Coragem louletana em terras do fim do mundo…

10:24 - 30/08/2020 OPINIÃO
Por Luís Pina | Licenciado em Acessoria de Administração | aragaopina59@gmail.com

Corriam os frenéticos anos 80. Angola, já depois da independência, foi palco de uma das mais sangrentas guerras civis que terá feito muito mais vítimas entre as populações do que propriamente militares.

Hipócrita e lamentavelmente há quem apelide esta tragédia de “efeitos colaterais”, eufemismo que não esconde os desalojados, estripados ou poli-traumatizados, um penoso e pesado custo que geralmente as partes em confronto tendem a sonegar. Gente inocente, famílias desterradas fugidas dos bombardeamentos tiveram de se deslocar desamparadas, entregues a si próprias ou ao Deus que muitos não debalde evocaram nessa fé inabalável que caracteriza o africano.

Muitos, tantos foram os que, por manifesta impossibilidade ou apego à sua terra-mãe abdicaram da aventura dramática que os esperava por trilhos e picadas onde as minas e a morte espreitava a cada passo e o destino, incerto, não augurava nada melhor. Preferiram arriscar, ficando.

Escolheram permanecer no recato de suas casas, dos quintais e clareiras que os viram nascer, crescer e brincar de pé descalço por aquelas terras vermelhas e ricas onde os morros imponentes, os mangueirais e as goiabeiras, as bananeiras e os cafezeiros a perder de vista escondem outras riquezas ainda por desvendar. Já nada, porém evitaria a tragédia humanitária. Impotentes, não foram poucos os que sucumbiram às “operações de limpeza” perpetradas por grupos militares, muitas vezes casa a casa ou onde se suspeitasse da presença do inimigo.

Entre prisões e chacinas ainda houve quem tivesse sorte, quem lograsse escapar não fosse a oportuna, corajosa e generosa intervenção de um louletano, militar para-quedista que, entretanto, se integrara nas fileiras do MPLA. A sua veia de guerrilheiro-aventureiro camuflava na verdade um homem de coração, de sensibilidade e sentido humanitário cuja ação voluntariosa e discreta permitiu, a coberto da patente militar que detinha poupar muitas vidas ajudando à sua fuga ou encaminhamento para locais mais seguros.

Ainda revisitou a sua Loulé natal há já “um bom par de anos”, altura em que o vi pela última vez. Ironicamente, tendo sido toda a vida um “animal do mato” como se intitulava, seria no mar que perderia a vida num trágico naufrágio. Porque era de Loulé e também se chamava Luís, aqui lhe presto singela homenagem.