A dificuldade crónica em fixar médicos no Algarve está a ameaçar a qualidade da prestação de cuidados de saúde na região, com serviços em risco de rutura, utentes a serem transferidos ou a procurarem cada vez mais os privados.

A maioria dos concursos lançados para a colocação de médicos no Algarve (distrito de Faro) acabam por ficar desertos, dificultando a renovação do quadro de pessoal médico nos hospitais, o que afeta diretamente o necessário preenchimento de escalas de serviço, como tem acontecido, por exemplo, na Urgência de Neonatologia do hospital de Faro.

Também no hospital de Portimão, desde o início do verão que o serviço de Ginecologia e Obstetrícia tem sofrido interrupções intermitentes devido à falta de médicos para assegurar as escalas nos fins-de-semana e feriados, o que tem obrigado à transferência de grávidas para unidades noutras regiões.

A administração do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA), que reúne os hospitais de Faro, Portimão e Lagos, tem tentado resolver o problema, que se agrava no verão, quando a população triplica, assim como o Ministério da Saúde, que tenta colmatar a falta de médicos com o lançamento de concursos e programas de mobilidade temporária.

Porém, ao abrigo do programa de mobilidade temporária em curso, que vigora até 30 de setembro, só foram colocados ao serviço dos hospitais algarvios três médicos, mesmo apesar da possibilidade de alojamento gratuito, opção incluída no despacho do Ministério da Saúde, pela primeira vez, este ano.

Em declarações à Lusa, o presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) do Algarve, Paulo Morgado, defende que a construção de um novo hospital central no Algarve seria um fator “determinante” para atrair médicos, já que muito poucos fazem, atualmente, a sua formação na região.

Enquanto primeiro-ministro, José Sócrates chegou, em 2008, a fazer o lançamento da primeira pedra do Hospital Central do Algarve, previsto para o Parque das Cidades, entre Faro e Loulé, mas o projeto nunca saiu da gaveta.

“Um novo hospital, com um ambiente moderno, equipado com as últimas tecnologias é muito atrativo para os profissionais”, argumenta Paulo Morgado, lembrando que o hospital de Faro “não tem condições para crescer” e as suas infraestruturas estão “obsoletas”.

Como a maioria dos médicos não faz a sua formação no Algarve, sublinha, isso acaba por dificultar a fixação de profissionais - comparativamente aos grandes centros, como Lisboa, Porto e Coimbra -, e depois acabam por não sair “da sua zona de conforto”.

Mas, segundo Paulo Morgado, nem todos os indicadores são maus: comparativamente a 2015, o Algarve tem, desde o final de agosto, 50 novos médicos especialistas e mais 100 internos por comparação com o mesmo ano.

Também o presidente da secção de Faro da Ordem dos Médicos, Ulisses Brito, considera que a “falta de condições de trabalho” nos hospitais algarvios – unidades sem “projetos de desenvolvimento” - dificulta a fixação de médicos, que procuram “hospitais de ponta” para trabalharem.

Já muitos médicos que trabalham nos hospitais algarvios, perante Urgências a “abarrotar” e “uma grande sobrecarga de serviço”, acabam por abandonar o Serviço Nacional de Saúde e ir para os hospitais privados, que "pagam mais".

“A situação agora é muito mais grave do que há 10 ou 15 anos, altura em que não havia privados tão fortes. Em algumas áreas, a medicina privada já compete com o Estado de igual para igual”, refere o clínico.

O presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL) em substituição, Osvaldo Gonçalves (que substitui Jorge Botelho enquanto este tem o mandato suspenso por integrar as listas das próximas legislativas), admite que as “fragilidades” da região não têm permitido atrair médicos, com os concursos a “ficarem desertos de forma recorrente”.

O também presidente da Câmara de Alcoutim, no interior algarvio, dá o exemplo do problema da habitação: além da escassez de casas, os preços do arrendamento são elevados, o que contribui para afastar os médicos que queiram mudar-se com a família.

“A nossa estrutura, em termos de região, não tem tanto para oferecer como outras, não é atrativa”, sublinha, considerando que, ainda assim, a zona litoral do Algarve tem sido privilegiada na colocação de médicos face ao interior.

João Dias, secretário regional do Sindicato Independente dos Médicos, também é da opinião que a construção de um novo hospital seria um fator determinante para atrair mais médicos, porque, argumenta, o problema na região é de origem estrutural.

"No Algarve, é premente a necessidade de um novo hospital", defende.

No seu entender, "é imperiosa a substituição de equipamentos e fixação de recursos humanos" para resolver o problema da falta de médicos no Algarve, mas para o ano todo e não apenas no verão.

"Parece que temos dois países: do Tejo para cima e do Tejo para baixo. Não há investimentos, nem organização de forma a proporcionar condições de atração", refere, frisando que isso conduz a que a maioria dos médicos "optem por sítios onde têm melhores condições".

 

Por: Lusa