por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestre em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

Imagine que, ao realizar uma pesquisa com o seu nome no motor de busca da Google, surgem uma série de resultados, alguns dos quais sem qualquer relevância para si, e outros que o relacionam com um evento menos positivo que ocorreu na sua vida (por exemplo, um exame que realizou há muitos anos para um concurso público, no qual obteve uma nota negativa). Face a isto, imagine que deseja que a Google elimine a referência a esse resultado da pesquisa, deixando de associar o seu nome àquela prova, na qual obteve uma nota negativa. Devíamos ter essa possibilidade certo? Devíamos poder decidir que dados pessoais nossos devem aparecer nos motores de busca e quais não devem aparecer.

Em certa medida, todos nós usufruímos desse direito. A questão mais pertinente é a de saber, qual é exactamente a extensão desse direito.

O direito ao apagamento dos dados, também conhecido como “direito a ser esquecido”, foi uma das grandes novidades introduzidas pelo Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados (RGPD) em relação à Directiva 95/46/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Outubro de 1995. Previsto no artigo 17. ° do RGPD, o direito a ser esquecido garante que, verificados certos pressupostos, os indivíduos (titulares dos dados pessoais) têm o direito a que os seus dados sejam eliminados por parte do responsável pelo tratamento (mormente, as empresas).

Certo de que, tal como os restantes direitos, o direito a ser esquecido não é um direito absoluto – por exemplo: os indivíduos não podem alegar o seu direito a ser esquecido quando o tratamento dos seus dados se destina a dar cumprimento às obrigações legais e/ou fiscais –, dúvidas haviam quanto ao seu escopo (alcance) territorial. Será que, quando queremos que o nosso nome deixe de figurar na lista de resultados da Google, a empresa está obrigada a suprir essa referência a nível global ao somente ao nível da União Europeia?

Esta é precisamente a questão a que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) veio dar resposta, e este foi, pois, o objecto que motivou o pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (o equivalente ao Supremo Tribunal Administrativo em França) perante o TJUE, no caso que ficou agora conhecido como “Google vs. CNIL”.

Conforme referido na decisão do Tribunal Europeu, o pedido de decisão prejudicial foi apresentado na sequência de um litígio que opõe a Google e a Commission nationale de l’informatique et des libertés (Comissão Nacional de Informática e das Liberdades – CNIL) a respeito de uma coima no valor de 100 000 euros aplicada à Google. Segundo justifica a CNIL, apesar da Google ter aceite dar cumprimento ao pedido de supressão de referências resultantes do seu motor de busca (direito a ser esquecido) apresentado por indivíduo, a empresa ter-se-á recusado a suprir as demais referências do motor de busca em todas as extensões globais associadas ao seu domínio (exemplo: google.ru, google.co.id, google.co.in, google.us, etc.), o que motivou a aplicação da referida coima.

Nesta sequência, a Google requereu, perante o Conseil d’État, a anulação da deliberação da CNIL. Por seu turno, tendo o Conseil d’État, constatado que a argumentação de ambas as partes suscita várias dificuldades de interpretação da Directiva 95/46, decidiu-se pela suspensão da instância e submeter ao TJUE um conjunto de questões prejudiciais. Entre tais questões, inclui-se a questão de saber se o direito a ser esquecido (na vertente, direito à supressão de referência) deve ser interpretado no sentido de que é obrigação de um operador de um motor de busca (Google) suprir as referências resultantes de uma pesquisa com o nome do indivíduo em todos os nomes de domínio do seu motor de buscas, mesmo fora do âmbito da aplicação territorial da Directiva 95/46/CE, ou se pelo contrário, a supressão de referências deve limitar-se ao plano europeu.

Na sua análise, o TJUE optou por analisar, tanto a referida Directiva 95/46/CE, quanto o próprio RGPD, entendendo que tal seria necessário para “garantir que as suas respostas serão, em qualquer hipótese, úteis para o órgão jurisdicional de reenvio”.

Ao pronunciar-se sobre o escopo e alcance do direito a ser esquecido, o Tribunal Europeu considerou que, efectivamente, “o operador de um motor de busca [Google] não tem de efetuar essa supressão de referências em todas as versões do seu motor, devendo fazêlo nas versões deste que correspondem a todos os EstadosMembros”.

Adicionalmente, o TJUE considerou que, não obstante da supressão de referências apenas se reportar às versões europeias do motor de busca, podem, se necessário, ser implementadas medidas adicionais que permitam “impedir ou, pelo menos, desencorajar seriamente os internautas que efetuam uma pesquisa a partir do nome da pessoa em causa dentro de um dos Estados‑Membros de, através da lista de resultados exibida após essa pesquisa, aceder às hiperligações que são objeto desse pedido”.

As conclusões alcançadas pelo TJUE baseiam-se em, essencialmente, dois argumentos. O primeiro desses argumentos, faz constar que o direito à protecção de dados pessoais não é absoluto, devendo ser considerado em relação à sua função na sociedade, e devendo ser equilibrado com outros direitos e liberdades fundamentais (como é o caso do direito à informação), em conformidade com o princípio da proporcionalidade. Um segundo argumento, realça que em momento algum o legislador europeu ponderou, no que respeita ao âmbito de uma supressão de referências de um motor de busca, que o direito previsto no artigo 17. ° do RGPD pudesse ter um alcance territorial para lá da União Europeia, uma vez que o equilíbrio entre os vários direitos e liberdades em presença, variam de jurisdição para jurisdição.

Alguns especialistas acolheram esta decisão com relativo entusiasmo, sobretudo aqueles que repetidamente têm vindo a referir que, a defender-se a tese de que o direito a ser esquecido tem um alcance territorial para lá da União Europeia, seria admitir, implicitamente, que os poderes das autoridades de controlo têm um alcance para lá da União Europeia, o que levaria a um potencial conflito com outras jurisdições.  

Sem que discorde desta formulação, perfeitamente ajustada no seu plano teórico, preocupam-me as considerações práticas que emergem da decisão do TJUE. Efectivamente, os argumentos da CNIL devem ser atendidos com maior pertinência, sobretudo, quando esta entidade refere que só a supressão global das referências geradas na sequência de uma pesquisa realizada no motor de busca da Google é suficiente para efectivar o direito a ser esquecido. É preciso não perder de vista que, o mero bloqueio geográfico dos resultados gerados pelo motor de busca é facilmente ultrapassável através do uso, por exemplo, de uma Virtual Private Network – VPN – (Rede Privada Virtual). Desta forma, ainda que um indivíduo tenha exercido o seu direito a ser esquecido, obrigando a Google a suprimir as referências listadas no seu motor de busca, o uso de uma VPN permite facilmente aceder aos resultados desse mesmo indivíduo. Ora deste ponto de vista, a eficácia prática do direito a ser esquecido encontra-se fortemente limitada.

Tal não significa que a decisão do TJUE esteja fundamentalmente errada. Pelo contrário, ao mencionar a possibilidade de serem implementadas medidas adicionais que permitam desencorajar os internautas a realizar uma pesquisa com o nome de alguém dentro dos Estados-membros, o TJUE concedeu uma substancial margem de manobra e de actuação às autoridades de controlo para que estas, alicerçadas na obrigação de cooperação a que os responsáveis pelo tratamento de dados pessoais estão vinculados, possam encontrar soluções que melhor efectivem o direito a ser esquecido. Por determinar fica apenas a questão de saber como harmonizar esta actuação das autoridades de controlo, sobretudo, numa Europa pautada por gritantes assimetrias no que respeita à actuação dessas mesmas autoridades.