Desidério Silva, atual Presidente da Região de Turismo do Algarve, foi convidado do programa «Olha Que Dois», com Nathalie Dias e Victor Gonçalves, onde falou sobre o seu percurso associativo e político e fez um balanço sobre a sua mais recente experiência, na liderança do turismo algarvio.
Por ter filhos em idade escolar, começou no início dos anos 90 no associativismo, na defesa de melhores condições para os mais novos, em período escolar. Foi uma boa experiência?
Desidério Silva – Embora houvesse também aqueles que se envolviam nessas coisas sem ter filhos, eu envolvi-me porque tinha. Nessa altura havia uma grande necessidade de intervir junto dos poderes públicos face à situação em que as escolas do Algarve se encontravam. Estávamos no final dos anos 80 e início dos anos 90, por isso as escolas não tinham nada a ver com aquilo que são hoje, eram escolas com pouca qualidade, não tinham equipamentos desportivos, acessos ou iluminação. Havia essa necessidade de intervenção, que foi depois concretizada e eu assumi essa responsabilidade, não só em Albufeira mas também em todo o Algarve e na Confederação Nacional. Foi um papel que me pareceu, na altura, importante para a defesa dos alunos e dos meus (filhos) por arrastamento. Mas muitas coisas foram conseguidas.
Antes disso, já tinha passado pela Junta de Freguesia de Albufeira como Presidente da Assembleia e, mais tarde, como Secretário. Foi nesse momento que pensou avançar para uma carreira política?
D.S. – Não. Nessa altura, em 1987, fui convidado para uma lista da freguesia de Albufeira e, portanto, essa ideia não me passava pela cabeça. Fiz um mandato e de seguida não quis sequer continuar. Só em 1993 é que fui convidado e pressionado por algumas pessoas para assumir uma candidatura à Junta de Freguesia de Albufeira, isto na sequência da minha intervenção pública e cívica, que era o meu foco. Na altura estava na Confederação Nacional e era esse o meu objetivo. Foi na candidatura do Arménio Aleluia à Câmara de Albufeira que me foi feito o convite e como éramos amigos e fomos falando, acabei por concorrer à Junta de Freguesia nesse ano. Não ganhei, mas por uma questão de equilíbrio de forças fiquei como Secretário. Depois, em 1996, aconteceram as eleições intercalares em Albufeira e aí fui convidado pelo candidato Carlos Silva e Sousa a integrar a lista. A partir daqui sim, já houve uma entrada na política, no início de uma forma ainda amadora e, depois de 1998, já mais a sério. E durou até dezembro de 2012.
Em 1996 candidata-se pelo PSD às eleições autárquicas para a Câmara de Albufeira, desafiando o socialista Xufre. Perdeu e assumiu o cargo de vereador, sem pelouro, até 1998. Resolveu ir a votos em 2002 para finalmente roubar a cadeira da presidência da Câmara Municipal de Albufeira ao PS, um facto inédito nesse concelho. Foi um virar de página na vida autárquica do Concelho de Albufeira?
D.S. – Quando entramos na vida política e autárquica, a nossa convicção é que aquilo que fazemos é o melhor para a população e para o concelho. É evidente que durante esses anos houve muitas coisas que aconteceram e das quais eu tenho muito orgulho. Acho que desempenhei um papel importante ao nível das infraestruturas e equipamentos necessários, sempre fui próximo das pessoas e dos afetos, dos envolvimentos nas causas, o que foi notório. Durante muitos anos, a força política que eu sempre representei esteve ausente de Albufeira e quando fiquei vereador a tempo inteiro a minha preocupação foi resolver problemas e ajudar em tudo aquilo que fosse possível. As pessoas acabaram por, na eleição de dezembro de 2001, reconhecer esse papel e essa disponibilidade e ganhei a Câmara com a maioria, já na altura, em termos de vereadores, com 4-3, em 2005 com 5-2 e em 2009 com 6-1. Quando estamos na vida política e vamos a votos, quem escolhe é quem lá põe e se não gosta, troca.
A partir daí seguiram-se outras três vitórias para três mandatos como presidente de uma das autarquias mais importantes do Algarve – Albufeira. O que deixou de marcante durante os 10 anos que liderou a Câmara de Albufeira?
D.S. – Estão lá dezenas de concretizações de projetos executados e de obra feita, escolas feitas e requalificadas, piscinas, transportes urbanos, ações de proximidade entre as freguesias e a Câmara, um apoio muito grande ao movimento associativo e equipamentos desportivos. Havia duas áreas fundamentais: a educação e o desporto, que têm que se complementar. Quando cheguei à Câmara, muitos equipamentos não existiam e era necessário intervir. Os equipamentos sociais e todas as envolventes criaram condições para que tudo estivesse a funcionar e atualmente, tudo o que foi construído em Albufeira, funciona. Não há espaços, equipamentos, escolas ou piscinas que não funcionem e isso é o grande resultado.
Construiu-se em tudo quanto é sítio, ficando o litoral barrado com betão de cimento. Tem consciência de que alguns dos projetos que foram aprovados e edificados em Albufeira desfiguraram o litoral desse concelho?
D.S. – Todas as construções que foram feitas enquadram-se dentro daquilo que são os Planos de Diretor Municipal e os Planos de Pormenor. O Plano de Diretor Municipal de Albufeira vem dos anos 80. O importante para nós foi organizar instrumentos de planeamento que pudessem reorganizar o território, onde as urbanizações tiveram que ser interligadas de modo a que não fossem ilhas ou espaços sem qualquer ligação. Havia equipamentos que era necessário construir nesses territórios e que foram feitos. Por tanto, a preocupação foi dar alguma ligação ao existente, ter em atenção o que estava e era permitido ser feito e procurar reorganizar o território.
As recentes cheias na baixa de Albufeira deixaram a descoberto o facilitismo como se construiu, sem ter em conta o percurso e a existência da mãe natureza. A quem se deve pedir responsabilidades pela falta de escoamento das águas pluviais que de vez em quando põe a nu o que foi mal feito?
D.S. – Essa é uma história que tem de andar 60 ou 70 anos para trás. A baixa de Albufeira é uma ribeira natural, uma linha de água natural, e a partir dos anos 40 ou 50 começou-se a quebrar essa linha natural, a ser construídos obstáculos e a ser feitas construções em sítios onde não deveriam construir. Em Albufeira, quando se entubou a ribeira, não foi feito qualquer túnel. Com a precipitação que caiu naquele dia, não havia canos e tubos que dessem resposta, a não ser um túnel com uma dimensão brutal, mas que não estava construído. Aí pergunta-se: então quando se tapou a ribeira porquê que não se fez um túnel com cinco ou seis metros de altura e largura? A verdade é que não foi feito e agora já não é possível. A Câmara está agora a fazer um estudo, como nós também tínhamos feito antes.
Albufeira é hoje conhecida como destino de bares e copos para muitos daqueles que não o podem fazer nos seus países – beberem até cair. Não o choca esta imagem?
D.S. – A imagem choca, tal como qualquer imagem que não seja positiva. Mas nem tudo está na mão dos autarcas. Essas questões têm também muito a ver com a forma como são organizados e geridos, em termos privados, os espaços. Tem que haver algum cuidado da parte dos proprietários dos espaços de diversão noturna para também não perderem clientes.
O que é que mais lamenta não ter conseguido concluir durante os seus mandatos em Albufeira?
D.S. – Na nossa intervenção autárquica, nós procuramos sempre criar as condições para servir as pessoas. Portanto, temos que ir à procura da possibilidade de intervir no território e os meios para concretizar esses objetivos. Se temos 1000 alunos e escolas apenas para 800, temos que construir escolas para os 200; se temos 5 000 jovens a fazer desporto e só temos infraestruturas para 3 000, temos que construir espaços para os 2 000. A verdade é que Albufeira era uma cidade que já tinha uma dimensão turística forte e a estava praticamente toda pensada para os turistas e não para os residentes. Foi necessária muita intervenção para as pessoas que procuram Albufeira para viver e trabalhar tivessem condições. Esta foi uma das partes conseguidas, mas houve outras que não foram. Em 2010, a crise económica e a falta de receitas não permitiram que algumas das obras sociais que estavam previstas fossem realizadas, como é o caso da Aldeia da Solidariedade nas Ferreiras, o lar nos Olhos de Água e um outro lar em Albufeira. Nunca houve uma ideia megalómana de fazer coisas que só servissem para a imagem e não para servir os seus utilizadores. Outra coisa que também parou e me deixou preocupado e aborrecido foi a ligação da Via do Infante a Albufeira, que começou mas depois ficou parada. Isso era uma das situações que eu gostaria de ver concretizada porque houve muito esforço da Câmara para fazer aquela entrada da cidade, junto ao Centro de Saúde, porque aquilo era um caminho de cabras. Há ainda um auditório para cerca de 1000 pessoas que ficou por fazer e que é necessário porque os espaços que temos já não estão adequados à dimensão do Concelho. Seria um espaço polivalente, onde seria possível fazer congressos e espetáculos. Globalmente, penso que foi isso que ficou por fazer, mas a prioridade foram sempre os equipamentos e organizar as pessoas.
Em finais de 2012, interrompeu o seu mandato para assumir a presidência da RTA – Região de Turismo do Algarve. Estava cansado de ser autarca ou, não tendo hipótese de vir a ser incluído nas listas do PSD Algarve para as legislativas desse ano, viu na RTA uma nova etapa na sua vida?
D.S. – As eleições foram em 2011 e o meu mandato acabava em 2013. Eu já tinha três mandatos e não podia ser candidato novamente. Em outubro de 2012, estava a acabar o mandato do Presidente da Região de Turismo do Algarve, António Pina, e foi de forma muito unânime e ampla que eu fui indicado para continuar aquele trabalho. A escolha para a RTA é feita por eleição dos autarcas de 16 associações e pelo representante do governo. Naquela altura foram os autarcas do PS e PSD e houve um sinal muito claro, tendo em conta a minha intervenção em Albufeira, na Associação de Intervenção de Albufeira e a minha presença em todos os locais com interesse na promoção do Algarve, que eu tinha um passado na área do turismo. Não houve eleições legislativas, elas já tinham passado em 2011, havia eleições autárquicas mas eu não podia concorrer porque já tinha sido candidato e havia consenso regional para eu assumir o cargo na RTA e a Câmara ficou bem entregue. Eu vim para este cargo com toda a motivação e vontade e os resultados, passados três anos e meio, estão aí.
Um ano depois foi a votos e é reeleito para novo mandato. Será que a área do turismo lhe cai que nem uma luva nesta fase da sua vida?
D.S. – Sim, poucos meses depois. Houve a alteração da lei, houve uma nova eleição e eu fui a votos, tendo sido reeleito. Aqui não há nomeações nem questões políticas e é uma questão transversal à região.
Como foi a adaptação, saindo da autarquia e entrando na RTA, e como encontrou a sua estrutura e a organização?
D.S. – Eu estive 14 anos enquanto autarca e é uma dimensão completamente diferente. Quando cheguei à RTA havia um conjunto de situações que me pareciam importantes e havia necessidade de as desenvolver. Não cheguei lá e mudei tudo, mas aquilo em que foi necessário intervir para fazer algumas correções, fi-lo, assim como aquilo que estava a funcionar bem continuou a funcionar bem. Eu já estava como representante de Albufeira nas assembleias gerais da RTA e, quando houve uma mudança da lei, fui, durante uns meses, membro da Comissão Executiva, portanto é uma área que eu conheço bem. Sendo Albufeira turisticamente forte e tendo eu tido um papel relevante na presidência da Câmara Municipal e na Associação de Turismo de Albufeira, já tinha conhecimento e formação na área. Aquilo que fiz foi planear as intervenções da RTA de acordo com aquilo que são as indicações do contrato com o Turismo de Portugal, com aquilo que são as necessidades e urgências em que a RTA tem que intervir e, não havendo algumas estruturas concentradas, nomeadamente o Governo Civil, que deixou de existir, a RTA passou a ter uma intervenção no sentido de dar visibilidade e criar condições para que o Algarve tenha cada vez mais turistas, mais economias e mais emprego.
Sempre que muda a liderança de um Governo ou de uma estrutura regional como a da RTA, é normal que surjam alterações na estrutura interna e nas políticas de promoção da região, cá dentro e no estrangeiro. Fez alterações na estrutura interna da RTA e implementou novas estratégias para a promoção do Algarve em novos mercados?
D.S. – A notoriedade do Algarve foi adquirida por três produtos muito fortes: o sol, a praia e o golf. Esses são produtos que nós conhecemos bem e que têm tido visibilidade. Mas eu próprio, desde que cheguei à RTA, tenho um outro objetivo que é encontrar formas de complementaridade e esbater a sazonalidade, encontrando formas variadas e diversificadas de cativar turistas. Isso consegue-se trabalhando com os municípios, as empresas e as associações que estão no terreno, criando condições para as promover e desenvolver. Desde o início, nós temos tido como foco o turismo de natureza, associado ao turismo desportivo, à gastronomia e à dieta mediterrânica. Ou seja, nós temos trabalhado nesta vertente muito forte e definimos quatro linhas: a Costa Vicentina, a Bacia do Guadiana, a Ria Formosa e a Serra Algarvia. Nós temos aqui um potencial enorme para ganhar turistas, particularmente entre outubro e maio. Este tem sido o nosso foco, tanto que amanhã vamos apresentar um plano de desenvolvimento e estratégico para a região que tem a ver com as bicicletas e as caminhadas. É uma oferta estruturada, para a qual se trabalha com a RTA, o Turismo de Portugal, a Associação de Municípios do Algarve, a Associação de Promoção do Algarve e um conjunto de associações e empresas ligadas a esta área. As bicicletas e as caminhadas são uma tendência e têm tido muita procura por toda a europa. Nós, com a Federação Portuguesa de Ciclismo, já encontrámos 44 percursos, que podem ser de montanha, planos ou mais ou menos inclinados, que agora têm de ser trabalhados. Amanhã, o Secretário de Estado do Turismo vem cá para que aquilo que tem sido até aqui uma intenção passe a ser concretizado, com objetivos e promoção nos nossos mercados principais – o inglês, o alemão e escandinavo – e no mercado interno – Portugal e Espanha – para procurar dar ao Algarve uma notoriedade, visibilidade e posicionar a região fora desta época só de sol e de mar. O Algarve, no ano passado, teve 16.600 milhões de dormidas e o Algarve, para ser sustentável, precisa de ter uma taxa de ocupação anual acima dos 105% e nós neste momento andamos perto dos 61%. Eu, para além de me focar muito nesta estratégia da época baixa e média, tenho a preocupação de que a região trabalhe em rede e em parceria. Por tanto, há aqui coisas que temos que fazer, mas há também muitas coisas que já estão feitas, tratadas e sensibilizadas.
Em 2014, apesar da retoma económica em Portugal não ter sido muito significativa, na área do turismo os resultados não foram nada maus. Foi um ano muito positivo para a hotelaria e para o turismo algarvio, batendo-se, segundo se disse na altura, o ano de todos os recordes. Isso deveu-se há instabilidade e aos problemas existentes em alguns países do norte de África, da Ásia, América do Sul ou da Grécia?
D.S. – É evidente que o turismo está dependente de fatores positivos e negativos. O que nós precisamos é, se os outros tiverem problemas, estar preparados para receber aqueles que optam por escolher outros destinos. Quando os outros levam porrada, o Algarve compete com destinos de todo o mundo, mas não vêm todos para cá, até porque não teríamos capacidade para receber todos. O Algarve é um destino muito pequeno a competir com outros por todo o mundo e para isso é necessário que esteja preparado em várias frentes. Preparado na forma como recebe, como oferece os serviços que tem, ter em conta a questão da segurança e dos serviços de saúde. Estes são fatores decisivos na escolha dos turistas que não optam por esses países. Cada vez os turistas são mais exigentes e nós estamos a competir com centenas de destinos em todo o mundo, por isso temos que criar confiança no nosso destino, dar a conhecer a nossa realidade, oferta e diversidade. As pessoas que trabalham na hotelaria informam, esclarecem e ajudam os turistas porque somos simpáticos a receber e isso é importante porque depois de os trazer pela primeira vez nós temos que ser capazes de os fidelizar. De outra forma eles não regressam e vão para outros sítios. Então, nós temos que garantir estabilidade, confiança e fidelizar aqueles que vêm pela primeira vez, para além daqueles que já são visitantes normais da região.
A RTA e o Turismo de Portugal fizeram algum esforço extra para aproveitar a má onda desses países recetores de turistas? O que melhorou relativamente a anos anteriores?
D.S. – Sim, estamos permanentemente em contacto com os operadores. Temos que nos focar no mercado externo, com a presença em várias feiras, operadores, contactando diretamente com as companhias áreas e com aqueles que têm essa relação de trazer as pessoas. Nós fazemos várias fun trips, ou seja, trazemos jornalistas de todo o mundo ao Algarve para conhecerem o território. Os artigos que escrevem são sempre muito positivos.
O que melhorou, de facto, em relação a ano anteriores?
D.S. – Os resultados melhoraram porque, em 2015, tivemos quase 17 milhões de dormidas e isso deve-se ao maior número de turistas, a mais chegadas ao aeroporto de Faro. Isto porque a nossa oferta na região melhorou consideravelmente, houve unidades que se readaptaram e organizaram, o que foi necessário pois o perfil e a condição do turista é diferente do que era há seis ou sete anos atrás. Nessa altura, o hoteleiro vendia o quarto e pronto, não precisava de fazer grande esforço. Agora, o turista quer mais do que o quarto, quer também percursos para andar pé, restaurantes para comer, um carro para alugar e um conjunto diversificado de ofertas, que no pacote tem não só o quarto mas um conjunto de experiências que as pessoas querem cada vez mais ter. Por outro lado, uma mesma família quer fazer coisas diferentes: dois querem ir para a praia, outros dois querem ir para a Serra de Monchique, outro quer ir fazer parapente, outro quer fazer surf e outro que fazer caminhada. A região está a adaptar-se a isto e está a criar sinergias para que as empresas trabalhem em conjunto. As empresas não são especialistas em tudo, têm que encontrar parceiros para encontrar soluções para aquilo que os turistas querem. Isto valoriza muito a região, mostra que o Algarve tem mais que sol e praia e para mim, enquanto presidente da RTA, o objetivo é mostrar um Algarve sustentável todo o ano e não só seis meses, porque com seis meses ninguém é sustentável.
No ano passado, o Algarve bateu todos os recordes na sequência do ano anterior. O número de turistas e as receitas aumentaram?
D.S. – Sim, tudo isso aumentou. As receitas, os turistas, os passageiros no aeroporto de Faro e as dormidas aumentaram. Começa finalmente a haver retorno financeiro para os empresários poderem recuperar de um processo complicado que marcou os últimos anos. Isso é um sinal de reinvestimento nas unidades, de melhoria na oferta e na qualidade. Estamos numa fase em que o Algarve não precisa de mais hotéis, precisa é de melhorar a oferta naqueles que existem e cada um tem que fazer escolhas de acordo com a procura. Neste momento, os hoteleiros estão a fazer esse trabalho e muito bem. Um sinal evidente disso é que os hotéis começaram a fechar mais tarde, a abrir mais cedo ou até a não fechar. Eu estive na Feira de Turismo de Berlim e percebi bem quanto os operadores internacionais querem encontrar alojamento cá porque sentem que o Algarve é um destino de confiança e seguro.
No pico da crise que nos assolou, os preços das dormidas caíram por forma a atrair mais turistas. Esse tempo já passou? Já foi possível rever os preços praticados?
D.S. – Sim, sim. Os preços estão a ser revistos e reposicionados. A questão do turismo tem muito a ver com aquilo que é a oferta e a procura. Se há procura, a oferta adapta-se, mas se não há oferta, a procura cai. Tudo isto depende muito da capacidade de aguentar que o hoteleiro tem. Mas neste momento há capacidade de reajustar os preços, há qualidade e procura.
E a economia algarvia, vivendo essencialmente do turismo, sentiu essa onda?
D.S. – Está a sentir, mas ainda não é suficiente para se organizar em função dos anos de dificuldades. Mas esse é outro processo e aí têm de haver medidas e linhas de ação do Governo para alavancar e sustentar as empresas, porque elas são todas importantes para a economia da região e do país. Se nós conseguirmos que elas se aguentem e se o estado der condições no âmbito da fiscalidade, reduzindo os custos de contexto e fazendo uma série de ações, será possível às empresas se reajustar porque houve perdas enormes nos últimos anos.
Os meses de maio, setembro e outubro são dos mais fracos no sector do turismo, com muita incidência na economia da nossa região. O que tem sido feito para contrariar essa situação, principalmente junto do Governo?
D.S. – Essa é uma preocupação de toda a gente. É fácil falar, mas na prática não é fácil resolver. O mês de outubro de 2015 foi o melhor dos últimos anos, ou seja, há aqui sinais positivos que provam que o mês de outubro se está a afirmar como mês de extensão ao verão. O mês de junho tem também já alguma proximidade, por isso falamos aqui de cinco meses (de junho a outubro) que já estão consolidados. No ano passado, o mês de novembro já teve uma procura maior do que no ano anterior, tal como em janeiro e fevereiro, onde as coisas melhoraram substancialmente. No entanto, a dimensão da sazonalidade é muito grande para aquilo que é este aumento, mas todo o trabalho que nós estamos a fazer, com foco entre outubro e maio, é precisamente nesse sentido. Neste momento, temos um plano de ação, que estamos a trabalhar em conjunto com a Secretaria de Estado do Turismo e a Turismo de Portugal, com o objetivo de reposicionar o Algarve naquilo que é o seu contexto nacional, para dar maior visibilidade e notoriedade à região durante este período [outubro a maio]. Para isso é preciso criar condições e eventos que possam fazer a diferença. A RTA está a desenvolver um conjunto de ações, desde a Volta ao Algarve em Bicicleta, ao Cross das Açoteias, Triatlo de Quarteira e o Hipismo em Vilamoura. Pedi também aos municípios que elencassem alguns eventos de referência entre outubro e maio para que, entre a Secretaria de Estado, o Turismo de Portugal e a RTA se encontrasse um plano de ação concretizável e com financiamento da parte do Governo para dar visibilidade à região. Com eventos na chamada época baixa e média isso seria possível, mas como se sabe o Governo anterior não deu apoio aos eventos da região. Estes eventos estão mais ou menos delineados e já consolidados e o que nós precisamos é que haja visitação à região, particularmente entre estes meses. Em maio, vamos organizar o Algarve Nature Week em Vilamoura e isso é claramente uma montra para o turismo de natureza e para isso vamos ter aqui jornalistas de todo o mundo. O que nós estamos a fazer é somar todos os dados para que no final de 2016/2017 nós possamos consolidar os números da região, que não devem ter só em conta o número de dormidas, mas sim se essas dormidas geraram receita, emprego e formação.
O Desidério tem-se lamentado por não ter mais verbas disponíveis para apoiar alguns eventos. Será por insensibilidade dos vários governos, que não terão a noção do que equivalerão esses investimentos a nível nacional e internacional e o seu retorno?
D.S. – Nós temos duas palavras – uma é despesa e outra é investimento – e há muita gente que não as sabe diferenciar. Um investimento numa linha de ação de um programa que tenha retorno nunca é despesa. Muitas vezes, a forma como os serviços públicos funcionam é tudo custos. No âmbito do PIB nacional que tem a ver com o turismo são 11,5 mil milhões de euros e desses o Algarve representa 5 mil milhões. Portanto, se eu investir na região 100, eu tenho a garantia que vou receber 100, enquanto noutras regiões do nosso país pode investir-se muito mas o retorno é pouco. Esta diferença tem de ser assumida por aqueles que têm a capacidade de intervir e apostar em verbas nas quais só têm a ganhar porque tudo aquilo que sai da região vai para os cofres do governo central. É uma questão de reajustar aquilo que são os valores que a região oferece.
Já conseguiu convencer o Governo de que sem verbas adequadas a promoção da região como destino turístico ficará em causa?
D.S. – Eu já estive várias vezes com a Secretária de Estado do Turismo e ela própria já esteve aqui várias vezes. O que acontece muitas vezes é que os representantes do nosso Governo não conhecem as regiões e as causas e, por isso, cabe-me a mim, enquanto Presidente da RTA, sensibilizar e chatear quanto baste para que as coisas mudem. Eu sou um insatisfeito por natureza em relação àquelas coisas que eu tenho como objetivos e o meu objetivo neste momento é defender a região em todas as causas para que se possa garantir a sua sustentabilidade. Já o fazia com o anterior Secretário de Estado e faço agora com a atual. O que é preciso é que esta filosofia seja diferente da outra e que haja intervenção e apoio. E aqui nota-se que há uma abertura para financiar projetos e ações diferenciadoras na época baixa e média e isso pode fazer toda a diferença.
Em 2015, só ao aeroporto de Faro chegaram 6,4 milhões de passageiros, mais dois milhões do que no ano anterior. As dormidas no Algarve representam já mais de um terço das realizadas em Portugal. Está satisfeito com estes resultados? Quais são os principais mercados neste momento?
D.S. – Nós nunca estamos satisfeitos enquanto tivermos camas para vender e receita para fazer. A nossa aposta é claramente duas áreas: o mercado interno alargado, que é Portugal e Espanha e onde é preciso consolidar; e outros mercados onde é possível crescer mais, como é o caso da Alemanha, que tem um grande potencial de crescimento, tal como o mercado inglês, francês e centro da europa. Neste momento, todos os mercados estão a crescer, alguns que nos descobriram agora e outros que estão a consolidar a região. Por isso é que é importante consolidar aqueles que já conhecem porque a fidelização é um processo complicado. Não serve de nada ir buscar mais dois ou três milhões se deixarmos fugir aqueles que já vêm para cá naturalmente. A RTA e a Agência de Promoção estão a fazer esse trabalho em vários mercados, feiras e ações, com vários jornalistas. Porém, pode questionar-se se é suficiente, mas a isso eu respondo que, se tivéssemos mais meios para fazer uma campanha mais agressiva, com certeza que faríamos mais. Ando neste momento a trabalhar em duas ou três frentes muito importantes e uma delas está claramente conseguida, que tem a ver com a transmissão em direto da Volta ao Algarve. Nós temos aqui as melhores equipas e ciclistas do mundo e um território fantástico e é essa a publicidade que nos falta. O estado e o governo têm que perceber que isto é um investimento porque cinco ou seis dias da volta ao Algarve por toda a europa e por todo o mundo dá uma visibilidade fantástica e nós só podemos ter dimensão se tivermos visibilidade e a Volta ao Algarve é claramente um produto-âncora para desenvolver à volta uma série de ofertas.
O golfe, a modalidade que mais atrai turistas à nossa região, viu aumentar o número de voltas em 2015, ultrapassando as de 2007, um dos melhores de sempre. Terá isso potenciado uma maior procura do investimento na área da hotelaria na região?
D.S. – O golf é, a seguir ao sol e à praia, o nosso maior produto. Temos 40 campos de golf e um conjunto de serviços à volta disso que mostram que continuamos a valorizar o golf.
Quer falar-nos sobre o livro infantil “Algarve, quem és tu”?
D.S. – Os alunos das nossas escolas não conhecem a região, tal como muitos dos pais também não conhecem. O objetivo é cada aluno do primeiro ciclo ter o livro para perceber, em cada concelho, quais são os pontos de interesse e puderem levar os pais até lá, contribuindo para o turismo interno da região.
A TAP parece que também não se tem portado nada bem com o Algarve, ao não realizar voos de Faro para cidades europeias e prejudicando a captação de turistas para a região. O que tem feito a RTA para sensibilizar a TAP e o Governo para esta situação?
D.S. – Desde que cheguei à RTA que falo sobre isso, aliás a minha primeira intervenção foi precisamente exigir à TAP. A dimensão política do Norte é superior e está mais ligada a essas coisas do que nós, mas é evidente que a TAP nunca foi uma companhia que viajasse para o Algarve. O que é preciso neste momento é reforçar, e neste sentido a RTA e a AMAL têm uma reunião pedida com o Ministro dos Transportes para perceber a posição do Governo em relação à TAP e podermos argumentar. A RTA não é suficiente, é preciso envolver parceiros.
Outra situação que incomoda quem procura o Algarve para uma escapadela por terra vindo de Espanha ocorre quando, ao chegar à fronteira, encontram longas filas para pagar a portagem. Já tentou sensibilizar a Secretária de Estado do Turismo para esta realidade?
D.S. – Já tentei sensibilizar esta Secretária de Estado e os outros todos. Até mandei fotografias! (risos) Em 2013, a RTA pediu a suspensão das portagens na Via do Infante, pediu a suspensão durante a Páscoa, durante o verão… para evitar os quilómetros de filas para chegar a Vila Real de Santo António… É uma vergonha o que se está a passar no Algarve.
Esta entrevista foi realizada por Nathalie Dias e Vítor Gonçalves no Programa “Olha que Dois”, uma parceria da “Total FM” com “A Voz de Loulé” emitido no dia 16 de março.
Oiça aqui esta entrevista.
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