Por: Miguel Peres Santos | Mestre em Gestão Cultural pela Universidade do Algarve | mpstavira@gmail.com | http://facebook.com/miguelapdsantos

II. As novas dinâmicas nos movimentos sociais e associativos

Após o “25 de Abril”, e seguindo aquilo que ia sendo norma um pouco por todo o país, generalizou-se a organização democrática de diversos movimentos, que tinham como objectivo a reivindicação de medidas de progresso social, político e democrático. Em Tavira, estas movimentações, iriam ter lugar dentro de diversas associações, instituições públicas ou mesmo de forma espontânea em vários sectores da população, um pouco por todo o concelho.

Nos primeiros dias após o golpe militar, alguns grupos ligados ao Movimento Democrático Português (MDP) começam por sanear as entidades corporativas ligadas ao regime deposto. Alguns desses episódios foram relatados pela imprensa local (Jornal “O Tavira”, Nº 30, 16/05/1974, ANO II), como é caso do saneamento da Casa do Povo da Luz de Tavira, onde o Dr. Dias da Costa e o Sr. Joaquim Valente, acompanhado de uma força do Exército, foram aguardados pela direcção e por uma multidão de pessoas junto da sede desta entidade. Depois de muitas hesitações e alguma tensão entre as partes, a direcção ligada ao anterior regime demitiu-se e logo se realizou o acto eleitoral para escolha dos novos órgãos sociais provisórios que ficariam responsáveis pela transição democrática nesta entidade (Assembleia Geral: Presidente - José Evangelista Cabeçudo; 1º Vogal – Joaquim António Rosa; 2º Vogal – Joaquim Pedro Flor da Rosa / Direcção: Presidente – António Evangelista Tomé; Secretário – Dr. Rui Aboim; Tesoureiro – João da Conceição Fernandes; Vogal – António de Jesus Patarata).

No seguimento de uma deliberação da Junta de Salvação Nacional, que ordenou a exoneração de todos os Capitães de Porto que acumulavam a sua função com a de Presidentes das Casas dos Pescadores - e à semelhança do que passou na Casa do Povo da Luz de Tavira - a 4 de Maio de 1974, reuniram-se em Tavira, para uma Assembleia Geral centenas de pescadores oriundos de Vila Real de Santo António, Castro Marim, Cabanas de Tavira, Santa Luzia e Tavira, todos eles abrangidos pela Casa dos Pescadores de Tavira.

Ao contrário da tensão registada no saneamento da Casa do Povo da Luz de Tavira, esta reunião “decorreu na maior harmonia, tendo assistido, a pedido dos pescadores, o Sr. Comandante Pires Dias, comandante dos Portos de Tavira e Vila Real de Santo António” (Povo Algarvio, Nº 2082, 11/05/1974, ANO XL), que havia sido exonerado do cargo. Dentro do espírito democrático que reinava nestes dias após o “25 de Abril”, a eleição recaiu sobre um representante de cada centro piscatório, ficando a nova direcção constituída pelos seguintes associados: Presidente – José Rodrigues Faleiro (Tavira); Vice-Presidente – João Peres Gomes (Vila Real); Secretário – José da Cruz Calhau (Cabanas) e Tesoureiro – António José Salve Rainha (Santa Luzia) (Povo Algarvio, Nº 2082, 11/05/1974, ANO XL).

A 5 de Maio de 1974, os Bombeiros Municipais de Tavira foram uma dos primeiros grupos sociais a reunir neste concelho. Esta reunião contou com a presença das corporações de Faro, Loulé, Olhão, Lagos, Monchique, Portimão, São Brás de Alportel, Silves e Vila Real de Santo António. As corporações presentes decidiram demonstrar o seu total apoio ao programa da Junta de Salvação Nacional e deliberaram que fosse solicitado a reestruturação orgânica dos bombeiros e a dotação de melhor material para o desempenho da sua missão (Jornal “O Tavira”, Nº 30, 16/05/1974, ANO II).

Alguns dias após esta reunião, a 10 de Maio de 1974, realizava-se uma Assembleia de Funcionários da Câmara Municipal de Tavira “de todas as classes e categorias (secretaria, tesouraria, obras, fiscalização, matadouro, serviços externos, etc.” (Povo Algarvio, Nº 2083, 18/05/1974, ANO XL), com o objectivo de eleger um representante para a Comissão Distrital que iria trabalhar na organização do Sindicato Nacional dos Funcionários Civis e Administrativos do Estado.

Os funcionários da Câmara Municipal de Tavira presentes resolveram nomear o seu representante “democraticamente e por escrutínio secreto” (Povo Algarvio, Nº 2083, 18/05/1974, ANO XL), tendo a escolha recaído no Chefe de Secretaria, Manuel José Romana Martins, decisão votada por unanimidade e esclarecida pela respectiva Assembleia através do seguinte comunicado:

 “Ao tomarem esta decisão, desejam os funcionários da Câmara Municipal de Tavira, no actual momento que o País atravessa em que se houve e lê com certa insistência o pedido de demissão de directores e chefes de diversos departamentos e serviços, manifestar ao seu chefe de secretaria de diversos departamentos e serviços, manifestar ao seu Chefe de Secretaria Sr. Manuel José Romana Martins, o total apoio e confiança de todos, podendo continuar a contar com o maior carinho, colaboração desinteressada e firme vontade de o ajudar no prosseguimento da obra em que tem sido trabalhador incansável para o bem comum e progresso do nosso concelho. Nesta manifestação, sincera e voluntária, ainda é justo realçar o facto do Sr. Romana Martins que não sendo de Tavira e somente aqui trabalhando há cerca de dois anos, ter dado o maior esforço, inteligência e grande vontade, muitas vezes com prejuízo da sua vida particular, na defesa dos interesses de Tavira e dos seus subordinados, como se nosso conterrâneo fosse.” (Jornal “O Tavira”, Nº 30, 16/05/1974, ANO II)

A necessidade da divulgação de um comunicado na imprensa para esclarecer e justificar a escolha, fazendo com que o mesmo fosse divulgado junto da população, demonstra por parte da Assembleia de Funcionários da Câmara Municipal de Tavira, alguma preocupação por parte dos seus membros. A escolha de uma figura que havia sido nomeada chefe de departamento pelo anterior regime poderia causar algum ruído entre os mais fervorosos democratas, podendo mesmo gerar e levar a alguma revolta em alguns sectores da população, e este tipo de situações num momento como este teria de ser evitado, pois além de questões de ordem pública, estava acima de tudo, a credibilização de algumas personalidades locais.

Após a eleição do seu representante na Comissão Distrital, cerca de noventa funcionários municipais iriam novamente reunir a 17 de Junho de 1974, desta vez para demonstrar preocupação junto do Ministro da Administração Interna dos problemas administrativos que o município tinha, assim como demonstrar o desagrado pelo processo de constituição da Comissão Administrativa, propondo a maioria dos funcionários uma “consulta popular democrática” que constituiria uma solução para o “problema sucessão administrativa”. (Jornal “O Tavira”, Nº 33, 27/06/1974, ANO II).

Na mesma reunião, foi também constituída uma equipa mais representativa da Câmara Municipal de Tavira na Comissão Distrital, que iria organizar o Sindicato Nacional dos Funcionários Civis e Administrativos do Estado, essa equipa seria constituída por, Manuel José Romana Martins; Joaquim Eduardo Rocha Dinis; Daniel da Silva Madeira (pela Câmara Municipal); George Alberto Soares Rosado; Manuel Guerreiro Gonçalves e Virgílio dos Santos Germano (pelos Serviços Municipalizados) (Jornal “O Tavira”, Nº 33, 27/06/1974, ANO II). 

As decisões que foram tomadas pelos funcionários municipais na reunião de 17 de Junho de 1974, foram divulgadas na imprensa local, assim como a mensagem enviada ao Ministro da Administração Interna – Fonte: Jornal “O Tavira”

 

Estas decisões e sobretudo a divulgação pública da mensagem enviada ao Ministro da Administração Interna, por parte desta assembleia de funcionários, levou a uma grande revolta por parte dos membros da Comissão Concelhia de Tavira do Movimento Democrático Português (MDP).

Foi através de um comunicado, distribuído pela Cidade de Tavira no dia 20 de Junho de 1974, intitulado “À População de Tavira – Quem são eles e o que querem”, que o MDP atacou aquilo a que se poderia dizer de tentativa de condicionamento por parte de algumas figuras dos serviços municipais à constituição da Comissão Administrativa que iria gerir a Câmara Municipal de Tavira até à realização de eleições livres para as autarquias locais.

Nesse mesmo comunicado, o MDP acusou mesmo alguns dos funcionários municipais de “serventuários fiéis do fascismo em Tavira” que “continuam as suas manobras contra revolucionárias”, nomeando ainda Daniel da Silva Madeira, funcionário da Secretaria da Câmara Municipal, e Manuel José Romana Martins, chefe da Secretaria da mesma, como organizador e autor da mensagem enviada ao Ministro da Administração Interna, aprovada pela Assembleia de Funcionários da Câmara Municipal de Tavira e que havia sido publicamente divulgada em diversos meios de comunicação social (Povo Algarvio, Nº 2089, 29/06/1974, ANO XLI).

O MDP considerou uma provocação a mensagem que havia sido divulgada, pois a mesma “onde invocam a democracia”, estava “enquadrado nas actuações de traição à Revolução que em Tavira, como em todo o país, se têm verificado” (Povo Algarvio, Nº 2089, 29/06/1974, ANO XLI).

Como forma de justificar estas acusações a estas personalidades, o MDP divulgou, junto ao comunicado, as suas duas supostas fichas de sócio da Acção Nacional Popular (ANP), partido único do regime do “Estado Novo” e que havia sido dissolvido logo após o “25 de Abril”, sendo que os seus membros estavam “impedidos de participar em qualquer processo ou organismo de saneamento da vida pública portuguesa” (Povo Algarvio, Nº 2089, 29/06/1974, ANO XLI).

O que os funcionários municipais tentaram evitar com o primeiro comunicado após a eleição de Manuel José Romana Martins como representante na Comissão Distrital para a organização do Sindicato Nacional dos Funcionários Civis e Administrativos do Estado, acabou por acontecer, não apenas pela escolha de uma figura que havia sido nomeada chefe de departamento pelo anterior regime, mas também pelas palavras de apoio à democracia e na suposta ingerência na nomeação da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Tavira, que o MDP e grande parte dos democratas tavirenses não tolerava e nem permitiria

Comunicado do MDP de Tavira, intitulado “À População de Tavira – Quem são Eles e o que querem”, de 20 de Junho de 1974 – Fonte: Povo Algarvio