O Centro Humanitário de Tavira da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) criou um serviço de apoio social por vídeo chamada, devido à pandemia de covid-19, mas o sucesso obtido junto da população levou a que fosse alargado a outras áreas da saúde.
A linha começou a funcionar no “início de abril com quatro psicólogos e dois psiquiatras”, mas a procura fez com que “15 dias depois se acrescentassem os assistentes sociais” tornando-a numa linha psicossocial, conta à Lusa o diretor do centro.
“Agora vamos aumentar a oferta com medicina familiar, estomatologia e enfermagem” destaca Manuel Marrafa, notando que a procura provém, essencialmente, de “lares, municípios, particulares e tripulantes de ambulâncias”.
O apoio é gratuito e feito via ‘Skype’, de segunda a sábado, numa chamada feita diretamente para os profissionais nos horários que disponibilizaram “do seu tempo particular” para colocarem em prática “a sua experiência profissional de renome a nível nacional em prol dos outros”.
A ideia surgiu depois da criação de uma linha de apoio pela coordenação nacional da CVP, mas o centro humanitário de Tavira quis abri-la à população e torná-la mais próxima.
A linha foi operacionalizada pela unidade de emergência da CVP de Tavira aproveitando a experiência do seu coordenador e os contactos reunidos ao longo mais de 20 anos, interligando profissionais de diversas partes do país.
A unidade serve também de ligação entre quaisquer casos que possam ser detetados nas consultas por um dos psicólogos, como falta de medicação ou de bens alimentares.
Nestes casos, a Cruz Vermelha leva os medicamentos ou faz “chegar um cabaz de roupa” a quem necessite, revela o coordenador de emergência do centro humanitário, Valter Luz, que classifica o centro como “o braço executante do trabalho” realizado pelos profissionais da linha de apoio.
Silvia Costa Martins, médica estomatologista a exercer em Lisboa, está desde o início envolvida na organização do projeto e faz agora parte dos profissionais a quem é possível recorrer, por considerar que “há muitas carências na sociedade” que sofreram “um crescimento exponencial” com a pandemia.
“Toda a ajuda é pouca e dentro do que me for possível ajudar, estou cá. Foi o que disse desde o início ao Valter” revela numa das videochamadas que a Lusa estabeleceu para conhecer a linha.
Com muitas clínicas ainda fechadas, tem sido contactada por pessoas “que estão com muita dificuldade em encontrar os seus médicos” e que demonstram receio por não saberem “o que vão encontrar em termos de cuidados e qualidade do trabalho” noutro lado.
Com a entrada na segunda fase de desconfinamento, as vidas dos profissionais “também se alteraram”, no entanto, defende, “uma hora por dia pode fazer uma grande diferença na vida de alguém”, pelo que acredita que a linha “vai continuar ativa”.
O apoio psicológico tem sido procurado, por exemplo, por utentes, mas também profissionais de lares de idosos, pois se uns se “encontraram fragilizados e precisam de algum suporte”, os outros “continuam a trabalhar em circunstâncias incomuns e sobre uma enorme pressão”, confidencia à Lusa Maria José Roseira.
Maria José Roseira revela que tem sido contactada por pessoas que “perderam o emprego e que fazem ruturas psicológicas que nunca tiveram”, para além da “pressão de conviver 24 horas com as mesmas pessoas”, o que faz com que “pequenas divergências tomem proporções gigantescas”.
“Se houver quem os ouça e os ajude a estruturar e a adaptar-se é um facilitador. E essa é a nossa missão”, resume.
Luís Neves, outro dos psicólogos da linha, reforça a ideia, revelando a procura por parte dos idosos, “já de si com tendência depressiva”, mas “potenciada pelo isolamento ao qual são obrigados”, para além das incertezas geradas pela pandemia.
“Este vírus é desconhecido e ainda não há cura, nem medicação profilática, por isso não há um suporte de confiança, reforçado por uma constante informação do número de mortos, o que contribui para uma patologia depressiva e ansiedade”, refere.
O psicólogo algarvio acredita que “é certo um aumento na procura de ajuda psicológica”, já que a atual situação “vai deixar sequelas” com as quais as pessoas “terão de aprender a lidar” e até fazer um processo de luto, “algo que acontece também quando se sai de um bolha psicológica como agora”.
Com a entrada na segunda fase de desconfinamento, as pessoas “podem começar a sair e a economia a funcionar, mas se aligeirarem as precauções” - o que considera “ser natural com o aumentar do nível de confiança” -, o perigo de contágio “pode aumentar”, alerta.
Nas consequências para a saúde física relembra que “o homem é um ser psicossomático, transpondo da parte psíquica para a física”, considerando que a pandemia se pode vir, também, a refletir “no aumento das baixas médicas”.