«Os Dias de Abril»: Tavira e o Processo Revolucionário (1974-1976) – PARTE I

10:10 - 22/04/2019 OPINIÃO
Por: Miguel Peres Santos | Mestre em Gestão Cultural pela Universidade do Algarve | mpstavira@gmail.com | http://facebook.com/miguelapdsantos

Esta é a madrugada que eu esperava 
O dia inicial inteiro e limpo 
Onde emergimos da noite e do silêncio 
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen, 25 de Abril in 'O Nome das Coisas'

 

A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas (MFA) desencadeou um golpe de estado que colocou fim à ditadura e ao regime autoritário do “Estado Novo”. O que se seguiu foi um processo revolucionário único e marcante na História de Portugal. Não foi um caminho fácil até à consolidação da democracia. Entre 1974 - com o golpe de estado que levou ao fim do regime -, e 1976 - com a eleição democrática de todos os órgãos políticos locais e nacionais por via de eleições livres- , muitos foram os momentos de tensão, de golpes e contragolpes e de discussão política a que ninguém ficou indiferente, nem mesmo a pequena cidade e concelho de província maioritariamente rural, distante dos grandes centros de decisão política, como era Tavira.

Após o golpe militar começavam a surgir aquelas que seriam as figuras que combateram o regime, e que mais tarde se destacariam como as grandes figuras do processo de transição democrática. Realizaram-se as primeiras manifestações políticas. Surgiram os primeiros movimentos sindicais, sociais e políticos. Aconteceu a transição política no poder local e as primeiras eleições livres. Que dinâmicas tiveram estes acontecimentos no concelho de Tavira? Os tavirenses assistiram e participaram nestes momentos, talvez um dos mais quentes e da sua história recente. É essa a história que aqui se irá relatar.

I.                     Tavira e o “25 de Abril”

Os primeiros dias após o golpe militar de 25 de Abril de 1974 foram, em Tavira, de uma aparente acalmia e de uma ponderada reserva em celebrações, mas as movimentações políticas e sociais estavam em marcha de forma mais ou menos discreta.

Logo após o golpe militar, a actuação dos militares do Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria de Tavira (CISMI) foi questionada, o que obrigou a esta unidade militar a convocar uma conferência de imprensa, onde os seus oficiais superiores prestaram alguns esclarecimentos.

Nesta conferência de imprensa, foi esclarecido que “desde a primeira hora, isto é, antes da proclamação feita ao País pelo General António de Spínola, já havia aderido ao movimento das Forças Armadas” (Povo Algarvio, Nº 2081, 4/05/1974, ANO XL), além disso, esta unidade militar tinha sido a responsável pela detenção dos elementos da PIDE/DGS no posto fronteiriço de Vila Real de Santo António, e que o encerramento do Quartel Militar nos dias seguintes ao “25 de Abril” deveu-se “a ordens de prevenção emanadas da Junta de Salvação Nacional” (Jornal “O Tavira”, Nº 30, 16/05/1974, ANO II).

O “25 de Abril”, apesar de se ter apresentado como um movimento que pretendia afastar todos os responsáveis políticos afectos ao regime, num primeiro momento, evitou o vazio de poder a nível municipal. É nesse contexto que o executivo da Câmara Municipal de Tavira, liderado pelo Eng. Luís Filipe Távora manteve as suas funções, assim como a sua equipa de vereadores, composta por Vasco Vieira da Mota, Abílio Costa da Encarnação, José Joaquim Gonçalves, José Emídio Fernandes Sotero e Manuel Gil Fernandes Lapa.

Enquanto aguardava pelo desenrolar dos acontecimentos, o Presidente da Câmara Municipal de Tavira, tomou a iniciativa de reunir extraordinariamente o seu executivo municipal, a 30 de Abril de 1974 para analisar a situação política após o golpe militar e tomar algumas decisões. O executivo municipal acabou deliberando por unanimidade os seguintes pontos:

“(…) a) Saudar, reconhecer e apoiar a autoridade da Junta de Salvação Nacional e continuar a pugnar pela defesa dos altos interesses, na conjugação de esforços para a continuação das grandes obras;

b) Saudar e desejar à população o maior respeito pela ordem, trabalho e deveres cívicos de todos os cidadãos, para que a acção da Junta de Salvação Nacional seja facilitada a alta missão que foi incumbida

c) Transmitir por telegrama a Sua Excelência o Presidente da Junta de Salvação Nacional, General António de Spínola, esta deliberação, as saudações do povo do concelho e desta Câmara Municipal (…)”

 ARQUIVO MUNICIPAL DE TAVIRA, Livro de Actas da CMT (1974-1975), Sessão de 30/04/1974, Fls. 8-9

No que se refere às organizações políticas, o Movimento Democrático Português (MDP), seria o mais visível e destacado nos primeiros dias após a queda do regime, organizando mesmo uma Assembleia Popular na sala de jantar na Pensão Arcada, em pleno centro da cidade de Tavira. Esta assembleia, entre outras conclusões, deliberou a criação e a nomeação - a nível local - de uma Comissão Executiva Provisória, que prestasse todo o apoio ao Programa da Junta de Salvação Nacional e ao Movimento das Forças Armadas. A Comissão que daqui saiu, era composta por elementos que se iriam destacar a nível político neste período em Tavira, seriam eles: Dr. Dias da Costa (Advogado), Dr. Rui João (Farmacêutico), Joaquim José Valente (Sargento Reformado), Custódio Luz Bernardo (Sargento Reformado), Vitalino José da Silva (Negociante), José Gregório do Carmo (Comerciante), Júlio António Correia (Industrial), José António dos Santos (Solicitador).  

Este grupo deu início à sua actividade política de imediato, decidindo a organização de uma manifestação de apoio ao MFA que se iria realizar a 5 de Maio de 1974, em Tavira, como se pode ler na comunicação feita pela Comissão Concelhia Provisória do MDP de Tavira no Jornal “O Tavira”:

“A Comissão Concelhia provisória da C.D.E. comunica e convida a população de todo o concelho a assistir à manifestação pública que se realiza na Praça da República, em Tavira, no dia 5 de Maio, pelas 16 horas, afim de se comemorar a libertação do País, pelas Forças Armadas, na data histórica de 25 de Abril. – A Comissão Concelhia Provisória” (Jornal “O Tavira”, Nº 29, 3/05/1974, ANO II)

 

Comunicado do MDP de Tavira, a anunciar a manifestação de apoio ao MFA e ao “25 de Abril” - Fonte: Jornal “O Tavira”

 

Apesar deste comunicado do MDP a informar que, no dia 5 de Maio, se realizaria uma manifestação para celebrar o “25 de Abril”, a população da cidade de Tavira juntou-se para comemorar de forma espontânea no dia 1 de Maio - data comemorativa do Dia do Trabalhador -, instituído feriado nacional pela Junta de Salvação Nacional (JSN), depois de ter sido proibido de celebrar pelo regime do “Estado Novo” durante mais de 40 anos. Nesse dia, uma enorme multidão com cartazes e bandeiras nas suas mãos, percorreu as principais ruas da cidade. Gritando palavras de ordem, percorreu as principais ruas da cidade acompanhados pela Banda de Tavira. Às 18h00, estas pessoas concentram-se na Praça da República para saudar as Forças Armadas, para ouvir de uma das janelas do Edifício dos Paços do Concelho a palavra de alguns reconhecidos e assumidos democratas tavirenses. Começou por usar da palavra Joaquim Teixeira, solicitador em Loulé, seguindo-se os cidadãos tavirenses: José Sequeira, Joaquim Valente, Guilherme Camacho, Eduardo Palma, Dr. Eduardo Mansinho, e Rui Figueiredo, que foram unanimes nas ideias e nas palavras, “centradas na repressão do anterior regime” e nos motivos “que levaram o país a uma crise económica e política” (Jornal “O Tavira”, Nº 30 16/05/1974, ANO II). Depois de ouvidos os discursos e tocado o Hino Nacional por parte da Banda de Tavira, a multidão dirigiu-se para o Quartel Militar do CISMI, como forma de agradecimento aos militares pelo seu contributo na queda do regime do “Estado Novo”, tendo tudo corrido dentro na “maior ordem” e “maior espírito de civismo da população” (Povo Algarvio, Nº 2081, 4/05/1974, ANO XL).

 

Tavira, Praça da República – Manifestação de 1 de Maio de 1974 - Fonte: Jornal “O Tavira”

 

Alguns dias depois, a 5 de Maio, uma nova multidão voltou a juntar-se na Praça da Republica, desta vez na manifestação de apoio ao MFA e ao programa da Junta de Salvação Nacional, que havia sido convocada e organizada pelo MDP de Tavira. Antes dos discursos, foi lido um comunicado deste movimento, “onde se propunha a demissão de algumas entidades administrativas e escolares” (Jornal “O Tavira”, Nº 30 16/05/1974, ANO II), entre outras conclusões “a apresentar à Junta de Salvação Nacional” (Povo Algarvio, Nº 2082, 11/05/1974, ANO XL).

De seguida, fizeram-se ouvir algumas individualidades ligadas ao MDP. Falou o Dr. Dias da Costa, que se elevara a mentor de todas as movimentações. Seguiu-se Manuel Rodrigues Pereira (de Olhão), João Camacho (de Mértola), Manuel Bom (da Fuzeta) e Guilherme Camacho, que seguiram nas suas palavras o que já havia sido dito no comunicado. (Jornal “O Tavira”, Nº 30, 16/05/1974, ANO II, P. 1). A manifestação terminou ao som do Hino Nacional, dispersando-se a multidão “em ordem, marcando mais uma vez o civismo das gentes tavirenses” (Jornal “O Tavira”, Nº 30 16/05/1974, ANO II, P. 1).

Em Santa Catarina da Fonte do Bispo, uma das freguesias mais rurais do concelho de Tavira, também fora divulgada no dia 4 de Maio, que haveria uma manifestação no dia seguinte em Tavira, mas a distância entre as duas localidades e o interesse da população em celebrar o “25 de Abril” era muito grande, mas a inviabilidade de deslocação para maioria das pessoas, fez com que a população que se juntasse em grupos. Estas pessoas seriam surpreendidas pela manhã do dia 5 de Maio, com a rua principal e o largo da Igreja inundado de panfletos com palavras de ordem relacionadas com o momento politico que atravessava o país. Pelas 14 horas, a população desta aldeia iria concentrar-se no largo da Igreja para ouvir discursar o reconhecido democrata de Santa Catarina da Fonte do Bispo, Sr. José Gago Sequeira que divulgou a Comissão Executiva do MDP de Santa Catarina da Fonte do Bispo e o Dr. Carrapato, vindo de Faro, e que se distinguia por ser um reconhecido advogado da região. Após estes discursos, a população saiu ordeiramente em desfile pelas ruas da aldeia, dando cumprimento a uma das reivindicações apresentadas pela Comissão do MDP local: dar à rua principal o nome de Rua 1º de Maio e ao largo da Igreja de Largo 25 de Abril. (Jornal “O Tavira”, Nº 30 16/05/1974, ANO II, P. 2). 

 

 

 

A Imprensa Tavirense deu grande destaque ao “25 de Abril” e às várias manifestações de apoio ao Movimento das Forças Armadas (MFA)