A In Loco é uma entidade sem fins lucrativos, criada legalmente a 26 de agosto de 1988, com o objetivo de intervir sobre as comunidades e os problemas reais do mundo rural. Nesta entrevista, Artur Filipe Gregório, Presidente da Direção, aborda os objetivos da In Loco junto da produção local, como se processam os apoios comunitários e os planos para o futuro da associação.
A Voz do Algarve (V.A.) - Fale-me um pouco do seu percurso profissional.
Artur Gregório (A.G.) – Primeiro, referir que sou louletano e tenho 62 anos. Vivi a vida toda em Lisboa, até aos 30 anos, quando acabei a minha licenciatura em Antropologia e o Mestrado em Planeamento Regional e Urbano. Quando terminei a formação, pensei que estava na altura de criar raízes noutro sítio e foi aí que eu e a minha mulher nos pusemos à procura de um sítio para morar de Norte a Sul do país – fomos desde Viana do Castelo a Lagos. Foi aí que escolhemos Faro e desde 1994 que vivo e trabalho aqui. Estive ainda dois anos no Ministério do Ambiente, fui professor e desde 1996 que estou na Associação In Loco.
V.A. - Como surge a In Loco e quais os seus objetivos iniciais?
A.G. - A In Loco foi fundada em 1988. Em termos de fundadores, destaco Alberto Melo (que me fez, posteriormente, o convite para integrar a equipa), Priscila Soares e Manuel Soares, professores do Politécnico que quiseram ir «para o terreno» intervir sobre as comunidades e os problemas reais do mundo rural da altura. Em 1988, havia no interior muitas temáticas preocupantes e esta era uma zona completamente isolada do país e do mundo. Este conjunto de ativistas decidiu ir para lá para melhorar alguns dos problemas.
O que a In Loco faz é ativar recursos. Em cada território, há recursos com potenciais para serem ativados e transformados em iniciativas de desenvolvimento local sustentável. Muitas vezes, esses recursos estão latentes e precisam de um apoio.
V.A. - E qual foi então o primeiro recurso a ser ativado?
A.G. - O primeiro recurso que a In Loco ativou, em 1988, está relacionado com as mulheres. Nessa altura, o sexo feminino era visto pela sociedade como «inferior». As mulheres não tinham os mesmos direitos dos homens e estavam destinadas a estar em casa, a ser domésticas e a cuidar dos filhos, enquanto que os homens eram vistos como o «sexo forte» e o sustento das famílias. A pensar nisso, fez-se um plano de intervenção para desenvolver competências pessoais, sociais e profissionais. Foi assim que nasceram muitas tecedeiras, oleiras, empresárias de cafés, restaurantes e pastelarias – muitos destes negócios ainda existem. E é ótimo perceber que algumas das mulheres que iniciaram esses projetos, conseguiram vingar e tornar-se empresárias.
Estas questões acabam depois por funcionar em «cadeia», porque começámos a trabalhar com as mulheres, mas para estas terem disponibilidade para se dedicar a projetos, era preciso trabalhar com as crianças. Desta forma, nasceu o Centro de Animação Infantil, que presta apoio a nível dos cuidados das crianças. Expandimos depois o nosso «nicho» de trabalho para os homens, que estavam a trabalhar no campo e aí começámos a olhar para a produção e valorização da paisagem. Foi assim que evoluímos e iniciámos trabalhos com a amêndoa, a alfarroba, o medronho, o queijo de cabra, entre tantos outros recursos que precisavam ser ativados.
V.A. – Podemos dizer que a In Loco trabalha em várias frentes. Em que outras áreas atua a associação?
A.G. - Temos trabalhado na cooperação, tanto nacional como internacional; turismo sustentável e ultimamente também na dieta mediterrânica. Podemos dizer que a In Loco trabalha muito a nível social, ambiental e também no apoio às atividades economias. Uma das atividades que se mantém desde o início é o programa LEADER – cujo nome foi alterado agora para DLBC [Desenvolvimento Local de Base Comunitária] – e atua no apoio ao desenvolvimento rural, junto de pequenas empresas, agricultores, transformadores, turismos rurais e Juntas de Freguesia, para que estas consigam valorizarem os seus produtos.
V.A. – Como são feitos os pedidos para os apoios? Os produtores dirigem-se à In Loco e fazem simplesmente o pedido, ou existe outra opção?
A.G. - Já trabalhámos assim. Se existissem boas ideias, nós poderíamos trabalhar. De momento, não há essa abertura, porque os Avisos abrem de acordo com o que o Ministério da Agricultura define e com as regras que lhes são subjacentes, para além de todas as burocracias associadas… Agora somos meros executores, a nossa margem de escolha legal é apenas uma ponderação.
V. A. - E como é prestada a ajuda a essas entidades? Através de Fundos Comunitários?
A.G. - Sim. O DLBC é o programa de financiamento comunitário que co-financia parte destes investimentos – nunca a 100%.
V.A. – Que projetos está a In Loco atualmente a desenvolver? Quais são os principais?
A.G. - As associações como a In Loco foram pioneiras do movimento do desenvolvimento rural e nasceram através do atual DLBC, inovador e criativo, que passava para os territórios a capacidade de decisão sob o seu território. São associações dinamizadoras de uma parceria territorial que envolve as Juntas de Freguesia, as Câmaras Municipais, as escolas, entre outras entidades relevantes, de modo a construir coletivamente a estratégia de desenvolvimento para aquele território. É uma abordagem bottom-up (de baixo para cima), onde a comunidade define qual é a sua estratégia de desenvolvimento e a União Europeia e o Governo português financiam parte dessa estratégia de desenvolvimento.
Ao longo dos anos, desde o primeiro Quadro Comunitário até agora, a margem de decisão tem diminuído cada vez mais. As decisões já vêm pré-definidas e formatadas e só temos de escolher a «gaveta» em qual se podem enquadrar as ideias. A burocracia tem vindo a aumentar muito e a margem de intervenção local tem vindo a diminuir. É um movimento que se está a constituir em toda a Europa, de recuperar os princípios do LEADER – e a capacidade de transferir competências para a base local para esta decidir de forma justa e eficaz onde investir.
V.A. - Acha que essa transferência de competências é positiva?
A.G. - Eu acho que é fundamental, porque quem sabe qual é o investimento mais adequado para o território, é quem lá está. Caso contrário, a decisão já vem formatada… Mas a verdade é que as burocracias não gostam do conceito de poder local.
V.A. - A In Loco faz algumas formações?
A.G. - A formação sempre foi uma área muito importante e que chegava à comunidade em geral e também ao público mais vulnerável. Cerca de 60% do nosso trabalho no anterior Quadro Comunitário era a formação e capacitação, através do desenvolvimento de competências na informática e na agricultura. Contudo, deixamos de ter dinheiro para fazer formação. De momento, a formação que temos está canalizada para as Escolas ou para o IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional. O que fazemos ainda são algumas formações «à parte» que são pagas e muito necessárias. No mês passado fizemos em Agricultura Biológica, aplicação de Fitofármacos, entre outras áreas.
V.A. - E gostaria de reverter essa situação, ou seja, voltar a ter mais formação?
A.G. - Claro. O Algarve necessita de formação para sair do modelo de desenvolvimento que aposta no baixo custo, para um modelo de desenvolvimento que aposta na qualidade – e para isso temos de ter pessoas qualificadas. Temos de ter bons empregados de café e bons produtores agroalimentares. Tudo o que se faz têm de subir na escola de valor, para não termos de estar sempre a competir pelo preço mais baixo.
V.A. - Não é contraditório que o Algarve «espalhe» tanto a mensagem de que é uma região voltada para a aposta no turismo, mas depois não aposte na formação?
A.G. - É contraditório, de facto. Muitos setores atravessam crises profundas, por falta de profissionais qualificados. Se queremos ter uma oferta de qualidade, com uma remuneração mais elevada, temos de ter serviços de qualidade. Ou seja, temos de oferecer mais, para poder pedir mais. Temos de ter um turismo que dê valor aos recursos que temos para oferecer a nível local, como a Dieta Mediterrânea – que é praticamente a nossa identidade cultural.
V.A. - E acha que esse caminho, de valorização da identidade cultural, está a ser trabalhado?
A.G. - De uma maneira muito tímida, mas sim. Tenho notado em algumas das nossas iniciativas, como a Rota da Dieta Mediterrânica e o +Algarve, que está a surgir uma nova geração de portadores de projetos. Existem muitas mulheres (o que é um ponto positivo) e pessoas qualificadas que até já estiveram no estrangeiro, e estão a fazer coisas muito interessantes e inovadoras. Essas pessoas não têm receio de colaborar com outras pessoas, como exista antigamente. Há uma noção maior de cooperação para, desse modo, atingir mercados maiores.
V.A. - Durante o ano de 2020, aquando do surgimento da pandemia, receberam mais pedidos de ajuda? Como foi trabalhar em plena época da covid-19?
A.G. - Foi um grande desafio. Assim que entramos em confinamento, tivemos produtores locais com quem já trabalhávamos há muitos anos, que temeram ser o fim da sua atividade. Diziam-me que se a pequena produção já estava ameaçada há muitos anos, agora é que iam fechar portas.
Curiosamente, muitos deles acabaram por se reinventar e criar serviços de entrega, aumentaram a produção de produtos biológicos certificados e diversificaram a sua oferta para dar resposta às necessidades da população. Tivemos produtores a aumentar 400% a produção no período de confinamento. Antes da pandemia, em fevereiro de 2020, tínhamos cerca de 40 produtores inscritos no Algarve, em abril do mesmo ano, já passavam dos 200. E também nessa altura começamos a receber pedidos de outras regiões do país poderem chegar perto dos consumidores e foi assim que atingimos o marco de quase 300 produtores inscritos.
V.A. - Quantos membros tem a equipa da In Loco e que funções desempenham?
A.G. - Já chegamos a ter mais de 40 colaboradores, mas reduzimos para cerca de 23. A full-time não queremos mais pessoas neste momento, para uma gestão mais eficiente.
V.A. - A In Loco tem um polo em Salir. Que trabalho é desenvolvido nesse mesmo polo?
A.G. - Esse polo tem mesmo instalações físicas e já realizamos lá muitas formações e atividades. Loulé é um concelho de grandes dimensões e representatividade, com o qual sempre trabalhamos. Dai a sua importância. Foca-se, entre outros, nos agricultores, transformadores, proprietários de turismos rurais, apicultores, produtores de cortiça e medronho.
V.A. - Que projetos são aí desenvolvidos?
A.G. – Antes de mais, estamos a trabalhar muito bem. Tivemos, em plena pandemia, o convite da Câmara Municipal de Loulé, para organizar a produção local, de modo a conseguir-se fornecer cabazes de ajuda alimentar, uma vez que a autarquia já estava a prever a crise económica provocada pela pandemia da covid-19. Essa estrutura foi desde logo montada e a Câmara Municipal queria que esses bens alimentares viessem de produtores locais. Ajudamos a conceber ementas, com a equipa do «Prato Certo», identificamos produtores e foi um trabalho muito útil que ainda se mantém de pé.
Temos muitos outros projetos com o concelho de Loulé para ajudar a dinamizar e apoiar a produção local e organizar mercados e feiras.
V.A. - Que estratégias tem preparadas para o futuro da In Loco?
A.G. - Apostar na Dieta Mediterrânea, é um dos eixos estratégicos para o próximo Quadro Comunitário de Apoio, o que significa que a nossa estratégia está alinhada com a Estratégia de Desenvolvimento Regional. Queremos continuar a apostar nessa abordagem integrada de salvaguarda e valorização do estilo de vida mediterrâneo e tudo o que este representa – produção, território, eficiência hídrica, água, solo, tudo questões que estão na base e são fundamentais para criar produtos de qualidade, prestação de serviços e uma qualidade de vida para a população digna.
Por: Filipe Vilhena