Sob o tema Ibn Qasí, O Mestre Errante Que o Destino Venceu, realiza-se de 12 a 21 de agosto a Feira Medieval de Silves, evento que traz ao centro da cidade algarvia recriações históricas do período medieval, marcado pela ocupação árabe. Rosa Palma, presidente da Câmara Municipal de Silves, revela, em entrevista ao jornal «A Voz do Algarve», a importância deste evento para o Concelho e dá a conhecer as novidades para a edição deste ano.
A Voz do Algarve – A Feira Medieval de Silves foi organizada pela primeira vez em 1996 pela Escola Secundária de Silves. Como foi a evolução dessa primeira feira até aos dias de hoje?
Rosa Palma – Esta iniciativa surgiu fruto de um projeto entre professores que quiseram recriar uma época histórica muito importante para o nosso Concelho, entre o século VII e XII, quando fomos ocupados pelos árabes e houve um período de mudança. Essa ideia foi posteriormente acolhida pelo município, alargada, crescendo no seu todo, sempre com o objetivo de recriar a história de uma época. Hoje continua a sê-lo, havendo em cada um dos dias do evento uma recriação diferente. Este ano o tema é «Ibn Qasí, O Mestre Errante Que o Destino Venceu», que no século XII foi um dos grandes personagens da cidade e da região. Há sempre esse cuidado de procurar ligar o evento àquilo que temos como maior riqueza: a nossa história, as grandes figuras da cidade. Não faria sentido criar um evento destes sem essa ligação. Aliás, essa é a marca da nossa diferença, desde que a Feira Medieval começou: procuramos que ela seja reflexo da nossa identidade e possa, todos os anos, oferecer algo único e irrepetível a quem nos visita, pois “experimentar” a nossa história não é possível noutro local. Como sabe, temos um passado fortemente ligado à presença muçulmana e isso deve ser explorado e conhecido e promovido e é o que fazemos, também com este evento.
V.A. – A Feira Medieval de Silves é uma forma de dar a conhecer a cidade de Silves a quem a visita e a quem nela reside?
R.P. – Sim. Muitas vezes os nossos conterrâneos não têm bem a perceção daquilo que se viveu no passado. Quando damos estas matérias na escola é uma obrigação e, por isso, não estamos predispostos a perceber como isto é importante e tem uma certa relevância. Presenciar estas vivências e incorporar estas personagens dá uma perspetiva diferente àqueles que vivem essa realidade. Ao longo dos 10 dias, fazemos um cortejo pelas ruas e ao fazê-lo vamos dando a dinâmica da história desse dia. Vamos representar o que aconteceu à época, mas com um conteúdo histórico, através de um grupo de teatro que vai representar isso mesmo. Este ano, pretendemos ir mais além e estamos a avançar com um projeto que pretende agarrar em todas as reproduções que foram feitas anteriormente e proporcionar às pessoas essas vivências, não só durante a Feira Medieval, mas também noutras alturas. Estamos a trabalhar com os nossos técnicos nesse sentido. O nosso objetivo é que as pessoas que visitem o castelo possam vestir os trajes e viver uma história. O grupo de teatro trabalha as frases e as ações que devem ser desempenhas, o argumento, para depois transmitir isso às pessoas, em particular às gerações mais novas, que poderão vir com os seus professores. Apercebemo-nos de que havia muitos alunos, e até adultos, que não conheciam o castelo, por isso é necessário criar essa vontade nas pessoas, não só durante os 10 dias da Feira Medieval, mas também depois.
V.A. – Qual a envolvência dos jovens neste evento? As associações, escuteiros e clubes desportivos também participam de alguma forma?
R.P. – Sim, participam. Nós temos jovens voluntários cá da terra, que receberam formação para poderem colaborar connosco ao longo deste tempo e alguns deles já formaram, mesmo um grupo teatral, que colabora na animação, a “Milícia Al-Mutamid”. Os participantes na criação da imagem da feira são pessoas do concelho, gente que todos os anos vem à feira, tem uma ligação emocional com o evento e vive-o como uma coisa sua. O próprio fotógrafo, André Boto, é alguém que viveu e cresceu na cidade de Silves e, portanto, conhece o espaço, os monumentos, as pessoas e tem um olhar muito particular sobre a Feira Medieval, como tem sido possível ver nos últimos anos. A caracterização é garantida pela Anita Oliveira, que é uma profissional local de grande qualidade e que participa no evento. Quanto às coletividades, muitas colaboram, por exemplo, com a participação dos seus membros nos desfiles, na figuração, e todas elas têm um stand para vendas, a maioria para restauração, para o qual se candidataram. Esta é uma forma de as ajudar monetariamente, porque apesar de darmos subsídios a estas coletividades, estas têm que ter alguma autonomia. Para além disso, este acontecimento é aguardado pelos silvenses com expectativa, já que movimenta o tecido empresarial local, permitindo que o pequeno comércio e a restauração tenham uma dinâmica que dificilmente se consegue noutras ocasiões. Eu própria procuro estar sempre presente, trajando-me, participando nos momentos marcantes do programa, pois as pessoas esperam que a Presidente esteja com elas nestes dias e viva a feira como todos os silvenses! O que nos interessa é poder envolver as pessoas, fazê-las participar naquele que é efetivamente o maior evento da cidade e esse envolvimento apenas reforça aquilo que já disse: que queremos que a nossa identidade seja profunda e evidentemente vincada na forma como o evento decorre. É isso que faz desta feira uma feira diferente das demais!
V.A. – Em que aspetos a Feira Medieval de Silves difere de outros eventos da mesma natureza que acontecem na região?
R.P. – A Feira Medieval de Silves é um dos eventos âncora do nosso Município, um evento que nos permite simultaneamente abordar as questões ligadas à nossa história e património, fazendo a promoção turística do nosso território e promover ações de carácter cultural, que nos tornam um destino apelativo para diversos tipos de público. Ao mesmo tempo, a Feira permite que marquemos o panorama regional estival, época durante a qual todos os municípios procuram realizar eventos que possam atrair os visitantes que a região concentra. O que nos diferencia das outras feiras medievais é a valorização da nossa tradição/história islâmica, que é, ainda hoje, bem visível nas ruas de Silves. A Feira Medieval de Silves permite a quem nos visita vivenciar a nossa história.
V.A. – Qual o investimento e retorno proporcionado pela Feira Medieval de Silves?
R.P. – O retorno não é propriamente para a Câmara Municipal de Silves, mas sim para a cidade e para as coletividades que vêm de todo o concelho, desde da Serra até à zona litoral. Através da Feira Medieval, estas coletividades conseguem vir buscar receita, tal como os comerciantes locais. A Autarquia o que não pode ter é prejuízo, e, desde que o valor investido seja reposto, o que acontece, estamos bem.
V.A. – Têm vindo a surgir no Algarve outras feiras com características Medievais. Como encara esses novos eventos? Considera que podem desvirtuar o conceito e rigor Medieval que uma feira de maior dimensão tenta manter?
R.P. – Não acho mal que outros concelhos o façam. Sou da opinião de que aquilo que é bom deve ser copiado. No entanto, a tipologia e as características que nós temos são tão diferentes que, por mais que queiram retratar ou “imitar”, não conseguem. Refiro-me ao castelo, às ruas e toda a caracterização da cidade em si, que é única. Não era necessário que existisse uma feira medieval para que assim fosse. Quando se entra na cidade, sente-se isto, há qualquer coisa aqui, que nos faz sentir a história. Atualmente, somos uma das maiores feiras medievais a nível nacional.
V.A. – Para além do bilhete normal, existe também a possibilidade de adquirir o bilhete «experiências». Em que consiste este bilhete e que atividades extra proporciona aos visitantes?
R.P. – Com o bilhete «experiência», o visitante vive um serão como se fosse um dos nobres habitantes da cidade à época medieval: traja-se e faz um penteado a rigor, come no banquete real, onde se tenta reproduzir as comidas da altura e vê o Torneio e o espetáculo no castelo. Durante todo um serão é acompanhado pelos nossos técnicos e tem, ainda, direito a um local específico para estacionar. Este é um bilhete especial e deve ser adquirido com antecedência, através de marcação.
V.A. – O que terá de novo a edição deste ano?
R.P. – Este ano alargámos a área da feira, sendo que vamos incluir no recinto a praça Al-Mu'thamid. Também mudámos alguns stands e a dinâmica da própria feira. Vamos concentrar tudo num único local, que sabemos, à partida, que é visitável. Temos estado a evoluir de tal maneira em número de visitantes que as nossas ruas, cuja tipologia é muito estreita, tornam-se muito pequenas, o que nos preocupa. Mas, felizmente, temos tudo previsto e uma equipa fantástica em termos de Proteção Civil. Além disso, contamos com a colaboração da GNR, das nossas duas corporações de Bombeiros Voluntários e a Cruz Vermelha. Todos eles dão o seu contributo para a segurança das pessoas.
Por Nathalie Dias
Entrevista realizada a 27 de julho de 2016
Publicada a 2 de agosto de 2016