Entrevista | Hugo Alves

15:53 - 10/03/2016 ENTREVISTAS
Hugo Alves, trompetista e fundador da Orquestra de Jazz do Algarve, foi entrevistado no programa “Olha que Dois”, com Nathalie Dias e Vítor Gonçalves

Quando constituiu a Orquestra de Jazz do Algarve (OJA)?

Hugo Alves – Esta orquestra foi fundada em 2004, na cidade de Lagos, porque estava a ser produzido um festival de Jazz nessa cidade. Nesse ano houve um maior investimento na componente do ensino nesse festival e havia quórum de alunos que permitiu fazer uma orquestra de Jazz. O sucesso foi grande, mesmo com o trabalho de apenas uma semana, e a Câmara Municipal ficou interessada em criá-la.

 

Quantos músicos fizeram parte desse projeto?

H. A. – As orquestras de Jazz têm uma formação mais ou menos fixa, que varia entre os 16 e os 18 músicos. Tem quatro trompetes, cinco trombones, cinco saxofones e aquilo a que chamamos saxo-rítmica, que é piano, bateria e contrabaixo. Depois pode ter precursão, vozes, entre outros elementos.

 

A OJA tem o estatuto de utilidade pública sem fins lucrativos. Como obtêm as receitas para fazer face às despesas?

H.A. – Nós fazemos parte do pequeno lote, cada vez mais esquecido, que é referido na Constituição, que diz que a cultura tem de ser apoiada. Fazemos parte da cultura que não tem viabilidade económica, mas que foi destacada como sendo importante para as pessoas. O primeiro apoio importante que tem de ser destacado, até porque a orquestra reside no Concelho de Lagoa, é, obviamente, o apoio local, e depois também o apoio que vem do Ministério da Cultura e de outras instituições públicas. As pessoas, por vezes, gostam de falar em subsídio-dependentes. Nós não o somos, tal como a maioria das instituições culturais, mas é necessário que as pessoas entendem que há instituições que devem existir, mas não têm viabilidade económica porque as pessoas não têm formação, nomeadamente na escola, para poder desfrutar dessa informação.

 

Com todas estas dificuldades, o que é que o levou a constituir este projeto e em particular no Algarve?

H.A. – Outra coisa que as pessoas entendem mal é que a área das artes é uma área profissional, como outra qualquer. Eu já fui economista e posso dizer-vos que as artes são das áreas mais competitivas que existem, isto porque também temos a nossa vertente económica e as várias artes competem umas com as outras e, dentro destas áreas, competem os vários estilos. Portanto, é um mercado bastante rico. As dificuldades são de várias ordens. É óbvio que precisamos de ter apoios para arrancar, porque há investimentos fixos para fazer… e depois há a questão do capital humano, que hoje é melhor, provavelmente, graças a nós que pegámos em alguns músicos profissionais da área e nalguns amadores. A partir daí, o projeto passou a ser profissional, mas tem uma componente de formação contínua. Cada ensaio que fazemos, cada atividade que temos é sempre uma formação.

 

Pela excelência e qualidade artística do seu projeto, este foi distinguido pelo Estado Português com a atribuição de apoios pela Direção Geral das Artes e Ministério da Cultura. Arroga-se, dizendo que a Orquestra de Jazz do Algarve é a única organização do género no Sul do País com um projeto financeiro autónomo. O que quer dizer com isso?

H.A. – É exatamente um projeto financeiro autónomo, porque ao contrário de outros projetos na área da cultura, que o próprio Estado decidiu criar, nós somos uma organização espontânea, ninguém nos criou. Isso leva a que não exista uma intenção direta de financiamento e que nós tenhamos que ir aos financiamentos independentes.

 

Quantos músicos fazem atualmente parte da banda?

H.A. – São cerca de 16 músicos, homens e mulheres, portugueses e estrangeiros. O que têm em comum é serem algarvios ou viverem no Algarve.

 

Quantos concertos aproximadamente já realizou a Orquestra de Jazz do Algarve e onde?

H.A. – Não faço ideia de um número, porque já foram muitas centenas. Numa altura em que se pensava que o País estaria em crise, nós chegámos a ter 50 concertos por ano, o que dá um por semana. É bastante! Hoje em dia não tenho bem a noção, mas pode andar à volta dos 20 concertos ao ano.

 

No Algarve há muita gente a gostar deste género de música?

H.A. – Os nossos algarvios, resistentemente, e a pouco e pouco, vão reconhecendo aquilo que nós fazemos e este género de música. Claro que o sucesso que temos durante o verão é muito maior. Isto é uma formação perfeitamente natural em qualquer País da Europa, mas aqui parece ser um pouco mais rara.

 

Quem geralmente vai a este tipo de concertos são pessoas que gostam deste género musical. Que técnicas abordam, que músicos seguem e quais são as tendências?

H.A. – A história do jazz tem algo de muito curioso: em cada década do século XX foi mais ou menos criado um estilo novo dentro do jazz, mas o anterior não deixou de se fazer. As orquestras vêm dos anos 20 e 30 e nunca deixaram de se fazer até hoje, o que nos permite ter muitos reportórios. Nós entregamos ao nosso público, cada vez que temos um concerto, um reportório diferente, daí que o trabalho seja imenso. Só este ano, em dois meses, dois reportórios diferentes e já estamos a trabalhar em mais dois, isto para que possamos dar às pessoas variedade e enriquece-las de certa forma.

 

O projeto engloba, numa extensão dedicada à área educativa, o Jazz na Escola e o Jazz Escola de Música. Como funcionam?

H.A. – Nós temos uma escola de jazz, que é a Escola de Jazz e Música Moderna do Algarve, que está também sediada no Concelho de Lagoa. Tem formado muitos miúdos, e graúdos também, e felizmente já nos deu alguns músicos para a orquestra. Os nossos projetos são transcendentais a toda a região, basta que as autarquias o queiram.

 

Como tem decorrido a abordagem, levando a música de Jazz aos mais jovens?

H.A. – É bem aceite. Em Lagos, em 2004, eu tive oportunidade de levar às escolas um projeto que permitia aos miúdos experimentar e improvisar. Foi um projeto feito com o Ministério da Educação, foi inclusive premiado a nível nacional, tido como um projeto pedagógico e, segundo sei, está na raiz do que hoje são os programas de música nas escolas, que antes eram mais curtos e suaves. Durante três ou quatro anos fiz essas sessões e os miúdos participaram muito ativamente. Agora é muito engraçado que passados cinco ou seis anos começam a aparecer uns “rapazolas” maiores a vir aos concertos e a relembrar-me que eu lhes tinha dado aulas quando eles tinham metade do tamanho que têm agora. É engraçado porque foram três ou quatros anos em que eles desenvolveram as suas capacidades e alguns deles são hoje músicos amadores e provavelmente alguns irão seguir estudos superiores na área.

 

Qual é o instrumento que tem mais adesão da parte dos jovens?

H.A. – Temos de tudo. Os instrumentos estão relacionados com a música que nós fazemos, como o piano, a guitarra ou a voz e ainda bateria, baixo ou contrabaixo, saxofone, trombone e trompete. São instrumentos mais exóticos porque não são os mais utilizados.

 

Há ainda um outro projeto, o Jazz à Solta. Em que consiste?

H.A. – Esse é mais um dos projetos que nós temos dentro da nossa linha de programação e que está relacionado com concertos de menor dimensão, em espaços mais pequenos. Costumamos fazer em bibliotecas, cafés-concertos ou sala secundárias de auditórios.

 

Mas há mais, como o projeto EJMMA – Atelier de Jazz e Musica Moderna do Algarve. Como conseguem pôr tudo isto a funcionar?

H.A. – Não é fácil. A grande diferença deste projeto é que é profissional, há profissionais dedicados a fazer aquilo que fazem e a gostar também.

 

A Formação de Músicas e Formação de Públicos de todas as idades é outro dos seus projetos. É o que se pode chamar “semear para colher”?

H.A. – Sim, é semear para colher. Essa definição do que é preciso ou não fazer compete ao Estado e aos Governos. Eu já ando há 25 anos a formar públicos e vou continuar mais 25 se ainda por cá andar. Se calhar os políticos deviam ler História com H grande e deviam entender porquê que ao longo destes três mil anos tanta coisa falhou. A única diferença entre o dia de hoje e há 100 anos atrás é, provavelmente, a existência de eletricidade, tudo o resto era igual. O que eu noto é que a política está divorciada das pessoas e o que as pessoas querem é ter uma vida normal.

 

Nem só do ensino vive a Orquestra de Jazz do Algarve. A produção de espetáculos é outra das vertentes. Como funciona? Que tipo de músicas fazem parte do vosso reportório?

H.A. – Há um ano, tivemos o desafio da Câmara Municipal de Lagoa de “partir” a orquestra em três formações diferentes, que tocaram em três pontos diferentes. Tivemos o quarteto de saxofones num local, tivemos uma banda de saxofone tradicional noutro e OJA Redux noutro.

 

Há por certo outros projetos, alguns de dimensão superior, quanto a espetáculos. Quer falar-nos deles?

H.A. – O Lagos Jazz e o OJA Jazz Fest são a nossa veia de produção. A primeira produção que nós temos que fazer todos os anos tem a ver com a nossa própria turné, sendo que tratamos do assunto de uma ponta a outra. Temos agentes e equipas de produção independentes, fazemos tudo internamente. Vamos realizando propostas a Câmaras Municipais e outros promotores para produzir festivais de jazz e outro tipo de atividades.

 

A nível internacional, como está a agenda?

H.A. – A nível internacional é muito complicado, principalmente deslocar uma orquestra com tantos músicos porque os custos envolvidos são muito grandes. Temos um raio de ação que vai até aos 1000/1200 quilómetros, mas chega a um ponto em que é praticamente inviável. Quando eu estive em turné na África do Sul, há 10 ou 11 anos atrás, com a Orquestra de Jazz de Estocolmo, tínhamos uma turné de dois meses paga, isso para demonstrar a cultura sueca um País que nem sequer é europeu. Se nós estivéssemos num País que valorizasse isso, talvez fosse possível.

 

De que carece mais a OJA?

H.A. – Em Portugal, só existem duas orquestras apoiadas: a de Matosinhos e a nossa. Carências há sempre… mas vamos ter novas instalações em Lagoa, que nos vão dar melhores condições para trabalhar, o que reconhecemos com grande agradecimento à Câmara Municipal. Mas é preciso que no resto da cultura, no Algarve e no País, as coisas funcionem.

 

Esta entrevista foi realizada por Nathalie Dias e Vítor Gonçalves no Programa “Olha que Dois”, uma parceria da “Total FM” com “A Voz de Loulé” emitido no dia 02 de março.

Oiça aqui esta entrevista na integra.

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