por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestre em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

Numa intervenção recente, o deputado algarvio Cristóvão Norte apresentou várias críticas ao actual Governo, sublinhando, sobretudo, a falta de um verdadeiro investimento público na região algarvia, capaz de superar a assimetria criada pelo diferentes tipos de acesso aos fundos comunitários. A crítica é inteiramente justa, mas muito ficou ainda por dizer.

Vamos por partes. De modo genérico e simplista, podemos afirmar que os fundos comunitários encontram-se divididos em diversas áreas temáticas (exemplo: competitividade e internacionalização, formação e educação, sustentabilidade, etc.). Estes fundos são concretamente geridos por Programas Operacionais (16 no total). Todavia, a elegibilidade das regiões para o acesso aos fundos comunitários não é uniforme. De acordo com o Acordo de Parceria Portugal 2020 (que sucedeu ao QREN), a qualificação regional é tripartida entre regiões mais desenvolvidas (Lisboa e Madeira), regiões em transição (Algarve), regiões menos desenvolvidas (Norte, Centro, Alentejo e Açores). A razão que subjaz a esta diferenciação é fácil de entender: pretende-se que as regiões consideradas mais pobres tenham acesso a mais fundos comunitários para que se possam desenvolver.

Todavia, e se até se afigura justo que a distribuição de fundos comunitários tenha em consideração os diferentes níveis de desenvolvimento das regiões, por outro lado, é necessário ter presente, que os critérios formais (utilizados para a qualificação das regiões), não correspondem necessariamente à realidade sócio-económica dos seus habitantes. Comparemos o caso de duas realidades bem distintas: a área metropolitana do Porto (1 700 000 de habitantes) e o Algarve (441 469 de habitantes).

Num estudo realizado em 2013, o Instituto Nacional de Estatística analisou o poder de compra dos portugueses e concluiu que a Área Metropolitana do Porto está acima da média nacional, sendo somente superada pela Área Metropolitana de Lisboa. A nível dos municípios, o Porto integra os primeiros três lugares do pódio nacional, sendo somente superado pelas cidades de Lisboa e de Aveiro. Curiosamente, tanto o Município de Aveiro como o Município do Porto pertencem a regiões que foram qualificadas como regiões menos desenvolvidas, o que significa que, em relação aos municípios da região do Algarve, aqueles municípios têm acesso a uma maior percentagem de fundos comunitários. Nestes termos é difícil não considerar que a classificação das regiões aparentemente não reproduz fielmente a realidade económica das regiões nem daqueles que contribuem para a geração de riqueza, tendo-se deixou de fora um dos critérios mais importantes: o poder de compra dos cidadãos.

É por isso bizarro que se permita que determinadas Áreas e Municípios onde o poder de compra dos seus habitantes é dos mais elevados do país, possam ter simultaneamente acesso a mais fundos comunitários e/ou a uma maior percentagem desses fundos. A viciação deste ciclo é evidente, e evidentes são também os seus resultados a longo prazo, e como refere o saber popular: “Os ricos cada vez mais ricos, os pobres cada vez mais pobres”.

Mas para se compreender como são causadas estas assimetrias temos que olhar para os critérios que serviram para qualificar as regiões. Sem procurar ser exaustivo, muitos desses critérios são de natureza meramente formal. Vejamos o caso do PIB per capita. É claro que, pelo facto da região do Algarve ter menos habitantes e produzir um grande volume de riqueza (muita dela derivada do Turismo), o PIB per capita será mais alto que o PIB per capita da região Norte. Significa isto que os algarvios ganham, em média, mais que os habitantes da região Norte? Claro que não! Significa apenas que a riqueza gerada por cada região é diluída pelo número de habitantes, logo, quanto menor o número de habitantes, mais alto será o PIB per capita, ainda que a realidade das região não pudesse ser mais díspar. Para simplificar: o PIB per capita é um critério meramente formal que não se reflecte, como se verifica, na riqueza real das famílias.

Face à essa discrepância, e à consciência da mesma, seria expectável que os Governos recorressem ao investimento público para assim, corrigirem as diferenças materiais que são causadas pela utilização daqueles outros critérios. Essa é a principal crítica que é apresentada ao actual Governo, mas que, razoavelmente, se alarga aos Governos anteriores.

E uma das principais razões pelas quais os Governos são incapazes de trazer investimento público a regiões como o Algarve, deriva, em parte, da atitude política dos vários Governos, que tem utilizado os fundos comunitários como a principal fonte de financiamento de muitos sectores públicos, quando, a função dos fundos comunitários é auxiliar o desenvolvimento de determinadas políticas e sectores que precisam de se desenvolver mais rapidamente. A ideia que está por detrás dos fundos comunitários é simples: mitigar as desigualdades entre os Estados-membros.

Todavia, em Portugal inverteu-se a lógica dos fundos comunitários, tornando-os como o principal meio de “investimento” de muitas áreas do sector público. Ora, se tais áreas vivem numa situação de total dependência dos fundos comunitários, é previsível que, caso o montante dos fundos comunitários diminua essas mesmas áreas sejam afectadas. Por outras palavras: a abordagem portuguesa aos fundos comunitários, que deveria conduzir à progressiva autonomia financeira de várias áreas do sector público, tem feito precisamente o seu contrário, colocando o desenvolvimento dessas áreas à mercê da vinda de novos fundos comunitários. O plano dos fundos comunitários alargou-se, por enquanto, até 2030, mas com a questão da saída do Reino Unido (um grande contribuinte europeu) e com o futuro da União Europeia cada vez mais incerto, deveremos insistir em viver numa situação de subsidio-dependência e reduzir o investimento público, canalizando-o para o mero cumprimento de metas orçamentais?

A meu ver, tem razão Cristóvão Norte nas críticas que aponta. Porém o problema é mais profundo e engloba também todas aquelas empresas que se têm aproveitado dos fundos comunitários, em muitos dos casos, com o aval do próprio Estado.