Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Loulé | No âmbito das comemorações dos 500 anos da Santa Casa

A Santa Casa da Misericórdia de Loulé, iniciou em setembro de 2018, as comemorações dos 500 anos, com uma Eucaristia solene à qual se seguiu uma palestra sobre “A Fundação da Irmandade da Misericórdia de Loulé”, proferida pelo historiador de arte, Marco Sousa Santos.

Decorridos cerca de meio ano, no passado dia 9 de março de 2019, foi apresentada a obra “A Santa Casa da Misericórdia de Loulé”. Com a apresentação deste estudo, da autoria de Marco Sousa Santos (volume I) e Neto Gomes (volume II), ficam oficialmente encerradas as cerimónias comemorativas dos 500 anos da instituição louletana (1518-2018).

Esta instituição particular de solidariedade social, foi fundada, ainda em tempo de vida da Rainha D. Leonor e de D. Manuel. Tendo em conta a documentação conhecida, a Santa Casa da Misericórdia de Loulé, terá iniciado funções no Concelho em 1518. Por tudo isso, “A Voz do Algarve” quis ouvir o Provedor da Santa Casa da Misericórdia, o Senhor Manuel Filipe Roque Semião.

VA – Na passagem dos 500 anos da criação da Santa Casa da Misericórdia de Loulé, que balanço faz destes seus 18 anos de mandato como Provedor?

MS- O balanço que faço destes 18 anos de mandato como Provedor, é bastante positivo. Não só pelo número e qualidade das obras realizadas como também a qualidade de serviços prestados aos mais carenciados e fragilizados da sociedade louletana, através de várias valências da Misericórdia, como ainda na cooperação da instituição com os Programas de Emergência Alimentar e do POAPMC (Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas).

 

VA – Quais foram para si, o momento ou momentos mais marcantes destes seus vários mandatos como Provedor?

MS- O momento que pessoalmente mais me marcou, foi a recuperação do Hospital de Loulé. Isto porque, no início do 2º mandato, em janeiro de 2005, foi-me entregue pela ARS, o Hospital completamente em ruínas, sem sabermos o destino a dar ao edifício. Foi um período de muita preocupação por não sabermos o que fazer com o “monstro que nos caiu nos braços”.

Como deve calcular, a nossa grande obra é o Hospital de Loulé. É uma imensa satisfação, sabermos que o hospital se encontra em pleno funcionamento e em grande atividade. Sem conhecimentos na área da saúde e sem dinheiro, não sabíamos o que fazer. Felizmente, conseguimos os recursos e os apoios financeiros que nos permitiram concluir a obra. Depois, conseguimos também a parceria certa na área da saúde, para a constituição da sociedade por quotas, denominada Hospital de Loulé e da qual a Misericórdia é sócia. Em consequência desta parceria, no hospital funciona uma unidade de serviços paliativos e uma unidade de cuidados continuados de média duração, com 21 camas, e que é, mais uma valência da Misericórdia de Loulé.

Estamos muito satisfeitos, por termos contribuído, para tornar possível a existência de um serviço de saúde à disposição da população de Loulé e de outros concelhos, evitando-lhes imensos incómodos de deslocação e despesas de transporte, proporcionando-lhes também descontos e redução de custos nos serviços prestados aos colaboradores, utentes e irmãos da Misericórdia.

 

VA – A Santa Casa da Misericórdia de Loulé apresenta várias Valências Sociais, entre elas uma Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, um Centro de Dia, Serviço de Apoio Domiciliário, Apoio Domiciliário Integrado, Cantina Social.

Destaque em cada uma delas, as principais respostas à população?

MS- De acordo com o que tem acontecido ao longo dos anos, a Misericórdia de Loulé sempre atuou numa perspetiva de solidariedade social, procurando dinamizar as respostas sociais existentes, com o objetivo de bem servir a comunidade, com humanidade e em harmonia com o espírito tradicional da Misericórdia. Assim temos as seguintes valências:

ERPI- Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, a maior resposta social da Instituição, aquela que vulgarmente se designa por Lar, com uma população de 120 utentes, destinada a pessoas de ambos os sexos, com mais de 65 anos de idade e que se encontram numa situação de desproteção social ou de parcial perda de autonomia, a quem são prestados serviços de alojamento, tratamento de roupas, higiene pessoal, alimentação, cuidados médicos e de enfermagem, apoio social e psicológico, atividades recreativas e de animação.

CENTRO DE DIA – É uma valência com protocolo de cooperação para 31 utentes, que tem como finalidade ir ao encontro das necessidades apresentadas pela população em situação de dependência e/ou famílias, que por várias razões, não possam dar resposta às suas necessidades básicas no seu meio sócio-familiar, permitindo que a família mantenha a sua situação profissional e social, uma vez que o utente se mantém de 2ª a 6ª feira, durante o dia, na instituição, a quem são prestados os seguintes serviços: de higiene e conforto; alimentação (pequeno-almoço, almoço e lanche); animação e convívio, acompanhamento aos serviços de saúde (se necessário); fornecimento de jantar a levar para casa; tratamento de roupa, transporte para o centro e regresso a casa.

SERVIÇO DE APOIO DOMICILIÁRIO – É um serviço que desenvolve um conjunto de cuidados individualizados e personalizados no domicílio, que têm como finalidade ir ao encontro das necessidades apresentadas pela população em situação de dependência, quando, por motivos de doença ou outro impedimento, não possam dar resposta às suas necessidades básicas e/ou atividades da vida diária. Temos acordo para 59 utentes. Nesta valência, os serviços disponibilizados são: alimentação, serviços de higiene pessoal e conforto; arrumação e pequenas limpezas no domicílio; tratamento de roupas e animação/socialização.

Esta valência, foi a que maiores alterações sofreu. A prestação destes serviços, foi durante muitos anos feita apenas em cinco dias da semana, de segunda a sexta-feira.

Para ir ao encontro da população, a Misericórdia passou em finais de 2014, a prestar esses serviços, sete dias por semana, de segunda-feira a domingo e feriados. Para o efeito, não só aumentámos a nossa frota de viaturas, como tivemos que aumentar o quadro de pessoal.

SERVIÇO DE APOIO DOMICILIÁRIO INTEGRADO - Esta valência com capacidade para 10 utentes, presta serviços à população idosa e/ou dependente, que se encontra incapacitada para desempenhar autonomamente as atividades da vida diária, através de prestação de cuidados e higiene e conforto, fornecimento de refeições, higiene habitacional e tratamento de roupas. Este serviço tem a componente de apoio social e de cuidados continuados de saúde, prestados pelo Centro de Saúde local. Funciona das 8h00 às 18h00, todos os dias, incluindo feriados e fins de semana.

CANTINA SOCIAL – Embora não seja designada por valência, pois trata-se de um apoio que resultou de um protocolo de cooperação celebrado entre o Ministério de Solidariedade e Segurança Social e a União das Misericórdias Portuguesas, ao qual a Misericórdia de Loulé aderiu em agosto de 2012, passando a fornecer individualmente 65 refeições diárias a pessoas carenciadas, número que foi aumentando até atingir 100 refeições diárias, completamente grátis. Posteriormente o número foi reduzido por ordem da Segurança Social, sendo atualmente, somente 17 refeições diárias.

A redução do número de refeições tem a ver com a criação de um programa denominado POAPMC (Programa Operacional de Apoio às Pessoas Mais Carenciadas) que teve início recentemente cujo objetivo, visa substituir o programa de cantina social através da distribuição de géneros alimentares, para que os mais carenciados possam confecionar as suas refeições em casa. Com o objetivo de apoiar os mais carenciados, candidatou-se a Misericórdia de Loulé, a esse novo programa passando a apoiar mais 114 pessoas com carência económica.

 

VA - Que outras atividades, caso existam, contribuem para promover o convívio e confraternização?

MS- A Santa Casa da Misericórdia de Loulé sempre tem desenvolvido várias atividades de animação sociocultural, com o objetivo de promover o envelhecimento ativo. A instituição pretende, com o desenvolvimento das várias atividades, promover a autonomia dos seus utentes e fomentar as relações entre os seus pares. Tendo em conta os bons resultados, os benefícios e a grande adesão a essas atividades, muitos das quais são de manter, tais como cinema, jogos, hora do conto, piqueniques, festas temáticas, passeios, visitas culturais e religiosas, atividades física e motora e os ateliers de expressão plástica e cognitiva. Para além das muitas atividades desenvolvidas nas instalações da instituição, os utentes participam ainda a convite de outras entidades, ou em parceira com as mesmas, em vários convívios, workshops, festas e bailes.

Com vista a estimular os domínios, mental, físico, pessoal e social, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos idosos, são também implementadas atividades lúdicas e sensoriais com o objetivo de promover o convívio, socializar e manter a mobilidade dos utentes.

 

VA – Depois da concretização da construção do LAR, nos anos 90, da recuperação do Hospital de Loulé em 2011, existem ainda outros novos projetos ou o objetivo é assegurar a gestão dos já existentes?

MS- A Mesa Administrativa da Misericórdia de Loulé sempre se manteve fiel à sua missão, continuando o trabalho até aqui desenvolvido, numa perspetiva de solidariedade social, procurando dinamizar as respostas sociais existentes, com o objetivo de bem servir a comunidade, focando a sua atenção no apoio aos mais carenciados, procurando servir os idosos e apoiando as famílias da cidade e concelho de Loulé.

A visão que temos é a de apresentarmos um modelo de referência ao nível de cuidados sociais de qualidade, assegurando a satisfação das necessidades da comunidade, diversificando as respostas sociais e promovendo uma cultura de excelência.

Os valores que defendemos são, muito resumidamente, garantir a igualdade no acesso aos serviços, assegurar o respeito pela dignidade humana, apoiar os utentes dentro do seu enquadramento familiar, social e comunitário, procurando ainda associar exigências de qualidade como racionalidade e eficiência dos serviços, promovendo o rigor, transparência e responsabilização de todos os intervenientes.

Assim, embora não haja em carteira um projeto para executar a curto prazo, não podemos pôr de lado, o aparecimento de um que seja necessário em Loulé e que tenhamos capacidade para o executar em segurança e com sustentabilidade.

Nesse sentido, e pensando não ser um projeto de curto prazo, não descuramos a ideia de a Misericórdia, quando for possível, proceder ao aumento das instalações do Hospital, construindo mais gabinetes de consulta e quartos, no lugar dos prédios que confinam a norte e poente com o hospital, e que já foram adquiridos pela Misericórdia.

 

VA – Relativamente ao Hospital de Loulé, como foi possível a sua recuperação e como funciona a parceria que garante a gestão dessa Unidade Hospitalar?

MS- Durante algum tempo foi preocupação da Mesa Administrativa da Misericórdia, saber qual o destino a dar ao hospital, que tinha sido entregue à Misericórdia em estado de completa degradação. Embora vários destinos pudessem ser dados ao edifício, a verdade é que, sempre que o assunto era abordado, nomeadamente com o Presidente da Câmara Municipal, Dr. Seruca Emídio, a conclusão a que se chegava era sempre que o Hospital devia ser recuperado, tanto mais que aquela unidade de saúde, continuava no coração dos louletanos, além de ser um edifício emblemático na cidade de Loulé, ter grande simbolismo para os louletanos em geral, e por isso, ser fundamental colocá-lo à disposição dos munícipes com qualidade e capacidade de resposta adequada às necessidades da população.

Para ir ao encontro desta pretensão, logo que o edifício foi entregue à Misericórdia, em janeiro de 2005, por parte da ARS, começou a Mesa Administrativa a diligenciar, no sentido de reunir fundos para proceder às obras de recuperação e ampliação do edifício e encontrar um parceiro que fizesse a administração do hospital.

Como primeira ajuda, a Câmara Municipal aprovou à Misericórdia um subsídio de 80.000 euros e mais tarde um outro de 350.000 euros e mais tarde apareceram duas empresas da área da saúde – a Clínica de S. Clemente e a Someal, Lda e respetivos sócios- que, com a Misericórdia, viriam a constituir a sociedade – Hospital de Loulé, SA, que administra o Hospital.

Além do subsídio da Câmara, a Misericórdia recebeu ainda um subsídio de 200.000 euros do Secretário de Estado do Ministro da Saúde, Dr. Patinha Antão; fez uma candidatura ao programa POS da Saúde XXI, no valor de 495.000 euros, vendeu o Convento de Santo António que estava cedido à Câmara Municipal por 50 anos, por 800.000 euros e vendeu três prédios rústicos e um urbano, que não davam qualquer rendimento à instituição, e assim conseguimos fazer face ao custo das obras de recuperação do Hospital que importaram em 4.500.000 euros.

As obras de recuperação foram consignadas em 1 de fevereiro de 2008 e terminaram em março de 2011, sendo o Hospital inaugurado em 8 de julho de 2011, pelo então Sr. Presidente da República Professor Dr. Aníbal Cavaco Silva.

 

VA – Quantas pessoas trabalham atualmente na SCM? Como consegue a Mesa da Misericórdia gerir os recursos humanos em tantas valências sociais e um património tão elevado? Como consegue fazer face às despesas de toda a estrutura?

MS- Presentemente na Misericórdia de Loulé trabalham 120 pessoas, encontrando-se atualmente sete ausentes, com baixa por doença. Os recursos humanos são geridos pela Mesa Administrativa com uma sã colaboração do quadro técnico da instituição. Os recursos financeiros, provêm dos acordos de cooperação com a Segurança Social, de uma gestão rigorosa e criteriosa e das rendas do património imobiliário que a Misericórdia possui, composta pelo Hospital, 4 prédios urbanos e três prédios rústicos.

 

VA – Que relações ou parcerias tem com as outras Misericórdias do Algarve e como funciona a relação da Santa Casa da Misericórdia de Loulé com a União das Misericórdias?

MS- A Misericórdia de Loulé não tem parcerias com outras Misericórdias nomeadamente do Algarve e tem um relacionamento cordial e institucional com a União das Misericórdias Portuguesas.

 

VA – Que balanço faz das comemorações dos 500 anos da SCM?

MS- Faço um balanço positivo pela maneira como se celebraram as comemorações dos 500 anos, e pela dignidade como decorreram os dois eventos realizados fora das nossas instalações.

No primeiro, com uma missa celebrada na Igreja da Misericórdia, por sufrágio dos irmãos falecidos, seguida de uma homenagem aos colaboradores que completaram 20 e 25 anos de serviço, através da oferta de uma placa, assinalando a efeméride e com o recebimento de uma medalha comemorativa dos 500 anos da Misericórdia, seguido de beberete.

No segundo evento que contou com a apresentação dos dois volumes da história da Misericórdia, feita pelos respetivos autores, seguindo--se os discursos dos Membros da Mesa presentes e do momento musical, correndo tudo muito bem e com grande dignidade.

Internamente também houve lugar a comemorações, com a homenagem prestada aos últimos oito provedores, através do descerramento das fotografias dos mesmos, que foram expostas numa das paredes do salão de festas, e a inauguração das obras de modernização do Centro de Dia da instituição.

 

VA – Qual o significado para si de encerrar as comemorações dos 500 anos da Santa Casa da Misericórdia de Loulé, com a publicação de um livro de dois volumes?

MS- Para mim, como Provedor a grande motivação para a criação de dois livros, foi o facto de que era desconhecida a data da fundação da Santa Casa da Misericórdia e nunca tinha sido realizado um estudo completo da história da Misericórdia de Loulé.

Era urgente ser feito um estudo desta natureza. Os 500 anos de história desta instituição merecem-no, e pela importância que esta Casa teve e tem para as gentes de Loulé, os louletanos também o merecem!

A questão de serem 2 livros e não apenas um único, tem a ver com o facto de 500 anos não se contarem em poucas palavras. O estudo do historiador Dr. Marco Santos, retratado no primeiro volume, permite-nos conhecer em detalhe os primeiros anos da história da Santa Casa da Misericórdia de Loulé, assim como a identificação dos seus protagonistas, as suas funções e tarefas ao longo da história.

É muito importante também a identificação do património arquitetónico e artístico da instituição. Mas, 500 anos não se contam em poucas palavras e achámos que era também importante contar e compilar a história mais recente. E, por ser mais recente, e até para completar o estudo historiográfico, fez-nos sentido que fosse realizado um segundo estudo, agora jornalístico, para retratar a história mais recente.

Este foi o estudo apresentado pelo jornalista Neto Gomes no 2º volume, que aproveita os inúmeros relatos pessoais, jornalísticos, atas de reunião, etc., existentes sobre a Santa Casa. Uma vez que sobre a história recente há muito mais informação disponível, era importante ter um segundo volume com um tipo de escrita diferente, que permitisse recolher os testemunhos das pessoas que viveram a instituição, quer testemunhos na primeira pessoa, quer testemunhos relatados aos jornais publicados, ou nos documentos escritos disponíveis.

 

Nathalie Dias