Foto:«Nika Kramer - Urban Nation»
Entrevista | Metis, um artista de Quarteira para o mundo

10:27 - 25/03/2018 ENTREVISTAS
Nuno Viegas, também conhecido por Metis, viveu toda a infância e adolescência em Quarteira, onde começou a fazer graffitis em murais da zona. Começou por desenhar letras por influência do seu grupo de amigos e hoje, aos 32 anos, tem obras expostas numa das maiores instituições europeias de arte urbana, a Urban Nation, em Berlim. Vive atualmente na Holanda mas quer voltar a Portugal e viver novamente no Algarve. Mas não para já. O mundo da arte está lá fora e Metis quer aproveitá-lo.

A Voz do Algarve” - Qual é a sua ligação a Quarteira?

Nuno Viegas – É a minha terra. Só fui nascer a Faro, de resto fui criado e vivi sempre em Quarteira. Estudei artes visuais na Universidade do Algarve, fiz licenciatura, pós-graduação e mestrado, durante cinco anos. Alguns meses depois de terminar os meus estudos, no final de novembro de 2014, saí de Portugal e vim viver para a Holanda. Concorri à bolsa Erasmus Mais, consegui ter direto à bolsa durante cerca de quatro meses. Trata-se de uma bolsa para estágio profissional, que só funciona no período de um ano após terminar os estudos.

 

V.A. - Quando surgiu o interesse pela arte urbana?

N.V. – Começou por curiosidade, era uma coisa que estava na moda. Comecei pelo graffiti, em 1999, nessa altura com o grupo de pessoas com quem eu me dava, tudo pessoal do BMX porque eu andava de bicicleta. Na altura, em Quarteira, houve muitas pessoas que vieram de fora e trouxeram o graffiti com noções mais sólidas em comparação com aquilo que já havia na zona. Dentro do grupo, todos se influenciaram mutuamente e começámos todos a pintar mais ou menos na mesma altura. Quando comecei, era mesmo graffiti puro, desenhar letras, não tem nada a ver com o que faço agora, mas foi isso que fiz durante muito tempo. Quando comecei a estudar arte, encaminhei por outras áreas.

 

V.A. - E o que hoje faz é ainda muito influenciado pela arte urbana e pelas suas raízes enquanto artista?

N.V. – Sem dúvida. A minha maior influência é o graffiti e todo o estilo de vida que anda à volta do graffiti. Todo o meu trabalho tem uma grande influência na cultura hip-hop, não só na pintura mas também na música e na dança, são movimentos que me têm influenciado e ainda influenciam fortemente a minha carreira.

 

V.A. - O seu trabalho hoje é muito virado para a pintura contemporânea, certo?

N.V. – Sim. É uma mistura. A pitura que faço hoje em dia foi uma coisa que nasceu em Roterdão, onde vivo agora, mas que não consigo definir muito bem. Encontra-se algures neste movimento que está ligado à arte urbana, não só em pintura mural, mas em pintura em tela também.

 

V.A. - Quem são as suas grandes referências em termos artísticos?

N.V. – Há duas pessoas que marcaram muito o meu percurso. O Menau, com quem criei a Policromia Crew. Este projeto passou de uma crew de graffiti para um grupo de artistas e, mais tarde, tornou-se uma associação cultural. Agora está sediada no mercado municipal de Faro. A verdade é que não está muito ativa neste momento mas foi um projeto que, quando começou, tinha o objetivo de trazer artistas de fora e enriquecer o nosso concelho com os seus trabalhos. Hoje, muitos dos artistas cujas obras eu via em revistas e na internet, são meus amigos e pessoas com quem eu me dou por isso consigo levá--los com mais facilidade a Quarteira e dar à cidade algo mais. Em termos de património, isto enriquece. Se nós tivéssemos um mural com uma obra de Picasso em Quarteira, isso seria um motivo para muita gente visitar a região. Portanto, acho que no futuro conseguiremos fazer coisas muito interessantes.

Há ainda outra pessoa que foi muito importante no meu percurso, o Sérgio Nunes. Quando eu comecei a pintar, ele veio do Miratejo para viver para Quarteira. O Miratejo foi um dos locais onde começou a nascer o hip-hop e o Sérgio trouxe com ele conhecimentos que no Algarve ainda não existiam. Ele teve muito impacto em Quarteira e especialmente no graffiti.

 

V.A. - Porque decidiu mudar-se para a Holanda definitivamente?

N.V. – Vim para cá porque todos sabemos como é o mundo da pintura em Portugal. Fazer vida em Portugal, sair de casa dos pais, comprar casa e construir uma vida é muito mais complicado. E se a ambição é construir uma vida com base numa carreira artística, isso é algo que roça o impossível, especialmente vivendo no Algarve. À exceção dos meus professores na universidade, eu não conheço nenhum artista no Algarve que viva exclusivamente da sua produção. Em Portugal já é difícil, mas no Algarve ainda pior.

 

V.A. - Na Holanda, dedica-se exclusivamente à pintura?

N.V. – Não, divido-me entre o trabalho que tenho num hostel e a carreira artística. Mas o apoio e suporte que me tem sido dado neste outro trabalho é impressionante. Na minha agenda, a certa altura, não tenho nada marcado, mas ao longo desta semana vão cair um ou dois emails que podem ser coisas já para a próxima semana ou só para setembro, mas a verdade é que se surge algo para a semana, normalmente no hostel conseguem organizar as coisas de modo a conseguir dar-me liberdade para ir.

 

V.A. - Tem atualmente em exposição uma obra sua numa das grandes instituições de pintura europeias, a Urban Nation, em Berlim. Que obra é esta e como surgiu a oportunidade?

N.V. – A Urban Nation tem três obras minhas, mas quem for ao museu neste momento poderá ver apenas uma delas, que é uma das minhas máscaras feitas a partir de uma t-shirt. O que eles lá têm, basicamente, é um dos meus aviões de papel, um dos meus itens de assinatura e um dos conceitos que eu desenvolvi. Ganhou espaço em si mesmo e podemos dizer que “o avião voou sozinho”. A Urban Nation tem a t-shirt com o avião, uma tela só com o avião e ainda uma tela com uma luva de latex. Aquilo que está em exposição neste momento é o mesmo projeto que eu fiz para o festival Lollapalooza, em Berlim, no ano passado. Tanto a t-shirt como o avião são uma referência ao graffiti. É uma máscara que não tem ninguém lá dentro, é uma presença que existe mas não se vê, é como se fosse um fantasma. É uma referência literal ao graffiti, nós vemos o trabalho final mas muito raramente vemos o graffiti a ser feito, simplesmente aparece. Em relação ao avião, todo o conceito começa numa folha de papel: o que nós fazemos a essa folha de papel é uma escolha nossa – podemos metê-la numa gaveta, deitá-la para o lixo ou podemos pegar numa ideia e fazê-la voar. O avião é uma alegoria a isto: pegar numa ideia, moldá-la e fazê-la voar.

 

V.A. - Vão estar também expostas obras suas em Amesterdão?

N.V. – Sim, eles estão a começar a trabalhar na construção do estúdio e quando abrir vai ser certamente o maior museu de arte urbana da Europa. Para esse museu tenho duas peças, duas telas com três metros e meio por cinco, aproximadamente, e são peças que eu fiz mesmo antes de começar a trabalhar com o museu de Berlim. Quando abrir, o museu terá certamente mais peças minhas, tenho estado a falar com eles e existe a possibilidade de fazer outras coisas, nomeadamente esculturas. Eles queriam abrir na Primavera deste ano, mas estão com alguns problemas ao nível do espaço e autorizações necessárias, por isso, se tudo correr bem, deverá abrir no próximo ano.

 

V.A. - Para além da Holanda e da Alemanha, já teve obras expostas noutros países?

N.V. – Em museus com a mesma dimensão, não. Mas já fiz projetos noutros países e cheguei a ter ligações com instituições grandes, nomeadamente no ano passado, quando fui pintar a Miami. Cruzar o Atlântico pela primeira vez foi uma experiência espetacular.

 

V.A. - Que projetos futuros tem agora em vista?

N.V. – Tenho agendada uma exposição aqui em Amesterdão, onde vou trabalhar com instalação. Basicamente vou transformar tudo aquilo que tenho feito em pintura em instalação 3D. É também provável que vá novamente a um outro festival em Inglaterra. Por agora não há grandes planos, mas a qualquer momento recebo um telefonema ou um email e tudo muda.

 

V. A. - E voltar a Portugal, está nos planos?

N.V. – Voltar a Portugal está claramente nos planos e é um dos objetivos principais. Gostava de sediar-me em Quarteira novamente. Hoje em dia, sou abordado por empresas ou instituições que querem trabalhar comigo e a primeira coisa que me dizem é que vão tratar de tudo em termos de alojamento e da viagem para eu vir de propósito de Portugal, isto porque não sabem que eu agora estou a viver na Holanda. Portanto, a questão geográfica é cada vez menos importante. Mas, por outro lado, o facto de estar aqui é bom porque tenho muito mais facilidade em deslocar-me para qualquer ponto da Europa, as viagens são mais curtas. Para além disso, aqui estou sempre rodeado de artistas e consigo estar rodeado de arte. Se for para Quarteira, não há um circuito, e estar aí sem esta energia à minha volta acaba por não alimentar tão bem a atividade. Aqui tenho exposições todos os meses, pessoal que passa por aqui e que vem de vários pontos do mundo.

 

Sofia Coelho