ENTREVISTA | ANTÓNIO CHAINHO

07:00 - 24/02/2015 ENTREVISTAS
«Cumplicidades» | 50 Anos de carreira | Cine-Teatro Louletano | Loulé | Sábado, 28 fevereiro 21h30

Natural da aldeia de S. Francisco da Serra (Santiago do Cacém), o embaixador da Guitarra Portuguesa, António Chainho começou a tocar guitarra em 1946, aos 8 anos, na guitarra do pai. Com treino e dedicação, rapidamente cresceu na arte da Guitarra Portuguesa, atuando pela primeira vez em público aos 13 anos. Após cumprir o serviço militar obrigatório, foi para Lisboa para seguir a carreia de guitarrista, que não se mostrou fácil. Após ganhar a confiança dos mestres da guitarra, começou a tocar em casas de fado, tornando-se mais tarde proprietário do seu próprio espaço, “O Picadeiro”, na década de 60, na mesma altura em que criou o seu próprio conjunto de guitarras, onde se incluíam José Luís Nobre Costa, Raúl Silva, José Maria Nóbrega, entre outros. Acompanhou alguns dos maiores nomes do fado, entre os quais, Maria Teresa de Noronha, Lucília do Carmo, Hermínia Silva, Francisco José, Tony de Matos, António Mourão, Frei Hermano da Câmara ou Carlos do Carmo. 

Hoje, António Chainho é um dos mais virtuosos e internacionais mestres da Guitarra Portuguesa, não só a acompanhar grandes nomes nacionais e internacionais, do fado, mas também, e particularmente, na sua carreira a solo, iniciada na década de 70, quando decidiu dar à Guitarra Portuguesa o estrelado que esta merece.

A celebrar 50 anos de carreira, António Chainho lança o seu novo trabalho, “Cumplicidades”, um álbum que o traz ao Algarve, onde o primeiro concerto se realizará no cineteatro Louletano, no próximo dia 28 de fevereiro.

 

A Voz do Algarve – Ao cumprir 50 anos de carreira, certamente terá muita coisa teria para nos contar, experiencias, vivências, curiosidades… gostaria de recordar algumas?

António Chainho – Já foram muitos momentos, felizmente. Poderei destacar a minha vinda para Lisboa, depois de ter cumprido o serviço militar em Moçambique e onde comecei a tocar como profissional, acompanhando muitos fadistas. Decidi, mais tarde, acompanhar apenas três deles: o Carlos do Carmo, o Frei Hermano da Câmara e o Rão Kyao, com quem gravei um grande êxito na altura, “Fado Bailado”.

Poderei também destacar o momento em que resolvi iniciar a minha carreira como solista e produtor, e, naturalmente, o disco que gravei com a Orquestra Sinfónica de Londres, produzido pelo José Calvário. “A Guitarra e Outras Mulheres” foi também um sucesso, especialmente por vozes fora do fado participarem, pela primeira vez, num disco de um Guitarrista. Também não posso deixar de referir o meu papel na abertura do Museu do Fado, particularmente na sua vertente do ensino da Guitarra Portuguesa. Mantive várias reuniões e alertas com a Câmara Municipal de Lisboa, dada a minha grande preocupação ao constatar que a cada dia havia menos guitarristas, uma vez que quem quisesse aprender a tocar guitarra não tinha como, nem onde fazê-lo. Dai resultaram várias escolas, na Madeira, em Grândola e na minha terra, Santiago do Cacém.

 

V.A. – Deu à Guitarra Portuguesa a independência que esta não tinha em relação à voz. O que o levou a “atrever-se” por esse caminho não antes explorado? O que significa para si ter contribuído para um marco importante na história deste instrumento e ser conhecido como embaixador da Guitarra Portuguesa?

A.C. – Lembro-me muito bem de ter sido convidado a atuar no Festival de Córdoba, um Festival muito importante, e de ter conhecido o Paco de Lucía, que ficou muito curioso com a Guitarra Portuguesa. Ficámos amigos e em conversa ele disse-me que em Espanha os guitarristas de flamengo se cansaram de ficar sempre em 2º plano relativamente aos cantores, quando eram eles que tinham o maior trabalho, e que se tinham unido e dado a volta à situação, e que em Portugal deveríamos fazer o mesmo. Nunca mais esqueci aquelas palavras.   

 

V.A. – Sendo hoje uma referência máxima na Guitarra Portuguesa, que recomendações ou sugestões daria aos jovens de hoje que se queiram iniciar nessa aventura musical?

A.C. – Agradeço o elogio antes de mais. A Guitarra Portuguesa é um instrumento muito difícil e trabalhoso, muitos desistem cedo, porque cria muitos calos nos dedos por causa das cordas e da força que temos que fazer, mas, passada essa fase, os músicos apaixonam-se pelo instrumento e não mais o largam. Sei que muito ainda há a fazer com e pela Guitarra Portuguesa, e que existe espaço para todos os bons executantes e, mais ainda, para os compositores e os que procuram novos caminhos, originais.

 

V.A. – Como imagina o futuro da Guitarra Portuguesa. Acredita que os músicos atuais cultivam a mesma paixão que outrora se sentia por este estilo musical?

A.C. – Temos felizmente jovens a tocar muitíssimo bem Guitarra Portuguesa. Alguns, inclusive,  a experimentar novas abordagens. Hoje posso dizer que o futuro da Guitarra Portuguesa está assegurado, pelo menos nas próximas duas gerações.

 

V.A. – Como descreve o novo álbum, “Cumplicidades”?

A.C. – O meu novo trabalho, “Cumplicidades”, tem data de edição a 23 de março e terá 18 temas, dos quais quatro instrumentais, onde conto, em dois deles, com as participações dos meus amigos Kepa Junkera e Raul de Oliveira, sendo os restantes cantados. O 1º single é o tema “Aprender a Sorrir”, com letra de Tiago Torres da Silva e cantado por Vanessa da Mata.
Este trabalho conta ainda com as interpretações de Rui Veloso, Pedro Abrunhosa, Sara Tavares, Ana Bacalhau (Deolinda), Paulo Flores e Paulo de Carvalho, Fernando Ribeiro (Moonspell) e Helder Moutinho, Grupo Coral e Etnográfico de Serpa e ainda as vozes que me acompanharão ao vivo Ana Vieira e Filipa Pais. A produção é de Ciro Bertini, com assistência de Tiago Oliveira, ambos igualmente cúmplices nos concertos. Estou muito satisfeito com o resultado do disco 

 

V.A. – Como está a correr a digressão do “Cumplicidades”? E quais as expetativas para este primeiro concerto no Algarve?

A.C. – A digressão do “Cumplicidades” iniciou-se no Alentejo, mais precisamente em Évora e Beja, a 30 e 31 de janeiro, e fiz questão que assim fosse, pois tenho muito orgulho nas minhas raízes e entendi que deveria iniciar as comemorações dos meus 50 anos de carreira nessa região que me é tão querida. Não quer isto dizer que não goste das outras regiões, naturalmente, e o Algarve sempre me recebeu muito bem e é um dos meus destinos de férias todos os anos. Sei que existem contactos para que regresse ao Algarve para mais concertos o que são sempre boas notícias.

 

V.A. – Nesta digressão, e em particular no concerto em Loulé, também convidará algum artista algarvio como é costume?

A.C. – Em todos os concertos desta tour tencionamos ter convidados, uns por terem entrado no disco, outros pela oportunidade de se apresentarem na sua terra, e outros ainda por cumplicidade e amizade antigas como será o caso da minha querida Viviane, que gentilmente me convidou para fazer parte do seu concerto do CCB, aquando da apresentaçao em Lisboa do seu trabalho anterior.

 

V.A. – Já atuou com diversos artistas de renome...há ainda alguém que gostasse de ter a seu lado no palco? Quem?

A.C. – É verdade, ao longo destes 50 anos já tive o prazer de atuar com muitos artistas, Portugueses e não só. E neste ano em particular temos muitos eventos agendados, nos quais irei atuar com muitos artistas pela 1ª vez. Como tem acontecido até agora, as situações acontecem naturalmente e quando penso que já não há nada de novo que possa fazer, eis que surgem sempre novos desafios.

 

V.A. – Com 50 anos de carreira, sente-se realizado? Existem ainda objetivos por cumprir?

A.C. – Acima de tudo sinto me bem. Espero poder continuar a ensinar mais jovens e não só, a aprender a tocar Guitarra Portuguesa, e a dar a conhecer este instrumento tão nosso e único, ao maior número de pessoas. E também continuar a demonstrar que a Guitarra Portuguesa não é refém do fado e que pode naturalmente ser uma mais-valia nos mais variados géneros musicais.  

 

Por: Nathalie Dias