José Miguel Bettencourt está na política desde os 16 anos e, segundo o próprio, por uma questão de sangue. Desde muito cedo que se manteve ativo, até no próprio ambiente escolar, porém hoje denota um certo desinteresse das novas gerações em relação à política, o que o motivou a lançar o livro «Jovens e a Política».
Neste trabalho engloba entrevistas a 10 figuras que marcaram a política portuguesa em diferentes momentos da nossa história, onde se destaca nomes como Marcelo Rebelo de Sousa, Mota Amaral, Jaime Gama e Adriano Moreira. À conversa com «A Voz de Loulé», o autor desta obra revela também um grande interesse e preocupação com a situação política no Algarve, região que diz conhecer bem e gostar muito.
A Voz do Algarve – Porquê escrever um livro cujo tema é a relação dos jovens com a política?
José Bettencourt – A razão que me levou a escrever este livro é o facto de sentir que é importante, no momento em que vivemos e em que tudo se questiona, fazer uma reflexão sobre aquilo que é a essência de todos nós: a política. Quer nós queiramos, quer não, nós somos seres políticos, pois temos responsabilidades em instituições políticas e, de uma forma ou de outra, todos nós fazemos política. E eu achei importante dar essa informação à opinião pública para refletir aquilo que, no fundo, são matérias fundamentais no dia-a-dia de todos nós. O outro objetivo que me levou a escrever este livro foi a noção que as novas gerações precisam de se reencontrar com a política e que os fenómenos de pouca participação cívica dos jovens, e dos menos jovens, é real e tem de se combater. É necessário encontrar um chamariz que traga mais pessoas à política, nomeadamente para a política partidária.
V.A. – Em que se traduz ao certo essa reflexão? Ou seja, qual é o conteúdo propriamente dito do livro?
J.B. – Esta é uma reflexão académica, enquanto investigador universitário em Ciência Política, mas é também uma reflexão de alguém que conhece por dentro a política e os partidos, porque desde muito cedo estou ligado ao PSD.
A primeira parte do livro engloba algo que eu considerei importante e necessário explicar, a noção do que hoje querem dizer conceitos como: Estado, Economia e Política e, ainda, explicar a forma como a política se pode repensar e reavaliar. A outra parte do livro tem a ver com o sistema político e eleitoral português, o que o torna também um livro didático, pois fala muito do que hoje pode significar o Presidente da República ou deputado na Assembleia da República. Na terceira parte do livro é feita uma reflexão sobre a juventude, do passado até à atualidade, e qual foi o seu contributo para a política. É por isso que reúno uma série de políticos, da esquerda à direita, que falam da sua experiência política enquanto jovens e, mais importante, de quando exerceram cargos na política.
Este é um livro que, no fundo, faz uma retrospetiva sobre a juventude antes do 25 de abril, com o contributo de Adriano Moreira, e vai falando sobre as várias gerações políticas destes 41 anos de democracia.
V.A – Foram escolhidas 10 personalidades para falar sobre o tema. Porquê essa seleção? O que tinham essas personalidades que as distinguia?
J.B. – Este livro foi um desafio. Primeiro porque foi uma investigação de três anos, depois porque não foi fácil juntar todas estas personalidades num mesmo livro e, em terceiro, porque eu tive a preocupação de juntar pessoas que tiverem importância fundamental na formação do regime e com experiência política antes e depois do 25 de abril, como é o caso de Adriano Moreira. A preocupação foi reunir pensadores e políticos das várias gerações da política portuguesa, ou seja, do passado à atualidade. Estas pessoas fazem uma reflexão sobre a juventude política atual, sobre a sua própria juventude política e sobre os vários momentos da democracia portuguesa até aos dias de hoje.
V.A. – Desde muito cedo que começou a envolver-se política e civicamente, tendo começado aos 16 anos por criar a Federação Nacional de Associações de Estudantes do Ensino Secundário. Nessa altura, qual a relação que tinha com a política?
J.B. – A relação que eu sempre tive com a política foi, antes de mais, uma questão de sangue. Tenho na minha família pessoas dos dois partidos com mais responsabilidade governativa em Portugal, o PSD e o PS, e por isso tive uma vivência com a política desde muito cedo. Acho que a política institucional é uma coisa que se sente e que também se aprende a gostar e a participar. Por tanto, o meu interesse pela política é genuíno, sem segundas intenções, é algo que me interessa desde sempre. Tive a sorte de em casa ter pessoas que estavam ligadas à política e que me chamaram à atenção para o facto de a política também ter que ser vivida e sentida, o que me levou a este percurso. Mas não me considero um carreirista na política e nem acredito que o carreirismo na política seja saudável. O mesmo não é dizer que entendo que a política se deve profissionalizar, que os políticos devem ter exímias competências e qualidades para exercer a política institucional.
V.A. – Depois de tudo aquilo que ouviu, dos depoimentos dos vários entrevistados, qual lhe parece ser realmente o papel dos jovens na política?
J.B. – Ao contrário do que possa parecer, a participação política dos jovens é diminuta em comparação com os menos jovens. Ou seja, existe uma apatia geral em relação à política por parte dos jovens e há vários fatores para isso, desde logo, porque entendem que existem políticos que não honram a palavra, que não têm autenticidade na governação, porque há uma grande diferença entre aquilo que dizem e que fazem. Por outro lado, existe a ideia que os políticos não estão na política para servir os cidadãos e isso é uma ideia errada, porque, se formos verificar, uma grande parte dos políticos está na política com uma dedicação e uma entrega que deve ser valorizada. Se nós tivermos um discurso contra política, partidos e democracia, estamos a colocar em causa a própria democracia e as instituições. É importante ter consciência de que quem faz a democracia são os cidadãos, mas também os partidos.
Eu sou contra a ideia de que existe uma geração que é melhor que a outra e contra a ideia de que devemos infantilizar a política e que a política deve ser só tomada por jovens. A política tem que ser um complemento, um misto de irreverência, sangue novo e cabelos brancos. Se não tiver estes três fatores não é possível um partido afirmar-se perante o eleitorado.
V.A. – O papel dos jovens na política tem-se alterado com o tempo? As anteriores gerações tinham um maior interesse e envolvência na política?
J.B. – No 25 de Abril vivia-se um período de renovação política e aí a participação política e cívica era muito superior à que hoje existe, mas isso tem muito a ver com o facto de estarmos na altura a viver um período histórico. Mas há outra coisa que temos de ter a noção: hoje estamos também a viver um período histórico, pois estamos a passar por uma crise que ainda irá perdurar e é preciso políticos que tenham essa consciência e que sintam que são correspondidos pelos cidadãos. Tem que haver um complemento entre maior responsabilidade política e participação cívica.
V.A. – O que podem fazer a política, os políticos e os partidos para se aproximarem dos jovens e colmatarem o desinteresse que atualmente se verifica?
J.B. – A política tem que procurar formas de dialogar e interagir com os cidadãos. As pessoas votam em referências, em quem conhecem e que para si tem credibilidade. Se os jovens não se reverem no político não vão votar nele, o que vai acabar por contribuir para os índices de abstenção. Uma das coisas que eu conclui com esta investigação é que desde o 25 de Abril até agora, os níveis de abstenção em todos os campos aumentaram, estão acima de 50%, e isso é preocupante, é uma demissão dos cidadãos da sua participação eleitoral e pode ao mesmo tempo ser visto como um cartão vermelho perante as promessas que não são cumpridas e as afirmações dos políticos que não têm correspondido àquilo que os cidadãos pretendem. Mas há um caminho possível, o da profissionalização dos políticos, mas para isso também temos que os remunerar melhor. Não é admissível termos políticos que tomam decisões de milhões e que melhoram a vida dos cidadãos e depois lhes pagarmos menos que um quadro de média empresa. Ganha mais um administrador de uma empresa em Portugal do que um Ministro. Se queremos combater índices de corrupção, pessoas de qualidade na política, naturalmente que temos que as remunerar melhor.
O mais importante é credibilizar a política e quem pode fazer isso são as referências políticas, que são capazes de fazer chegar os jovens à política através do seu discurso, porque são quem tem o poder da palavra. Atualmente temos uma pessoa capaz disso: Marcelo Rebelo de Sousa. O que hoje falta aos políticos é poder de comunicação, da palavra, e Marcelo Rebelo de Sousa é hoje um político que todos conhecem e pode ter um papel fundamental na valorização da política, dos políticos e na procura de consensos, o que é necessário para assegurar a sustentabilidade da Segurança Social, do Serviço Nacional de Saúde, entre muitos outros. A candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa valoriza o sistema político e valoriza a relação que os portugueses têm que voltar a ter com os políticos de referência. Marcelo Rebelo de Sousa é uma figura que pode voltar a aproximar os jovens, e as pessoas em geral, à política. Eu defendo a sua candidatura por três motivos: porque tem a qualidade de saber ouvir, se não soubesse não faria comentário político; é escutado pelos portugueses, pois não existe mais nenhum político que seja ouvido semanalmente por 1 milhão e 500 mil portugueses; e poque tem o poder da palavra.
V.A. – Em termos de edução, acredita que as escolas e faculdades alertam para a consciência cívica das crianças e jovens?
J.B. – Eu fui dirigente associativo na faculdade e tive a consciência clara de que a primeira participação dos jovens que têm interesse na participação cívica do seu país começa nas Associações de Estudantes. A consciência cívica só se adquire com base na ideia de que as pessoas têm que ter uma maior intervenção. A escola, como pilar fundamental de uma sociedade, deve incutir desde logo essa consciência. Não digo com isto que se deva criar uma disciplina de consciência cívica, mas acho que devem ser lecionados nas escolas princípios fundamentais da democracia, do nosso sistema político e partidário e que tenham o objetivo principal de fazer as pessoas perceberem a importância da política. A educação tem que ser um complemento do reflexo da sociedade, do mundo empresarial e, por outro lado, uma formação sólida e rigorosa dos conceitos importantes nas várias matérias. Se estes dois princípios forem conseguidos, já estamos a consciencializar e a preparar melhores cidadãos, chamando-os à participação na vida da sua escola.
V.A. –Cada vez menos as pessoas estão fidelizadas a partidos, em particular os jovens. Qual a razão para esse fenómeno?
J.B. – Uma das coisas que eu pude apurar com a minha investigação é que, em nove milhões e meio de eleitores, apenas 320 mil são filiados em partidos, o que revela que o panorama é pouco animador. Os partidos têm de se abrir às sociedades e aquilo que este livro procura também apurar é a forma como os partidos podem sobreviver nas sociedades. Os jovens mais depressa se envolvem em ações de voluntariado do que se fidelizam num partido político, e isso acontece porque há um sentimento de demasiada institucionalidade. As novas gerações já não vão à Assembleia Municipal, já interagem apenas por email, já não são formais, muito devido às redes sociais. Contudo, 1/3 dos fidelizados num partido são jovens. Portanto, embora haja uma grande apatia dos jovens em relação à política, é interessante constatar que da mínima participação dos portugueses nos partidos (320 mil), uma parte significativa é tomada por juventudes partidárias, o que significa que a renovação política está assegurada, o que temos que fazer é proporcionar que essa renovação política seja com qualidade. Mas tudo isto é reversível, basta que hajam essas tais referências políticas dentro dos partidos e na política de maneira geral.
V.A. – Marcelo Rebelo de Sousa identifica-o como um ativista cívico e cujo objetivo permanente é o apelo à cidadania e participação. Como vê os portugueses em termos de cidadania e participação?
J.B. – Os portugueses estão muito alheios à política e isso revela-se pelos níveis de abstenção que são muito elevados. As pessoas já nem à sua reunião de condomínio vão e se nós não nos preocupamos com a casa onde vivemos, como é que nos vamos preocupar com a sociedade onde estamos inseridos. Nós criticamos um mau sistema político, mas a culpa acaba por ser também nossa se não mudarmos por dentro, sem que haja o conhecimento da importância do voto. Mas importa perceber porquê que isto acontece e a razão está relacionada com o grau de exigência dos portugueses já não ser o mesmo de há 40 anos, porque a democracia teve um período de amadurecimento e o importante a reter é que, com a exigência da qualidade de vida que os portugueses têm hoje e de que não querem abdicar, acabaram por também se tornar mais exigentes face àqueles que ditam as suas regras e que modificam o seu bem-estar, que são os políticos. Ora, os políticos também têm que compreender esse sintoma e procurar ajustar esses níveis de exigência da sociedade na política institucional.
V.A. – No seu livro é discutida a importância de implementar reformas urgentes no Sistema Político-Partidário e Eleitoral. De que reformas estamos a falar?
J.B. – O Adriano Moreira diz no livro que a reforma que ainda está por fazer desde o 25 de Abril é a reforma do sistema político e essa é uma reforma fundamental. É certo que nenhuma instituição se “auto-reforma”, e isso é válido para as instituições políticas, democráticas, empresarias, associações recreativas... Todas elas têm de ser impulsionadas e aquilo que nós temos que procurar saber é de que forma os cidadãos podem pressionar as instituições democráticas e políticas a se reformarem, até porque está provado que elas são capazes de se “auto-reformarem”.
Contudo, considero que a reforma que interessa fazer hoje é profissionalizar a política e os políticos e com isso criar níveis de exigência e rigor que não são hoje pedidos à classe política e aos partidos. Para além disso, a reforma no sistema político tem que começar nos próprios partidos que têm que mudar toda a sua orgânica de funcionamento, a começar na forma como são escolhidos os seus dirigentes, e a acabar na forma como as pessoas são digitadas para as listas de deputados.
V.A. – Também é discutida a introdução de eleições primárias para a escolha de deputados ou candidatos a líderes. Qual a importância dessa medida para o nosso país?
J.B. – O facto de haver políticos que vivem da política desde sempre, não significa que estes sejam bons políticos. O que nós devemos fazer é separar os bons e os maus políticos. Como Cavaco Silva dizia “separar a boa moeda da má moeda”. E os cidadãos devem tomar essa decisão diretamente. Os partidos podem, quanto muito, fazer um apanhado das pessoas que reúnem as qualidades necessárias, mas a última palavra deve caber ao eleitor. Por outras palavras, eu entendo que a democracia participativa e direta na escolha dos representantes, por exemplo, para a Assembleia da República, faz sentido. A política não pode ser entregue a um determinado número de pessoas que decidem por si só o que querem dizer, escolher e fazer e que não têm em conta a opinião direta dos cidadãos. Isso não é uma correta forma de estar na política de hoje. Se as pessoas escolherem quem querem ver na Assembleia da República é mais fácil depois pedir-lhe satisfações e dar-lhes indicações sobre o que está bem e mal. Isto não quer dizer que os partidos percam importância, aliás, os partidos renovam importância na medida em que são mais correspondidos e entendidos. Os níveis de abstenção revelam que as pessoas não se identificam mais com o sistema político, por isso é importante esta mudança. No fundo, tem que se fazer política com mais convicção, honra, mais sentido de Estado, mas, ao mesmo tempo, mais próximo das pessoas e das preocupações dos jovens.
V.A. – Em relação à situação política no Algarve, qual é a sua opinião sobre o panorama que atualmente se vive nesta região do país?
J.B. – Eu sou um grande defensor do Algarve e conheço-o bem. E, entendo que tem de haver uma preocupação dos políticos no Algarve para repensar uma possível regionalização e, nesse sentido, o que o político Mendes Bota vem dizendo tem algum sentido, porque as políticas têm de ser repensadas. Mas não sei se esse processo se deveria chamar regionalização. Eu acho que o poder local tem que ganhar cada vez mais responsabilidades e acho que essas responsabilidades passam por o Estado central transferir muito mais competências para o poder local em relação ao que tem feito até aqui.
Esta explosão turística que hoje o Algarve presencia deve-se muito às entidades que aqui trabalham afincadamente para que isso aconteça, como a Região de Turismo do Algarve, que é presidida por Desidério Silva, mas sobretudo porque há uma política sustentada de turismo no Algarve, que tem efeitos duplos e que não está relacionada com o Governo.
Há autarcas aqui no Algarve que têm feito um muito bom trabalho, mas há outros que têm tido um papel negativo na política, nomeadamente quando há níveis de endividamento preocupantes em Câmaras Municipais como a de Portimão. É preciso ter a noção de que o Algarve é feito dos algarvios e não dos turistas. Claro que o turismo é importante e este ano foi muito forte, mas não se pode esquecer aqueles que votam, que nasceram no Algarve e que querem ter acesso a uma boa qualidade de vida.
V.A. – Como está a correr a venda dos livros até agora?
J.B. – Foram editados, numa primeira fase, 1000 livros que foram colocados à venda na Fnac e que já estão esgotados.
V.A. – O livro já tinha sido apresentado em julho na Assembleia da República e foi agora apresentado em Portimão. Irá ser apresentado em mais alguma cidade do país?
J.B. – O livro foi apresentado na Assembleia da República no dia 14 de julho, foi depois apresentado nos Açores, foi apresentado em Portimão recentemente e continuará a ser apresentado por todo o país.
Por VA/Sofia Coelho