(Perhaps) Brexit means Brexit

10:52 - 07/09/2019 OPINIƃO
por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestre em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

A saída do Reino Unido da União Europeia continua, como sempre se apresentou, uma questão difícil de antever. De Cameron a May, de May a Johnson, e com eleições antecipadas à mistura, o Brexit tem-se apresentado digno de um cruel enredo literário, com um final que todos pensam conhecer, mas com histórias que se desdobram a cada novo capítulo.

No presente capítulo, intitulado “O guerreiro solidário”, Boris Johnson, uma das personagens principais desta longa história, vê-se cercado de forças inimigas que procuram travar a saída do Reino Unido da União Europeia sem que haja um acordo firmado. No entanto, lutando contra tudo e contra todos, o personagem prossegue na busca do seu principal objectivo: sair da União Europeia no dia 31 de outubro, haja ou não acordo. Como qualquer história, a personagem principal há-de sofrer um qualquer revés. Quis o destino atormentar-lhe com uma traição: 21 deputados do seu partido viraram-lhe costas, colocando-se, no campo contrário de uma batalha que era decisiva para o seu levar o seu plano a bom porto.

Boris ainda procurou um volte-face, propondo eleições antecipadas, mas tal proposta foi rejeitada pelo seu principal adversário, que num gesto de tremenda inteligência e estratégia somente se colocou na disposição de disputar eleições antecipadas caso haja um acordo para a saída do Reino Unido. Com uma clara vantagem estratégica sobre o personagem Boris Johnson, o guerreiro solitário da nossa história, Jeremy Corbyn tomou de assalto o parlamento britânico, conseguindo obter a aprovação de um projecto-lei que obriga o actual Governo a procurar um acordo com a União Europeia. O projecto-lei foi aprovado pela Câmara dos Comuns e pela Câmara Alta, prevendo-se agora que, durante o decorrer desta semana, venha a obter a assinatura real. Num cenário como este, o Reino Unido vê-se assim obrigado a regressar à mesa das negociações com a União Europeia, estando constrangido a suplicar por um novo alargamento para o prazo saída, que conjectura fixar-se no dia 31 de janeiro de 2020.

Derrotado, Boris Johnson vê-se agora confrontado com a possibilidade de ter de disputar eleições antecipadas com Jeremy Corbyn, tendo em simultâneo de encetar novas rondas de negociações com a União Europeia, algo que o Primeiro-Ministro britânico rejeitou veemente.

É preciso ter-se cuidado com o que se deseja. Boris Johnson foi demasiado ambicioso, e as suas acções não só vieram a limitar as suas opções e estratégias políticas, como em último recurso poderão mesmo acarretar a consequência de impor uma pesada derrota eleitoral ao Partido Conservador, e de lançar o Brexit para um novo patamar de incerteza. Em toda esta história, apenas se pode contar com uma única certeza, a de que, com ou sem acordo, a saída do Reino Unido da União Europeia deverá, mais tarde ou mais cedo, concretizar-se.

Ocasionalmente, há quem ainda preveja uma outra solução para este enredo: um novo referendo. Embora se compreenda que uma opção deste tipo tem o condão de vir a clarificar a vontade dos britânicos, o certo é que os princípios de um Estado de Direito Democrático impedem – e bem – que se realizem sucessivos referendos até que seja obtido o resultado mais conveniente. Ainda que hoje a população britânica esteja mais consciente do peso e significado de um Brexit, e mesmo que se saiba que o referendo serviu como campo de experiência para a Cambridge Analytica e para a sua máquina de disseminação de desinformação, a opção por um novo referendo não é viável, e Boris Johnson, vê-se a braços com uma de duas opções: eleições antecipadas ou negociação com a União para um novo alargamento do prazo de saída.

Longe de serem óptimas, ambas as opções abrem novos horizontes neste labiríntico enredo político. Mesmo que Boris Johnson consiga evitar a disputa de eleições antecipadas, as negociações com a União Europeia poder-lhe-ão custar o seu lugar à frente do Governo, pois é quase certo que se não houver entendimento para o alargamento do prazo, o Governo britânico enfrentará, no parlamento, um voto de não confiança. Tal implica, por seu turno, que seja encontrada uma alternativa ao Governo actual, o que se afigura, de momento, improvável, mas não impossível. Ainda que resista ao voto de não confiança, o novo Governo deve obter um voto de confiança nos 14 dias seguintes, sob o perigo de serem marcadas eleições gerais. Por outro lado, caso se evitem as eleições antecipadas, tal não significa que a vida esteja facilitada para Boris Johnson. Num tal cenário, é provável que o Governo britânico seja obrigado a procurar um novo acordo com a União Europeia, e caso não haja nova prorrogação do prazo, a obtenção de um acordo forçoso poderá significar um péssimo acordo para o Reino Unido mas um excelente acordo para a União Europeia, que está determinada a fazer dos britânicos um exemplo para os impulsos euro-sépticos.

Seja de que modo for, facto é que “Brexit means Brexit”, ainda que povoado por um “perhaps” (talvez) que ardilosamente inculca diversas incertezas neste processo. No entanto, não é possível antecipar de que modo será capaz o Governo de Boris Johnson resistir a longo prazo. Tudo parece indicar que as eleições antecipadas são praticamente uma certeza, quer ocorram antes ou depois do Brexit. Resta saber se o Partido Conservador britânico terá a necessária resiliência para resistir ao desgastante processo do Brexit.