além de tudo aquilo que tem sido dito e escrito sobre este caso, importa observar o momento em que a participação de Mário Machado ocorre: Cristina Ferreira tinha abandonado a TVI e preparava-se para a estreia do seu programa na concorrente SIC gerando uma autêntica guerra de audiências. Ora, a participação de Mário Machado no programa da TVI não é ingénua ou despromovida de significado. Como já alguém dizia: “não existe má ou boa publicidade, existe apenas publicidade”. E este é a lógica que justifica a participação do líder de um dos partidos da extrema-direita, num programa e num contexto totalmente desadequado. Na luta pelas audiência tudo vale: a comunicação social utiliza a extrema-direita para amplificar o impacto na sociedade; e a extrema-direita, deixando-se utilizar, aproveitar o momento para amplificar igualmente o seu impacto: win-win situation !

Um outro exemplo desta simbiose, pode ainda ser retirado do episódio relacionado com Mamadou Ba, assessor do Bloco de Esquerda. Como sabemos, este episódio surge na sequência de um caso de violência policial no Bairro da Jamaica, no Seixal, perante o qual, o assessor do Bloco de Esquerda, teceu um comentário bastante desadequado, referindo-se à PSP como “bosta de bófia”. Porém, se a reacção de Mamadou Ba pode, e deve ser criticada, já a forma como esta polémica se adensou, revela-nos que há uma clara intensão por detrás. Pelo condão da comunicação social, que instigou a opinião pública, Mamadou Ba tornou-se no foco principal de um episódio que teve origem num acto de violência policial totalmente censurável.

O esforço, quase olímpico, da comunicação social em colocar o foco das atenções no assessor do Bloco de Esquerda, beneficia duplamente a agenda política da extrema-direita, pelos seguintes motivos. Em primeiro lugar, porque o episódio de violência policial é agora um aspecto secundário deste debate, e como sabemos, e confirma-o o Relatório da OCDE de 2018, existe um grande número de membros da extrema-direita infiltrados na PSP. Em segundo lugar, as notícias divulgadas pela comunicação social relativas, por exemplo, aos rendimentos obtidos por Mamadou Ba arrancaram da opinião pública as reacções mais extremas e violentas. Reacções essas que conferem um perfeito alinhamento com as ideias defendidas pela extrema-direita.

É, por isso, importante que se diga, que em democracia não há lugar para a extrema-direita. Em Portugal, é a própria Constituição que, no âmbito da Liberdade de associação, não consente a criação de “organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”, como é o caso dos grupos de extrema-direita que, assim, se posicionam à margem da Lei. Neste contexto, qualquer tentativa de normalização do discurso da extrema-direita, além de constituir uma séria ameaça para os valores de uma democracia, deve ser totalmente censurável, nem que para isso a Entidade Reguladora da Comunicação tenha que actuar com uma mão mais pesada (o que nunca fez!). E não se confundam os planos, pois não se trata de limitar a liberdade de expressão, trata-se sim, de defender os valores e princípios democráticos, os quais servem de bastião à defesa dos direitos fundamentais dos indivíduos, nos quais se inclui, o direito de não ser discriminado em função da sua raça ou origem.