Para nos dizer como estão os cofres da capital do Algarve e o que tem feito para que Faro assuma o papel que os farenses há muito esperam, Rogério Bacalhau, Presidente da Câmara Municipal de Faro, esteve à conversa com Nathalie Dias e Victor Gonçalves no programa «Olha Que Dois».
Depois de uma licenciatura em matemática, tirou vários cursos direcionados à administração escolar, foi professor, dirigente escolar, docente na Universidade do Algarve, entre outros cargos. O que o levou a dar o salto para a política e a integrar a lista do PSD, nas eleições de 2009, para a autarquia de Faro?
Rogério Bacalhau – A minha entrada na política deu-se através de um convite do engenheiro Macário Correia para integrar a lista para a Câmara Municipal e na altura entendi que tinha condições para aceitar esse desafio. A Escola Pinheiro e Rosa, que foi instalada em 1994, estava numa situação de estabilidade e a minha saída não ia trazer grandes constrangimentos. As coisas correram bem, fomos a eleições e vencemos. Integrei o mandato anterior durante quatro anos na presidência do engenheiro Macário e, depois, tendo em conta um conjunto de circunstâncias, candidatei-me, ganhámos e estamos agora com a responsabilidade dos sinos do Concelho.
Estava cansado do sistema de ensino e queria mudar de ares?
R.B. – Não, cansado não, até porque a minha vida profissional é ser professor. Durante muitos anos fui gestor escolar, mas sempre aceitei desafios e o facto de ter ido instalar a Escola Pinheiro e Rosa foi um deles. Não é um cansaço, porque eu gosto muito da vida de professor, do contacto com os jovens e do trabalho com eles e espero um dia regressar a essa atividade da qual retiro grande satisfação. É com muito prazer que encontro antigos alunos meus que estão hoje bem posicionados na sociedade, é muito gratificante. Estar no município também tem outros desafios, também dá grande satisfação conseguirmos resolver os problemas que a cidade e o Concelho têm, em particular os problemas das pessoas.
Após as eleições autárquicas desse ano, passou a ser o número dois do executivo liderado pelo Engº. Macário Correia – ou seja Vice-Presidente da Câmara de Faro. Ele tinha a fama de ser o primeiro a abrir a porta do município e encerrá-la já noite dentro. Foi fácil trabalhar com ele?
R.B. – Foi. Não tive grandes problemas, até porque vinha de um meio completamente diferente e só aceitei integrar a lista porque ia com uma pessoa que tinha muita experiência. Dificilmente teria aceitado fazer parte de uma lista com pessoas sem experiência, porque eu também não a tinha. Era um desafio muito grande, mas ter a certeza de estar com alguém que sabia onde se estava a meter foi para mim uma grande ajuda, alguém que quando entrou na Câmara não fazia ideia o que era o funcionamento direto dos serviços municipais. Portanto, não foi difícil trabalhar com o Eng.º Macário Correia, antes pelo contrário, foi o conhecimento que ele tinha que me permitiu estar aqui hoje.
Que ilações tirou de algumas iniciativas que ele levou por diante?
R.B. – Foi muito positivo. Se estamos na situação em que estamos, nomeadamente em termos financeiros, já nos permitindo fazer alguns investimentos no Concelho, deve-se ao mandato de 2009-2013. Fizemos um esforço muito grande para conter a situação financeira. Quando chegámos à Câmara, a situação financeira e a desorganização dos serviços era um descalabre completo, tivemos que reorganizar tudo, conter as despesas e cortar muita coisa. Esse trabalho levou entre cinco a seis anos e só foi possível devido à experiência autárquica do Eng.º Macário Correia, que sabia exatamente onde tínhamos que atuar. Foi interessante, porque quando nós chegámos à Câmara de Faro, o Concelho era conhecido como mau pagador, não tínhamos credibilidade. Eu recebi dezenas de pessoas no meu gabinete a insultarem-nos e quase a querer chegar a vias de facto porque, em 2009, nós tínhamos faturas para pagar do ano 2000, e esta situação era muito desconfortável para a Câmara, mas também para os fornecedores. Felizmente, em 2014, conseguimos pagar toda a dívida, indo ao PAEL e com um empréstimo da Banca. O orçamento de 2015 foi o primeiro, em mais de uma década, real, sem dívida absolutamente nenhuma.
Quem não terá gostado dele foram alguns funcionários, apanhados no controle, para ele rigoroso, do que devia ser um funcionário público. Foram momentos conturbados que deram algum resultado? Hoje as coisas funcionam de maneira diferente?
R.B. – Hoje as coisas são diferentes, porque as pessoas perceberam que dignificar os serviços da Câmara é também dignificar os nossos trabalhadores e funcionários. Se tínhamos alguns funcionários que saíam mais cedo e entravam mais tarde, isso também se devia a um certo machismo que existia no próprio município. Os funcionários, e todos nós, fazemos aquilo que podemos fazer e, o facto de haver algumas regras, levou a disciplinar um conjunto de situações que se resolveram facilmente. A maioria dos trabalhadores compreendeu isso. Estamos a falar de incumpridores de uma percentagem pequena, mas que provocam um ruído muito grande na informação. Contudo, os outros também ficaram satisfeitos, porque a imagem que granjearam foi muito positiva e aqueles que realmente precisavam de ser disciplinados acabaram por aceitar essa situação. Hoje, ninguém pensa nessas situações e toda a gente assume com muito profissionalismo. Eu recordo que, quando nós entrámos, tínhamos cerca de 1080 funcionários e, neste momento, temos 770, sendo que essa redução foi fruto das contingências por que passámos nos últimos anos. Se hoje o município consegue dar resposta e fazer muito mais do que fazia em 2009, é fruto do grande profissionalismo dos nossos trabalhadores, que defendem a “camisola” da Câmara e por isso eu só tenho que lhes agradecer, porque as respostas que nós damos aos munícipes têm muito a ver com o profissionalismo dos nossos trabalhadores.
Depois da polémica que levou à destituição do então presidente da autarquia farense, coube-lhe a si substitui-lo poucos meses depois de ter iniciado o seu mandato. Como é que sentiu a destituição do Eng.º Macário Correia?
R.B. – Foram tempos muito difíceis, em particular para o Eng.º Macário Correia, mas também para todos nós que sentimos muito essa situação. Acompanhou-nos sempre um sentimento de injustiça relativamente àquilo que se estava a passar e às circunstâncias, que ainda hoje estão por explicar.
Acha que poderá ter havido alguma perseguição por parte de algum membro do Governo de então, que não lhe terá perdoado por algum episódio ocorrido no passado?
R.B. – Eu penso que não. Não acredito em histórias de cabalas.
Já lá vão dois anos e alguns meses deste seu mandato, no qual não conta com a maioria. Como tem decorrido a gestão do seu executivo ao longo deste tempo?
R.B. – Dentro de um espírito democrático, a conversar e a debater as questões. É evidente que a oposição nem sempre concorda com os pontos de vista e aquilo que nós muitas vezes entendemos que é o melhor para o Concelho, mas isso é normal num sistema democrático. Vamos conversando, apresentando as nossas opiniões e aquilo que queremos para o Concelho. Felizmente, a oposição tem aceitado e viabilizado, em reunião de Câmara e na Assembleia Municipal, a maioria das nossas propostas. Mas com muito trabalho e com muito esforço, porque nem sempre é fácil convencer a oposição da bondade das nossas propostas. Mas havemos de conseguir levar a água ao nosso moinho, apresentando boas propostas para o Concelho.
Para aprovar algumas deliberações nas reuniões de Câmara, precisa de um “contrapeso”. O vereador da CDU, António Mendonça, tem dado alguma ajuda?
R.B. – Eu não digo que tenha dado ajuda, quer o vereador do CDU quer os do PS. Cada um tem a sua matriz de pensamento, dentro das quatro forças políticas. Se alguma força entende que a proposta é positiva, vota em consonância com esse entendimento e por isso não vejo que a CDU tenha ajudado e o PS prejudicado. Cada um assume a sua posição e há situações em que a CDU vota a favor e o PS contra e o contrário também acontece. É a dialética normal da democracia e o quadro político normal de todas as semanas.
Como sempre acontece, quando não se exerce o cargo com maioria surgem, por vezes, dificuldades para aprovar propostas, algumas delas pertinentes. Tem sentido algumas dificuldades na gestão corrente do seu executivo?
R.B. – É evidente que o facto de não ter maioria traz uma série de constrangimentos. Posso dar o exemplo da aprovação para o orçamento para 2016. Nós apresentámos o orçamento, o PS apresentou alterações, algumas delas com as quais nós não concordávamos, mas a maioria assim decidiu. Quando fomos deliberar sobre essas alterações, a nossa posição era unânime, de abstenção, na medida em que tinha uma alteração com a qual nós não concordávamos: o PS quer que nós este ano paguemos divida antiga, são cerca de 800 mil euros que o PS introduziu no orçamento para pagar a médio e longo prazo. Para mim, isso não adianta absolutamente nada, porque a dívida a médio e longo prazo está controlada. Ela já foi de quase 70 milhões de euros e nós fechámos o ano com 39 milhões, por isso estamos a pagá-la. Eu acho que essa verba seria muito melhor aplicada em investimento para o Concelho, mas o PS não entende isso. Nós decidimos abster-nos e, a meu entender, fazia todo o sentido o PS votar a favor, porque foi quem propôs, no entanto todos se abstiveram. Nessa situação, eu senti a necessidade de votar a favor, porque ninguém compreenderia termos um orçamento chumbado com nove votos de abstenção. Então, tendo em conta que o município precisa de um orçamento para poder trabalhar ao longo do ano, eu votei a favor, enquanto os meus colegas da coligação combinaram previamente para se abster. Mas o orçamento foi aprovado, o que para mim é o importante.
Como é que se encontram hoje os cofres do município farense?
R.B. – Nós hoje temos uma situação sustentável em termos financeiros. Tal como disse, nós fizemos para 2015 o primeiro orçamento real financeiro para um ano, conseguimos chegar ao final do ano com uma taxa de execução de receita na ordem dos 98,8%, o que é muito positivo, e fechámos o ano de 2015 com todas as faturas pagas, incluindo as de dezembro e sem transitar dívida para 2016, exceto cerca de dois milhões de faturação que nós temos ainda de 2007/2008, que estão em contencioso judicial e que não é possível pagar enquanto não existir uma sentença. Em 2009, tínhamos cerca de cinco milhões em situações como estas, mas já houve sentenças que resolveram cerca de três milhões. Portanto, a situação neste momento é estável, estamos a gastar aquilo que temos e hoje temos uma credibilidade muito boa junto da Banca e dos fornecedores. Nós lançámos, no programa Faro Requalifica, concursos na ordem de um milhão de euros e no final acabámos por gastar cerca de 770 mil, isto porque os preços baixaram muito em relação ao que era o valor-base. Isto deve-se ao facto de as pessoas que trabalham para a Câmara saberem que hoje recebem a tempo útil e isso permite, por exemplo, não ter que meter juros em cima desses investimentos. Todas as obras que fizemos estamos a pagar em uma semana: o empreiteiro faz a obra, faz-se o auto de medição, entrega a fatura e na semana seguinte está pago. Isso permite que os empreiteiros não precisem de se financiar a eles próprios para fazer a obra. Os preços baixaram e isso é uma vantagem competitiva para o Concelho, que precisa de gastar menos para fazer exatamente o mesmo trabalho. Antes era ao contrário, quando se fazia uma obra para o município só se recebia quatro ou cinco anos depois. A situação hoje não é aquela que nós gostaríamos, porque queríamos de ter mais dinheiro para investir, visto que o Concelho está há muitos anos carenciado em termos de investimento, mas é uma situação sustentável e confortável para os farenses, uma vez que já não aparecemos na lista dos piores do país.
Ao longo de vários mandatos, o Concelho de Faro e, em particular, a cidade sede do Concelho, quase paralisou, deixando-se ultrapassar por outras cidades apesar de ser a capital do Algarve. Terá sido por alguma inércia ou falta de vontade?
R.B. – Eu penso que houve falta de visão e de empenho para que o Concelho se pudesse desenvolver mais. Recordo que entre 2000-2010, houve muitos fundos estruturais onde o próprio município podia ter concorrido e não o fez. Por exemplo, na educação, área que me é muito cara, nós somos dos Concelhos com menos salas do pré-escolar e houve concessões de verbas para o primeiro ciclo e pré-escolar, mas o município nunca chegou a concorrer. Mesmo com as dificuldades que nós temos neste momento, e desde de 2009, passámos de 11 para 16 salas do pré-escolar, com todo o esforço que é necessário fazer e sem recorrer a fundos estruturais em grande parte dos casos. A cidade cresceu muito com o aeroporto, o hospital e a universidade e nunca foi necessária preocupação com a sua evolução. Olhando para o lado, para Concelhos que se desenvolveram graças ao turismo, hoje precisamos de olhar para o Concelho e ver o que queremos para o futuro. Temos estado também a apostar no turismo, embora o nosso seja diferente, não de sol e praia, mas sim de património, cultura, gastronomia, eventos e comércio. Nesse sentido, temos apostado na requalificação de toda a Baixa, tal como de toda a Cidade Velha, desde a Muralha, ao Arco da Vila, ao Posto de Turismo, às próprias ruas no interior da Cidade Velha e à rua por trás da alfândega. Esse é um trabalho de requalificação da zona mais nobre, a Baixa e a Cidade Velha, tentando chamar a atenção para aquilo que é a nossa identidade e o que nos caracteriza. Temos tido algum sucesso nisso, até porque entram todos os dias na Cidade Velha entre 500 a 1000 pessoas, mas muito mais trabalho tem de ser feito.
Faro parece ser uma cidade desordenada, com zonas muito feias, prédios degradados, antigos armazéns devolutos, em estado de abandono, na entrada norte até à estação dos comboios. A outra entrada a nascente, junto às piscinas e ao pavilhão, também não abona nada o aspeto da cidade. Não o choca aquilo que observa frequentemente ao passar por aquelas zonas?
R.B. – A questão do envelhecimento dos imóveis é algo que nos preocupa desde 2009. Para isso nós constituímos, em 2012, três áreas de reabilitação urbana: a Cidade Velha, a zona da Mouraria e toda a Baixa. As áreas de reabilitação urbana são instrumentos territoriais que permitem ao município ter um conhecimento muito grande sobre cada uma destas áreas. Nós temos cadastrados todos os imóveis, sabemos em que estado estão, quem são os proprietários e se estão ocupados ou não, o que nos permite atuar. É evidente que estamos a falar de propriedade privada, mas há a possibilidade de o município poder intervir em dois sentidos: um é positivo, proporcionando condições para uma melhor reabilitação, nomeadamente através da isenção de taxas urbanísticas, redução de IVA, IRC e IMI; outro na vertente negativa, pois aos prédios que estão devolutos, nós triplicamos o valor do IMI. Isto já é aplicado há vários anos e hoje já vemos resultados, com prédios a ser reabilitados, mas é um trabalho que vai levar anos e que não é fácil de resolver. A questão das entradas de Faro é algo que nos preocupa. Estamos neste momento a preparar uma segunda edição do Faro Requalifica e a entrada de quem vem de Olhão e a do Fórum deverão ser requalificadas, sendo que os nossos serviços estão neste momento a fazer o trabalho de preparação dessas obras. A rede viária, e todo o espaço público, é um processo que nós iniciámos no ano passado porque só aí passou a haver condições financeiras para atuar nesse sentido e vai levar alguns anos, mas estamos a trabalhar para melhorar substancialmente a situação da rede viária.
O asfalto da Rua da República, entre a estação de Caminho-de-ferro e a Doca de Faro, mais parece uma picada de África e não abona em nada a cidade capital do Algarve. Por que motivo ainda não foi requalificada?
R.B. – Toda aquela zona precisa de uma requalificação. Essa zona e a Avenida 5 de Outubro precisam de uma requalificação. Como disse, estamos a organizar a segunda edição do Faro Requalifica e vamos ver até onde a capacidade financeira para este ano e o próximo dá para requalificar estas zonas e muitas outras. Nas zonas rurais temos também muitas estradas que estão deploráveis e temos que intervir aí. Vamos fazer uma edição que, tal como a primeira, apanhe todas as freguesias do Concelho e vá requalificando a rede viária. Neste momento, ainda não tenho decididas quais as intervenções que vão ser feitas, o que tem muito a ver com o estado em que elas estão. Na avaliação que vamos fazer vamos ver se a Rua da República será prioritária em relação a outras, mas neste momento ainda estamos a averiguar quanto custa cada uma das intervenções e não está nada decidido. Mas há a certeza que essa é uma área que precisa de ser requalificada e se não for nesta fase será numa terceira.
A Baixa de Faro e o comércio local vêm perdendo clientela de ano para ano, deixando os comerciantes em desespero por verem os seus negócios a definhar. A falta de estacionamento acessível, distante do centro de negócios da baixa de Faro, em nada ajuda. O que é que o seu executivo tem feito para dar a volta à situação, evitando a ruina total da baixa farense?
R.B. – Eu penso que, nesse campo, fizemos muita coisa. A vivacidade da Baixa hoje é completamente diferente daquilo que era há dois ou três anos. Muitas pessoas hoje procuram a Baixa e ela já se constituiu como um espaço de passeio e lazer para os farenses. Para isso têm contribuído os cafés, esplanadas e até o embelezamento da própria Baixa, mas é evidente que precisamos e estamos a fazer mais. Não há uma varinha mágica que resolva as coisas de um ano para o outro, mas é preciso trazer mais notoriedade à nossa Baixa, realizar mais eventos que tragam mais pessoas, mas é precisa e necessária alguma mudança dos comerciantes em relação, por exemplo, aos horários. Não faz sentido que a Rua de Santo António às 19 horas esteja encerrada, que aos fins-de-semana muitos cafés estejam fechados e que muitos estabelecimentos não abram ao sábado à tarde e ao domingo. Muitos turistas queixam-se que vêm passar férias ou um fim-de-semana ao Algarve e ao sábado e domingo está tudo fechado. Isto não é positivo para nós e se queremos ter cá turistas temos que ter condições de atratividade. Temos que ter uma outra postura e contribuir para melhorar esta situação.
Já a partir deste ano irá surgir um gigante comercial, com repercussões danosas para a atividade económica do Fórum Algarve e da baixa de Faro: o IKEA. No próximo ano, com a construção da segunda fase desse projeto, com mais de 200 lojas e uma enorme área de lazer, a situação tem tendência a piorar e o rombo não irá ser pequeno na região. Como antevê a essa realidade e o que pode o município de Faro fazer para atenuar os danos?
R.B. – Esse é um problema com que todos nós nos vamos debater, não apenas Faro, e contra isso não há nada a fazer porque as obras já estão a andar e daqui a mais alguns meses o equipamento irá surgir. É a lei do mercado e temos que encarar isto como um desafio, que não é fácil de ultrapassar, mas, tendo em conta a situação, não há outra forma de olhar para este problema. Será certamente um problema para o comércio, não só para as baixas mas também para todo o comércio em geral. As pessoas gostam de centros comerciais e certamente que nos primeiros tempos quererão lá ir para experimentar e ver como é. O centro comercial vai ser também a retalho, por isso vai ser um chamariz muito grande e quando eu dizia que é um desafio é no sentido de termos de nos preparar para isso. Temos de olhar para os nossos horários, criar condições de atratividade nas baixas, fazer promoção do melhor que nós temos, tentando que as pessoas que vêm de fora para ir ao estabelecimento visitem também Faro, Loulé e outros destinos. Esse é o desafio, porque não podemos fazer mais nada, o equipamento vem aí e temos que viver com ele. Se nós conseguirmos captar pessoas para visitar a nossa Baixa e o nosso comércio, e isso é possível, talvez o rompo não seja tão negativo.
A insuficiência de alojamento na cidade de Faro inviabiliza que muitos turistas se alojem por lá e gastem parte do seu dinheiro no comércio local. Há ou não falta de unidades hoteleiras em Faro?
R.B. – Do meu ponto de vista, há. Nós precisávamos de ter mais hotelaria, apesar de felizmente, nos últimos anos, a questão dos hostels ter sido muito positiva. Mas nós precisávamos de ter um hotel de referência no Concelho e precisávamos de mais camas. Nós temos cerca de 2000 camas e há hotéis no Algarve que têm mais camas do que nós temos em todo o Concelho. No verão, nós fazemos eventos que trazem pessoas de fora que ficam alojados nos Concelhos vizinhos, temos uma universidade que faz muitos congressos ao longo do ano e que não os pode fazer no Concelho de Faro e temos o aeroporto a 5-10 minutos da Baixa de Faro.
Têm surgido novos investidores?
R.B. – Nós próprios temos contactado novos investidores, cadeias de hotelaria. No ano passado, depois de mais de um ano de trabalho, conseguimos o vender o Magistério Primário para um hotel de charme e penso que irá remodelar todo o conceito da Cidade Velha. Temos feito muitos contactos com investidores e começa a haver uma vontade de investir nessa área no Concelho, mas não tem sido fácil. Há muitos hotéis à venda e entre adquirir, construir e ter daqui a cinco anos um hotel a funcionar ou comprar um hotel já feito e no dia seguinte ter já tesouraria, a opção tem sido muito esta última. Não tem sido fácil, mas não vamos desistir. Temos algumas localizações e até junto ao recinto desportivo, na entrada de Faro para quem vem de Olhão, temos um terreno que tem o projeto aprovado para um hotel e estamos a fazer alguns contactos e há algum interesse, por isso vamos ver se de alguma forma conseguimos convencer os investidores.
O Estádio do Algarve tem sido um sorvedouro de dinheiro, não só do município de Faro como de Loulé. Qual é o custo mensal deste investimento, à espera de reabilitação e/ou de uma utilização que vem tardando?
R.B. – O Estádio do Algarve tem tido uma utilização que eu não diria que é excelente. Em 2015, realizaram-se cerca de 60 eventos, desses 45 foram jogos de futebol, e por lá passaram mais de 104 mil pessoas. Mas não deu para pagar os custos do ano por duas razões: quando o estádio foi feito, em 2003 e 2004, foram contraídos dois empréstimos em nome da Associação de Municípios Loulé-Faro, no valor de cerca de 24 milhões de euros que os municípios de Loulé e Faro estão a pagar e que vão pagar até 2024. Hoje muitos dizem que se não havia dinheiro não se devia ter construído, mas na altura toda a gente achava que se o Algarve não tivesse um estádio ficava em desvantagem em relação aos outros. É evidente que, se se pensasse no futuro, não se teria ido por aqui, mas não se pode condenar as pessoas que tomaram essas decisões na altura, porque não foi de certeza uma situação fácil tendo em conta a pressão pública. Hoje, desses 24 milhões, ainda devemos cerca de 9,6 milhões de euros, pagos 50/50 pela Câmara de Faro e Loulé. Os custos neste momento rondam os 56 mil euros para os empréstimos em termos mensais e para a manutenção e despensa corrente são cerca de 36 mil euros para os dois Concelhos. Estamos a falar de 45 mil euros mensais para cada município.
Como está a decorrer o Plano Estratégico da Intervenção de Requalificação e Valorização da Ria Formosa?
R.B. – Neste momento, há um conjunto de ações já concluídas em Faro, Olhão, Tavira e até Loulé, com a construção do Parque Ribeirinho do Ludo. Portanto, a maior parte das intervenções que estavam definidas no Plano Estratégico estão concluídas ou em fase de conclusão. No caso de Faro, estão agora em curso a requalificação do acesso à Praia de Faro e a construção do parque de estacionamento exterior. Está a faltar a construção da ponte de acesso à Praia de Faro, que não foi lançado anteriormente, porque não havia verba disponível no ano passado. Queremos fazer uma ponte nova, deveria ter sido lançado concurso juntamente com estas duas obras, mas na altura não havia financiamento para isso, por isso estamos a trabalhar com o Governo para encontrar soluções para a construção dessa ponte.
Que valências irá oferecer aos farenses o Parque Ribeirinho de Faro?
R.B. – É um parque de lazer, que foi inaugurado em 2014 e que era uma aspiração de muitos farenses. Não está concluído, porque pressupunha uma segunda fase do lado de lá da ria, junto ao Montenegro, mas essa segunda fase nunca avançou e não estava sequer prevista no programa da POLIS. Trouxe uma valência de lazer associada ao desporto, que é importante para o Concelho, porque hoje muitas famílias passeiam por aquele parque, seja em termos de deporto associado à saúde ou lazer com os filhos, e tem uma grande afluência. Nós tivemos algumas dificuldades no ano passado, porque houve um período em que o empreiteiro estava responsável pela manutenção, mas a empresa teve algumas dificuldades e as coisas não correram muito bem. Neste momento, a manutenção já passou para o município e temos uma empresa que faz essa manutenção e, portanto, as coisas melhoraram e irão melhorar ainda mais.
E o litígio com o proprietário do terreno que dava acesso ao passeio pedonal, já está ultrapassado?
R.B. – Essa questão deixou de estar na alçada do município na medida em que a Agência Portuguesa do Ambiente entendeu que aquilo pertencia ao domínio público marítimo. Nesse sentido, tomou posse administrativa do imóvel, repôs o caminho e, neste momento, a POLIS está com um procedimento em curso para acabar com a obra nesse espaço. Não sei se o proprietário tem algum processo judicial para resolver essa situação, mas esse deixou de ser um problema entre o proprietário e o município, que antes de se levantar essa questão estava disposto a adquirir aquele imóvel.
Está prevista alguma renovação para a Doca de Faro?
R.B. – A Doca não é da responsabilidade no município, mas sim da DocaPesca. Há cerca de um ano e meio que temos vindo a trabalhar com a DocaPesca no sentido de preparar um investimento para a construção de uma doca exterior, junto ao Hotel Eva, para explorar e requalificar a doca existente, processo que está a ser implementado com a DocaPesca e os nossos serviços, na definição de índices construtivos e projetos. Espero que até final deste ano as coisas estejam preparadas para se lançar um concurso público de concessão e construção daquele espaço, que trará uma nova valência para toda a zona.
A Doca de Faro precisa há anos de uma grande limpeza. A acumulação de lodos e detritos vem causando problemas aos que lá ancoram os seus barcos e, quando as marés baixam, as coisas pioram, ficando as embarcações atascadas. Tem alguma solução para esta situação?
R.B. – Como disse, aquela área não é municipal, é jurisdição da DocaPesca. Nós temos vindo a fazer alguma pressão e a trabalhar com o Governo, no sentido de requalificar toda aquela área. Não é só a questão do lixo, que é mais visível e incomodativa, mas há ali situações até de alguma perigosidade, com lajes a caírem. Para este mês de agosto pedimos uma reunião com a Ministra do Mar e uma das questões que vamos colocar em cima da mesa é precisamente a requalificação e limpeza da Doca, porque ela é urgente já há algum tempo.
À noite, nas zonas onde os jovens se juntam no ”Botellón”, têm acontecido alguns danos a alguns moradores, como a vandalização das suas viaturas. Isso significa que cidade é pouco segura à noite?
R.B. – Eu diria que não é segura. Um dos fatores que nos preocupa em determinadas noites são as festas que levam a alguns excessos. Temos estado a trabalhar com a PSP nesse sentido, com os próprios agentes da noite, estabelecemos agora um horário para os estabelecimentos comerciais, o que vai de certo modo disciplinar esta situação. Neste momento, os horários dos estabelecimentos são livres, podem estar abertos 24 horas por dia, mas nós vamos mudar isso com um regulamento que está agora para apreciação pública e com isso pensamos que a situação vai melhorar. Mas há aqui um trabalho pedagógico que tem que ser feito, por isso temos trabalhado com a Associação de Estudantes da Universidade do Algarve, para que essas situações de indisciplina noturna possam ser minimizadas e o álcool não seja um problema, e que as pessoas se divertiam sem perturbar os outros.
Faro pretende candidatar-se a Cidade Europeia da Cultura em 2017, conjuntamente com outros municípios. É para concretizar essa pretensão?
R.B. – É um projeto que eu acho que é muito importante para Faro e para o Algarve. Nós não queremos só que Faro seja a Capital Europeia da Cultura, queremos que todo o Algarve se associe a isto para podermos potenciar o Concelho de Faro e também o Algarve, dando-lhe um cariz turístico diferente.
Esta entrevista foi realizada por Nathalie Dias e Vítor Gonçalves no Programa “Olha que Dois”, uma parceria da “Total FM” com “A Voz de Loulé” emitido no dia 30 de março.
Oiça aqui esta entrevista.
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