A poucos dias da 27.ª edição do Salir TT, Deodato João, Presidente da Junta de Freguesia de Salir e Manuel Nogueira Martins e o filho Micael Martins, membros da organização do evento, estiveram no programa «Olha que Dois», com Nathalie Dias e Vítor Gonçalves.
Sendo o Presidente da Junta de Freguesia, será a pessoa mais indicada para nos falar de uma das maiores riquezas de Salir: a gastronomia. Quais os pratos típicos desta zona do interior algarvio?
Deodato João – Muita gente procura o interior para encontrar os pratos tradicionais e típicos que, felizmente, os nossos avós nos legaram. E a verdade é que ainda podemos encontrar esses pratos na nossa freguesia, que é grande e por isso tem algumas aldeias onde esses pratos ainda se podem procurar. Posso dar alguns exemplos: os Montes Novos, onde existe a Cooperativa e o restaurante «Mairinho»; a Cortelha e o Barranco do Velho, onde existem dois restaurantes com uma boa cozinha e onde as pessoas procuram pratos como as Papas de Xarém, o Jantar de Grão, o Ensopado de Borrego e muitos outros; em Salir também temos alguns restaurantes que servem refeições diárias com pratos de dia, que recebem muitos visitantes pela sua centralidade de passagem; e na Portela do Barranco existe o restaurante «A Medronheira», onde se pode comer javali estufado. Mas estes são apenas alguns exemplos.
As gentes de Salir, apesar de viverem afastadas do litoral, são muito apegadas à sua terra?
D.J. – Sem dúvida. Há um sentimento de pertença muito grande por parte da população e das gentes do interior e exemplo disso é o Salir TT, que representa a união de muitos salirenses, mesmo aqueles que não estão cá, (…) têm este apego às suas raízes.
Para a área territorial disponível (187,75 metros quadrados), há apenas 2775 cidadãos, o que é uma quantia pouco expressiva. A freguesia perdeu população nos últimos tempos?
D.J. – É uma realidade na freguesia de Salir, assim como em todo o interior de norte a sul do País. Salir teve o seu ponto mais alto nos anos 1940 e, a partir daí a demografia tem diminuído devido à imigração. A partir dos anos 40, 50 e 60 e, também dos anos 80, o litoral começou a oferecer, em termos de turismo, melhores condições e outras oportunidades para os jovens e pessoas no ativo. Hoje, temos uma população muito envelhecida, sendo que 35% da população total tem mais de 65 anos. Só para vos dar uma ideia, temos cerca de 60 óbitos por ano, o que é bastante. Por tudo isto, o nosso interior está, de facto, a ficar desertificado. O nosso Governo não tem praticado políticas que dinamizem o interior e isso faz com que as pessoas procurem outras oportunidades para se fixarem. Cabe ao poder central definir o que pretende para este território de Portugal. São estas desigualdades que fazem com que a população procure o litoral e outras oportunidades.
Qual é o orçamento que dispõe a freguesia de Salir para este ano?
D.J. – A freguesia de Salir tem um orçamento de 465 mil euros, que é bastante reduzido para aquilo que são as carências e as necessidades da freguesia. É uma zona muito extensa, com muitos aglomerados, muitos sítios. Felizmente fomo-nos dotando das condições básicas para as pessoas lá permanecerem, fazendo chegar a água, a eletricidade. As pessoas hoje têm quase tudo para ter uma boa vida. Mas falta o principal: o trabalho. Eu assumi funções num período de contenção e de crise e foi devido a alguns cortes no orçamento que se tornou muito difícil chegar a todas as aldeias para resolver os problemas, ainda que se vá conseguindo. As verbas, desde 2010 até 2014, têm vindo a ser reduzidas e neste último ano têm vindo a melhorar o valor reduzido em 2013, mas ainda assim tenho uma verba de menos 110 mil euros em relação a 2009, dos quais 77 mil são de capital e 33 mil em receitas correntes. Esse dinheiro faz muita falta e poderia resolver algumas situações identificadas.
Essa verba que recebe é da Câmara Municipal ou do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF)?
D.J. – Esta verba é do FFF, que por sua vez se reflete também no município, que reduz a mesma proporção às freguesias. Isto com a agravante de o Governo ter atribuído mais de 50% do valor do IMI urbano, o que veio melhorar os orçamentos das juntas de freguesia do litoral e que veio regularizar o valor que tinha sido objeto de corte nos anos anteriores. Há ainda a agravante de o Governo não considerar as freguesias do interior, como o Ameixial e Salir, e os municípios de São Brás de Alportel, Tavira e Loulé como de baixa densidade porque são considerados ricos. Nos quadros comunitários anteriores, tudo foi considerado em função das freguesias e não dos municípios e eu não posso considerar que uma freguesia como Salir ou Ameixial seja comparada a Almancil ou Quarteira. Todos estes apoios comunitários não foram atribuídos a estes municípios por esta razão, o que anteriormente se verificou em função das freguesias e não dos municípios.
Há alguma receita extra, para além das já mencionadas, que lhe caia no mealheiro?
D.J. – As receitas provenientes do orçamento da freguesia baseiam-se no FFF, no município e depois temos nove ou 10 mil euros na parte dos cemitérios, o que é muito pouco porque as obras que lá se realizam são muito superiores ao valor arrecadado. Infelizmente, há muita “clientela” para o cemitério, mas a receita não chega.
Como salirense conhecerá por certo a serra algarvia como poucos. O que há para conhecer nesta zona?
D.J. – O Salir TT é um verdadeiro exemplo disso, que desde 1990 tem vindo a divulgar o interior e as ricas paisagens que tem.
Manuel Nogueira – Temos bonitas paisagens na nossa serra, como o Malhão que tem uma linda paisagem sobre o litoral algarvio. Se nós formos na Primavera, tanto à noite como ao pôr-do-sol, é lindo e avista-se Monchique. A cordilheira que vai desde o Malhão até à Cortelha, passando pelo moinho do Farranhão, também é um bom exemplo. Temos os serros negros de Querença e de Salir, que têm uma vista deslumbrante, e avista-se desde Sagres até Olhão. A nossa serra não é vista nestes parâmetros e se nós formos visitar estes sítios ficamos pasmados com o que vemos.
Sendo Salir uma freguesia do interior que faz parte de um dos concelhos mais importantes e ricos da região, o que sente que lhe falta para ser feliz enquanto autarca da sua terra?
D.J. – Em 2009 vim para a freguesia com grandes ilusões e a verdade é que não estava à espera da crise que entretanto surgiu e isso retirou algumas ilusões de investimentos grandes e estruturantes que a freguesia bem necessitava. Aquilo que eu tinha em mente, tenho vindo a concretizar e orgulho-me bastante daquilo que fiz até hoje. Daquilo que cabia ao município resolver para a freguesia de Salir, ficou muito aquém em relação a outras freguesias, nomeadamente no que diz respeito ao saneamento, que é hoje uma das carências de Salir. Em relação a outras carências que possam existir, neste momento tudo indica que este executivo irá resolver, em particular no centro da vila, que é uma zona que faço questão de manter limpa e cuidada para que as pessoas a possam visitar. Refiro-me ao jardim público de Salir, que está numa situação deplorável e degradado há muitos anos, mas parece-me que tudo vai ser resolvido rapidamente. Outra carência que existe neste momento em Salir é a falta de um salão multiusos, onde se possam organizar festas e espetáculos. O posto da GNR também estava numa situação muito degrada e em breve passarão a ocupar o quartel dos bombeiros e a zona central será beneficiada. De tudo aquilo que me orgulho de ter feito nestes seis anos, a grande obra foi ter conseguido cumprir com aquilo que disse durante as eleições, que foi ser um Presidente presente, com uma gestão plural, de proximidade e todos os dias estava à disposição dos fregueses para resolver todos os problemas no próprio dia ou no dia seguinte, se possível, algo a que a freguesia de Salir não estava habituada.
Salir tem fama de organizar festas muito populares, como é o caso da Festa da Espiga. Fale-nos um pouco da evolução desta festa ao longo dos anos.
D.J. – Já estamos a trabalhar na Festa da Espiga deste ano, que é a festa mais emblemática da freguesia, que realizamos ininterruptamente desde 1968. Conseguimos colocar esta festa no lugar que ela merece e isso graças a uma equipa que constituí quando comecei a exercer funções. É uma equipa que não passa exclusivamente pelo executivo, é mais abrangente, e que está disposta a trabalhar para a freguesia, a desenvolvê-la e divulgá-la. Na Festa da Espiga temos apostado nisso e temos conseguido manter o número de carros de vários sítios da freguesia, o que não é fácil, tal como encontrar pessoas dispostas a fazê-lo. Apesar de alguns já terem falecido, a verdade é que ainda há pessoas que se mantêm desde a primeira edição da Festa da Espiga. Mas também temos outros eventos, como é o caso do Festival do Vinho na Nave do Barão, que no próximo mês terá a sua segunda edição.
Salir é uma zona com várias associações desportivas e de outras naturezas. Pode-se dizer que as gentes da terra têm um grande sentimento bairrista?
D.J. – Salir é mais que uma terra: Salir é a freguesia que tem mais associações e associativismo do Concelho de Loulé. Esse associativismo é o complemento do trabalho realizado pela junta de freguesia. Eles são os verdadeiros embaixadores da freguesia. Por exemplo, temos a Associação Cultural das Barrosas, através do rancho folclórico, tal como o Grupo de Amigos da Cortelha, que são associações ativas e que a junta de freguesia faz questão de acompanhar e apoiar fortemente. São merecedores do pouco, mas muito dinheiro que a junta de freguesia disponibiliza, valores que podem rondar os 30 mil euros só para o associativismo e para associações de caracter social.
A falta de jovens em Salir é também um motivo para que estes valores e o número de associações não seja superior?
D.J. – Sem dúvida. Temos poucos jovens, mas bons e isso vale o trabalho que se tem feito.
Em termos de alojamento, ele existe e é suficiente?
D.J. – Eu acredito no interior, na nossa freguesia e em tudo o que temos para oferecer em termos de turismo de natureza e atividades ao ar livre. Temos alguns projetos que têm beneficiado o alojamento local, como é o caso da Via Algarviana, que traz bastantes visitantes a Salir. O alojamento tem também beneficiado com os programas do ProDer, que veio dar vida a algumas zonas que estavam completamente despovoadas, o que eu acredito que vai ser o futuro. Cada vez vemos mais turistas a procurar o interior como uma alternativa ao litoral que está saturado. Temos a piscina de Salir que é muito procurada porque é uma zona muito aprazível para o descanso.
Agora em relação ao Salir TT. Este é o maior evento desportivo da serra algarvia e já vai na 27ª edição, a realizar no dia 5 de março. Quem organiza este evento e desde quando?
M.N. – Este é um passeio de todo-o-terreno, de jipe, pickup’s, motos e moto4. Os carros mais baixos, os que nós chamamos “carros de cidade”, ficam riscados devido às estevas, mas nós agora temos um cuidado que não tínhamos antigamente. Eu tenho um trator e uma alfaia e temos o cuidado de verificar se o percurso tem muitas estevas e se assim for desbastamos para não riscar os carros.
Este evento começou em 1990 pela iniciativa de três amigos: o Reinaldo Teixeira, o Alberto Viegas e o “Chico”, que agora está em Beja mas que estava na altura a dar aulas em Salir. Surgiu numa conversa de café, no inverno, quando o objetivo era fazer um passeio de jipes, sendo que na altura existiam poucos. Nesse ano, eu não estive na organização porque estava no serviço militar em Beja, mas no ano de 1991 já integrei a organização, a convite desses senhores. Depois disso foi-se sempre fazendo até hoje. O associativismo e o amor à camisola, sem ganhar nada, só experiência, é lindo. Eu estou também ligado à Festa da Espiga, faço parte da Comissão de Festas, e muitas outras coisas.
Todo o tipo de carro pode participar ou tem de ser alguma cilindrada especial?
M.N. – Não, desde que seja o 4x4 e tenha a alavanca que nos permita ligar as quatro rodas motrizes, não há problema. Antigamente, há mais de 20 anos, havia os carros de duas rodas motrizes e isso era muito complicado.
E as distâncias são iguais para todos?
M.N. – São iguais para todos, excluindo as motas. Temos um percurso que a determinada altura sai do caminho dos automóveis e dos jipes e vão dar uma volta mais à frente, voltando depois ao percurso normal. Isto acontece porque as motas andam um pouco mais.
Qual vai ser o itinerário este ano?
M.N. – Este ano o itinerário é o seguinte: vamos de Salir pela manhã e vamos diretos para a Portela do Barranco, Califórnia e Serradinho, depois passamos no Alagar e nos Besteiros do Ameixial, Vale de Rosa e vamos almoçar no polidesportivo do Grupo de Amigos da Cortelha.
A Serra do Caldeirão tem belezas que só quem por elas passa pode apreciar. Quem escolhe o circuito e a distância a percorrer?
M.N. – Eu e o meu amigo David fizemos o percurso até ao meio dia e, na parte da tarde, foi o meu filho, de quem muito me orgulho, que o realizou com o Válter.
Existe a hipótese de fazer o passeio e parar de vez em quando numa tasca antiga para petiscar alguma coisa?
M.N. – O nosso objetivo é sempre andar o mínimo possível no alcatrão, andamos sempre por caminhos de terra e por trilhos poucos transitáveis. O pequeno-almoço é fornecido numa barragem da Califórnia.
Micael, qual é a sua função na organização deste evento?
Micael Martins – Desde muito pequeno que tinha o sonho de integrar a organização. Sempre tive o apoio do meu pai e hoje em dia estou ligado à secção de turismo do Salir TT. Este ano fui eu quem fez, com o Válter Martins, o percurso da tarde. Desde pequeno, sempre tive amizade ao Salir TT e trago-o no coração desde pequeno.
Uma das coisas mais importantes num evento destes é a segurança, certo?
M.M. – Nós asseguramos todos os participantes e percursos. Temos o apoio essencial da Cruz Vermelha, que tem sido incansável. Temos vários percursos montados, o A, o B por onde podemos trazer os participantes caso haja uma situação mais complicada e temos o C que traz os participantes para Salir sem correr risco.
Muitos jovens aderem a este evento?
M.M. – Sim, muitos jovens têm feito isto. Ainda este fim-de-semana fui a um passeio de jipes e estavam muitos jovens.
Há um projeto relacionado com plantação de árvores. Pode falar-nos um pouco sobre isso?
M.M. – Sim, é um projeto em parceria com o Instituto de Conservação da Natureza e Floresta (ICNF) e a Serra do Caldeirão, que têm tratado ao longo dos anos da plantação de árvores e nós temos estruturado, no percurso em si, essa plantação.
M.N. – Desde 1994, que plantamos árvores. Cada participante que vai tem um número de inscrição e quando vão colocar a árvore no terreno colocam também esse número. Desde 1994 até hoje vamos já em mais de seis mil árvores plantadas. O Salir TT, em qualquer percurso que se faça, não vai destruir a natureza. Nós passamos pelos sítios, pedimos autorizações. E se sabemos que há um local onde se encontra um ninho de árvore não vamos para lá.
Há alguma informação complementar que queriam deixar para quem queira participar no percurso?
M.N. – É um passeio, uma coisa diferente do dia-a-dia. Uma pessoa que tenha um 4x4, pickup ou moto pode vir no dia 5 de março, porque este é um passeio de amizade e camaradagem. O espírito do TT é também ajudar o outro, se alguém está atascado nós não passamos ao lado e a pessoa fica lá, vamos ajudar. Em fevereiro, fui a um passeio no Pessegueiro e a dada altura estavam algumas pessoas atascadas e nós ajudámos. Aqui, aquele que não é amigo fica amigo. Nós temos amizades de norte a sul do país, que nos têm visitado ao longo destes mais de 20 anos.
O que fazem caso haja alguma avaria?
M.N. – A experiência faz a diferença. Quando temos obstáculos, uma descida ou uma inclinação lateral, nós temos uma alternativa para isso. Quando há pessoas com pouca experiência, não as mandamos para percursos mais complicados e aconselhamos outros. Temos um grande cuidado e responsabilidade.
O Deodato João nunca participou nesta prova?
D.J. – Eu acompanho este TT desde o início na parte logística, mas não é o meu hobby.
Qual é o orçamento para o Salir TT deste ano?
M.N. – Anda à volta dos 10 ou 12 mil euros. As pessoas pagam entre 35 a 40 euros, com direito a comida e bebida, almoço e jantar e um bom casaco. Mas sem os patrocinadores seria impossível levar este evento para a frente.
Deodato João, o que tem a dizer a pessoas como Manuel Nogueira e o Micael Martins, que são dos poucos que ainda trabalham “à borla”?
D.J. – É uma gratidão enorme que a freguesia de Salir tem para com estas pessoas. Representam as várias associações por toda a freguesia, trabalham por amor à camisola. As receitas são poucas no interior e só com muito voluntariado conseguimos. É graças a isso que o Salir TT chegou à 27.ª edição, graças a esta grande família, que abrange organização, participantes, repetentes desde a primeira edição e os patrocinadores que fazem questão de estar presentes. Este Salir TT é um encontro entre todos.
Esta entrevista foi realizada por Nathalie Dias e Vítor Gonçalves no Programa “Olha que Dois”, uma parceria da “Total FM” com “A Voz de Loulé” emitido no dia 24 de fevereiro.
Oiça aqui esta entrevista.
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