Candidato do Bloco de Esquerda à Câmara Municipal de Loulé
O profissional de Turismo Tiago Grosso, de 43 anos, é o candidato escolhido pelo Bloco de Esquerda (BE) para se candidatar à Câmara de Loulé, liderado há oito anos pelo PS.
Licenciado em Turismo pela Universidade do Algarve, o candidato “tem trabalhado desde sempre no seu setor de formação, da restauração à hotelaria, passando pelo aluguer de automóveis e pela aviação, o que lhe deu um profundo conhecimento daquela que é a principal indústria algarvia”, adianta o BE em comunicado.
Tiago Grosso tem como adversários já conhecidos na corrida à presidência autárquica de Loulé o socialista Vítor Aleixo, atual presidente e que se recandidata ao cargo, o deputado Rui Cristina (PSD/CDS), Vergílio Ambrósio (CDU) e Fernando Santos (CHEGA).
O candidato é natural de Loulé, “aderente do BE desde 2009 e dirigente da comissão coordenadora concelhia de Loulé” do partido.
A Voz do Algarve - O que significa para si ter sido escolhido pela BE para ser cabeça de lista à Câmara Municipal de Loulé?
Tiago Grosso - Pessoalmente é sempre satisfatório saber que o partido de que faço parte depositou em mim a confiança para uma candidatura que é sempre um ato de enorme responsabilidade. Acho que isso acontece porque me conhecem bem, sabem onde me situo ideologicamente, e porque trago ideias novas para o Concelho de Loulé. Esta responsabilidade de que falo é acrescida por motivos de representatividade social, profissional e geracional, o que sendo um desafio é ao mesmo tempo uma vantagem sobre os restantes candidatos. É importante que as pessoas da minha geração e do meu meio económico e social se cheguem à frente nestes combates políticos porque o país precisa de gente que conheça os problemas de quem trabalha, mas ainda assim vive com enormes dificuldades. Nesse sentido, eu espero não só representar o meu partido como estas pessoas que vêm das classes menos favorecidas e que historicamente não têm tido uma representação política adequada.
VA - Quais são as suas expetativas para o Concelho de Loulé, enquanto Candidato do BE à Presidência da Câmara Municipal?
TG - Na política temos de ser corajosos e assumir o risco de uma candidatura para a qual damos a cara e que tanto pode correr bem, como pode correr mal, especialmente quando nos propomos a fazer diferente. O meu objetivo é quebrar o ciclo viciado de estagnação que PS e PSD teimam em alimentar, porque a sua política se resume a satisfazer clientelas que já estão a beneficiar com a forma como as coisas são feitas, e que são quem decide as eleições. O atual executivo camarário tem sido bastante hábil nesse aspeto, e isso deu-lhe um segundo mandato onde voltou a fazer a mesma coisa. Mas se olharmos atentamente para o Concelho e para a vida das pessoas que vivem do seu próprio trabalho, nomeadamente os trabalhadores assalariados, praticamente nada mudou, e os problemas que estas pessoas enfrentavam há 10 ou 20 atrás mantêm-se, e em muitos casos até se intensificaram. Depois também é importante perceber o seguinte: infelizmente, as eleições autárquicas, porque têm uma dinâmica própria ao nível da proximidade com os candidatos e das relações pessoais, traduzem-se muitas vezes numa espécie de concursos de popularidade, onde a ideologia é praticamente esquecida. No entanto, a verdade é que nenhum candidato se representa a si mesmo. Estamos todos a representar partidos ou movimentos de cidadãos com programas e ideias próprias. E isso é muito mais importante do que a simpatia pessoal que tenhamos pelo candidato A, B ou C.
VA - Em linhas gerais, fale-nos um pouco do seu projeto autárquico?
TG - Para construir um projeto autárquico é preciso antes de mais fazer uma avaliação profunda da situação do Concelho e ter consciência dos problemas estruturais que nos afetam. E isso simplesmente não tem existido com as anteriores gestões autárquicas. Depois é preciso ter uma visão concreta do caminho que temos de fazer no Concelho de Loulé para alterar esses problemas estruturais. Tendo o Concelho crescido principalmente à conta do turismo e do negócio imobiliário, o que aconteceu foi que, à semelhança de um eucaliptal que seca tudo à sua volta, não foi possível desenvolver outras atividades económicas, e o que aconteceu foi que, da mesma forma que, por exemplo, o interior perde pessoas para o litoral, o próprio Concelho perde pessoas para as grandes cidades do país, e também para o exterior. Eu cresci nesta conjuntura, sempre ligado ao setor do turismo, e a ver uma grande parte de amigos meus de outras áreas formativas a abandonarem Loulé para irem viver em Lisboa, ou para o estrangeiro. Eles foram estudar, e depois já não voltaram porque Loulé simplesmente não tem lugar para eles. E isto é dramático no sentido em que é uma perda para o Concelho e para a própria região, que nunca se desenvolveu como uma verdadeira metrópole, porque, por um lado, perde capital humano com potencial de iniciativa noutras áreas, e por outro, porque o valor gerado pelo mercado imobiliário ou pelo turismo, ou não fica cá, ou ficando não alastra para fora daquela área de negócio. Para isso acontecer, era preciso que os trabalhadores do turismo fossem bem pagos, e não se confrontassem com uma enorme precariedade laboral derivada, não só, mas também, da questão da sazonalidade, e com um custo de vida insuportável, que não permite sequer atingir coisas básicas como ter uma casa para viver.
Por outro lado, é verdade que este crescimento potenciou uma coleta de impostos muito significativa, que fez de Loulé, enquanto autarquia, uma das mais ricas do país, e é neste aspeto que a autarquia tem de cumprir o seu papel enquanto garante da redistribuição dessa riqueza. Na minha opinião isto não é assim tão difícil de concretizar, pois o que falta realmente é vontade política. E não estou a falar de fazer caridade avulsa como o PS e o PSD costumam fazer, trata-se de olhar para o Concelho como um todo, e perceber que o que temos de fazer é criar dinâmicas de sustentabilidade que equilibrem a atividade económica durante o ano todo, dentro e fora do turismo, o que vai fazer aumentar o rendimento das pessoas que trabalham, sem entrar mais uma vez na lógica do betão e do alcatrão. Se a par disto tivermos uma política autárquica que se dirija aos problemas que a todos afetam, investindo em habitação, em transportes públicos gratuitos e serviços sociais como escolas, creches e lares, que são forma de criar eficiência económica na comunidade, conseguimos fazer com que as pessoas poupem mais dinheiro. Desta forma, estaremos a aumentar o rendimento disponível das pessoas de duas formas diferentes, e a promover o consumo, que por sua vez vai dinamizar a economia no Concelho. É um ciclo positivo que é preciso criar.
VA - Conte-nos um pouco do seu percurso profissional e político?
TG - O meu percurso profissional é simples. Trabalho desde os meus 16 anos naquilo a que chamamos a indústria do turismo. Comecei na restauração, a trabalhar em bares de praia e depois em restaurantes de família, ao mesmo tempo que estudava turismo na Universidade do Algarve, fiz uma passagem curta pelo setor da hotelaria, depois passei pelo setor do aluguer de automóveis, mais tarde entrei para a TAP onde trabalhei no aeroporto de Faro, mas também em Lisboa durante algum tempo, vi e vivi de perto a situação com a criação da Groundforce, da Portway (e o absurdo, do ponto de vista político, que era a existência de duas empresas de assistência em escala, ainda públicas naquela altura, a competirem uma com a outra, e que, em consequência de um plano neoliberal, acabaria com o desmantelamento da Groundforce e a precarização geral da função dos trabalhadores aeroportuários). Entretanto, fundei uma revista de surf que foi um projeto interessantíssimo, e hoje em dia estou na hotelaria outra vez, na Quinta do Lago, curiosamente o local onde os meus pais também fizeram a sua vida profissional. Politicamente, faço parte do BE desde 2009, participando sempre que possível na coordenação concelhia e distrital, da qual tenho feito parte, bem como apoiando o deputado eleito pelo Bloco (Carlos José Martins) no excelente trabalho que tem vindo a efetuar na Assembleia Municipal. Já representei o BE no Concelho municipal da juventude, e, também representei esse órgão consultivo no Concelho Municipal da Educação. De resto, tenho feito parte das listas do Bloco nas várias eleições a que temos concorrido.
VA - O Concelho de Loulé caracteriza-se pelo contraste demográfico entre o interior e o litoral. O interior com uma população mais envelhecida, e o litoral com uma população mais jovem e que ainda tem recebido muitos imigrantes. Enquanto candidato, como pensa que pode minimizar estes contrastes?
TG - Eu tenho uma visão muito própria sobre este assunto. Sou dos que defendem que é necessário promover ativamente, e sublinho o ativamente, a fixação de pessoas no interior, porque muito se fala, mas na verdade pouco ou nada se faz para que isso aconteça. Eu tenho passado a minha vida toda entre o interior, a cidade de Loulé e o litoral. Conheço muito bem as dinâmicas que refere e por isso defendo que há um caminho a fazer no sentido de se procurar flexibilizar as regras que impedem as pessoas, nomeadamente residentes locais com dificuldades de acesso ao mercado da habitação, de se fixarem no interior. E nós, enquanto Concelho, temos todo o interesse que isso aconteça por forma a equilibrar essa questão demográfica. Não temos necessariamente de, como o PS defende, colocar as fichas todas na criação do Geoparque, e esperar, como que por milagre, que isso se traduza nessa fixação, se não fizermos mais nada para equilibrar o número de pessoas que saíram do campo com as que querem para lá voltar. E muito menos ainda replicar no interior os projetos megalómanos do litoral como o PSD quer fazer. Hoje em dia o que assistimos é que a política até aqui seguida, que foi uma política altamente restritiva, resultou, muito basicamente, na sobrevalorização dos terrenos com ruínas (que são os únicos que permitem a construção de habitações), terrenos esses que na maior parte dos casos só estão ao alcance de estrangeiros endinheirados que os reconstroem para segunda habitação. Ora isto, principalmente numa altura em que existe uma urgência habitacional, é absurdo e extremamente injusto para uma série de pessoas que precisam de casa e não têm. Repare que o Estado português apenas detém 3% do espaço florestal, portanto, esta é uma daquelas questões em que se quisermos ser sérios, temos de assumir que não há outra forma de mudar isto sem ser a cooperar diretamente com os proprietários rurais, chamando-os a participar nesta gestão territorial que importa fazer. Depois, há toda uma série de questões relacionadas com a manutenção da paisagem tradicional algarvia, com a própria soberania económica e alimentar, com a necessidade de maximizar os serviços de ecossistemas e a resiliência face às alterações climáticas, que tornam necessária a fixação de pessoas no interior. E há muita gente jovem com interesse em fazê-lo. Agora o que não pode acontecer é que as pessoas que não conseguem comprar ou alugar casa no Concelho, se voltem para as suas pequenas propriedades como último recurso, quase sempre recorrendo a habitações temporárias e precárias, porque não têm capacidade para mais, e depois acabem perseguidos pela autarquia.
«O Carlos José Martins é na minha opinião o melhor deputado da oposição, cujo desempenho é reconhecido e respeitado consensualmente da esquerda à direita.»
Em relação ao litoral, ele fala por si. O litoral tem a vantagem inegável da atratividade por conta da presença do mar, das praias, e de toda a atividade económica por via do turismo. Eu tenho um plano para Quarteira, porque acho que existe um enorme potencial em termos de atividade económica e de qualidade de vida. Agora, também é preciso reconhecer que Quarteira foi pessimamente gerida em termos urbanísticos, e precisa urgentemente de um enorme investimento no ordenamento da orla costeira, na requalificação adaptada das praias às alterações climáticas (no sentido de as proteger de eventos climáticos extremos, e de as tornar utilizáveis e visitáveis durante o ano todo através da promoção dos desportos de mar), na reabilitação urbana e na oferta pública de habitação, que melhore a qualidade de vida de quem lá vive e trabalha, e consequentemente torne a cidade mais apelativa para quem a visita.
VA - Tendo em conta que o BE nunca elegeu um Vereador para a Câmara Municipal de Loulé. Qual é o objetivo do BE, nas próximas eleições autárquicas de outubro?
TG - Quando o BE apresenta um programa e uma candidatura, fá-lo na perspetiva de poder ser governo, sejas nas autarquias ou numas eleições legislativas, e evidentemente tem de estar preparado para isso. Nesse sentido, o objetivo é ter o melhor resultado possível por forma a contribuir para a melhoria das condições de vida das pessoas neste que é um Concelho com potencial para estar na vanguarda do desenvolvimento social em Portugal. Eu tenho uma confiança inabalável no programa que vamos apresentar, porque para além de estar em sintonia com as preocupações do BE a nível nacional, é um programa com uma visão estratégica que faz todo o sentido para o Concelho, e que encontra nas questões do interior, do litoral, da habitação e da mobilidade, pontos-chave que, a serem aplicados, vão melhorar inequivocamente a vida de quem cá vive e trabalha. Tenho a convicção de que se os residentes no Concelho de Loulé conhecerem esse programa vão dar-nos o seu voto de confiança.
VA - Nas últimas décadas o PSD e o PS têm ganho com a maioria absoluta. Caso nestas eleições autárquicas isso não aconteça, pondera a BE fazer coligações com algum destes partidos?
TG - O nosso objetivo é eleger. Depois das eleições, caso o PS se encontre em minoria, não teríamos nenhum problema em discutir a hipótese de fazer um acordo baseado num programa com objetivos concretos, por forma a viabilizar o orçamento e fazer parte da governação, contribuindo assim com a mudança necessária para levar o Concelho para a frente.
VA - O BE tem eleito sempre um Deputado Municipal, desde as a eleições autárquicas de 2005, ou seja, nos últimos quatro Mandatos Autárquicos. Será desta vez que o Deputado Carlos Martins, tem mais algum companheiro na Bancada do Bloco de Esquerda?
TG - O Carlos José Martins é na minha opinião o melhor deputado da oposição, cujo desempenho é reconhecido e respeitado consensualmente da esquerda à direita. Isso prova que o BE tem feito um trabalho inigualável em termos de fiscalização e de apresentação de propostas, tendo em conta que falamos apenas de um representante. Seria ótimo para os residentes no Concelho que esse trabalho pudesse ser ainda maior, principalmente quando nos confrontamos com executivos com maioria absoluta e com uma manifesta tendência para a auto-suficiência como o atual. Quem conhece as pessoas que fazem parte do Bloco em Loulé conhece a sua seriedade e sabe que pode contar com a proximidade destes para expor as suas preocupações e fazê-las chegar à Assembleia Municipal. O próprio executivo já veio por várias vezes repescar propostas do Bloco e apresentando-as depois como suas.
VA - O que será para si e para o BE uma vitória ou uma derrota nestas eleições autárquicas?
TG - Nós acreditamos que o Concelho de Loulé precisa de uma alternativa governativa realmente de esquerda, que apresente um programa que faça sentido e implemente medidas que são imprescindíveis, seja na oferta de habitação social, na criação de um serviço eficiente de transportes públicos gratuitos que responda às necessidades de mobilidade, que promova uma estratégia para o interior e uma política ambiental séria. Conseguirmos ter um aumento significativo de votos que nos permitam eleger candidatos e ter a força necessária para forçar a implementação dessas medidas, será sem dúvida uma vitória, mais do que para o Bloco de Esquerda, mas para todos aqueles que vivem e trabalham no Concelho.
VA - A BE vai concorrer em todas as Freguesias? Pode indicar já alguns dos Candidatos às Juntas de Freguesia ou preferem ainda não revelar?
TG - O BE vai apresentar muito em breve os cabeças de lista às Assembleias de Freguesia onde se vai candidatar. Falo de São Clemente, São Sebastião, Quarteira, Boliqueime e Salir.
Por: Nathalie Dias