Pedro Valadas Monteiro, Diretor Regional da Agricultura e Pescas do Algarve, nesta entrevista fala dos objetivos da DRAP Algarve, a importância da pecuária, da produção de abacate no Algarve e da escassez de água na região.
A Voz do Algarve (V.A.) - Tomou posse da DRAP Algarve em dezembro de 2018, para um mandato de cinco anos. Nestes três anos, que balanço faz?
Pedro Valadas Monteiro (P.M.) - Começo por dizer que o balanço é positivo. Conseguimos cumprir uma parte substancial daquilo a que nos propusemos, mas também sabemos que outras coisas poderiam ter sido feitas. Destaco o setor agroalimentar do Algarve, que tem conseguido afirmar-se e onde tem havido cada vez mais a perceção de que é importante termos uma transformação na agricultura e que esta é fundamental na economia, assim como as pescas e a aquacultura, por exemplo. Todos estes setores são importantes para conseguirmos diversificar a base económica do Algarve, que é uma região fortemente turística. O peso do turismo na criação da riqueza e do emprego é fundamental e, se juntarmos os setores que estão relacionados, como os serviços e o imobiliário, temos uma importância avassaladora. E isso não é saudável, quer do ponto de vista da estrutura económica da região, quer na ocupação do território. O Algarve é uma região assimétrica, uma vez que temos uma faixa do litoral central onde se concentra a maioria da população e temos um interior empobrecido, envelhecido, abandonado e vulnerável.
V.A. - Qual é a importância da pecuária para o Algarve e como são protegidas as raças autóctones? Qual é o papel da DRAP neste setor?
P.M. - A Política Agrícola Comum sempre teve um pilar ligado ao desenvolvimento rural, não só para a produção agrícola, mas para a pequena transformação, requalificação de equipamentos, apoio à pecuária e agricultura. Aquilo a que nos propomos é precisamente o apoio às raças autóctones e aqui no Algarve temos três: a ovelha churra algarvia, a cabra algarvia e uma que está quase extinta (sobram cerca de 11 exemplares), que é a vaca algarvia, que queremos obviamente salvaguardar. A produção pecuária tem esta importância porque, por um lado serve de complemento ao rendimento – tanto agrícola, como florestal – e, por outro, serve para fazer a limpeza dos terrenos. Penso que é uma das lacunas que temos no Algarve, é não ter uma unidade que possa fazer o abate de animais na região. O Algarve é a única região do país que não tem um matadouro e isso coloca-nos numa situação extremamente complicada do ponto de vista competitivo, porque os produtores pecuários são obrigados a vender a comerciantes que podem abater o animal e o preço é depois reduzido. O facto de não existir um matadouro aumenta também os custos de produção.
V.A. - Falou da importância do matadouro para a região Algarvia. O que falta afinal para haver um matadouro na região?
P.M. - O que faz falta é fazer uma sensibilização junto da AMAL, uma vez que os Municípios são estratégicos. É ainda necessário o envolvimento das Associações, que acaba por estar garantido porque os produtores são os principais defensores destes projetos. Os autarcas algarvios também estão conscientes da necessidade de “puxarmos” pelo interior do território, porque algumas atividades só são exequíveis lá, como a agricultura, a pecuária e a floresta. Existe essa sensibilização para a necessidade de existirem políticas ativas de promoção do interior. O nosso foco cada vez mais no Algarve, deve ser “casar” a agricultura empresarial e competitiva e a agricultura “mais pequena”.
V.A. - A laranja do Algarve é um dos produtos de maior qualidade na região. Como é visto esta fruta no estrangeiro em termos de qualidade e o que traz de bom para o Algarve? Que outros produtos hortícolas se destacam?
P.M. - A laranja do Algarve funciona quase como uma “bandeira” da fruticultura nacional. Estamos constantemente a ouvir falar da presença da insígnia estrangeira na grande distribuição, para além da nacional que já está cativada. É também interessante perceber que antes não havia uma boa relação entre a produção e a grande distribuição (estamos a falar de hipermercados estrangeiros e nacionais) e hoje fazem questão de divulgar que compraram produtos nacionais para venda, quer seja em Portugal, como noutros países. A fruta algarvia tem normalmente uma resiliência a quebras de preços, porque o consumidor consegue perceber que a qualidade aqui produzida é diferenciada. Falamos da laranja, abacate, framboesa e até mesmo em plantas ornamentais. Temos aqui viveiros de plantas ornamentais que vão para o estrangeiro, pela sua enorme qualidade devido ao clima algarvio. A questão da qualidade afirma cada vez mais a produção regional, nomeadamente dos hortofrutícolas do Algarve. Temos de criar uma marca de qualidade junto do consumidor.
Outro desafio que temos atualmente em mãos, é criar uma IGP – Indicação Geográfica Protegida da alfarroba do Algarve. Esta é uma fruta bastante versátil, que cresce de forma natural e sem adição de químicos e, por isso, é procurada pelo consumidor a nível internacional. O vinho no Algarve também tem tido uma crescente procura e os produtores individuais têm feito o vinho e a vinha algarvia “renascer”. Isto deve-se ao investimento em novas tecnologias, castas adequadas ao clima e ao solo. Algumas das melhores casas produtoras de vinho a nível nacional já têm quintas no Algarve.
Temos de fazer uma articulação entre aquilo que são os setores mais importantes do Algarve, que é o turismo, a agricultura e as pescas.
V.A. - Este ano, a alfarroba chegou a ultrapassar os 50 euros a arroba. Porque é que isto aconteceu?
P.M. - Há uma série de razões para este aumento. A alfarroba é um produto que desde sempre viu a sua cotação resultar da aplicação industrial que é feito das duas grandes componentes da vagem: que é a semente ou a grainha e a polpa. Evidentemente, que a componente que dá grande valorização da alfarroba é a semente – mas aí existe um problema, porque a semente só vale cerca de 10% do peso da vagem, sendo que o resto é a polpa que vale cerca 90% do peso, mas só vale cerca de 20% do valor. A grainha, pesando 10%, é responsável por 80% do valor criado. O que está a acontecer é que cada vez a polpa é utilizada e valorizada, nomeadamente através da farinha.
V.A. - Existe uma grande polémica sobre o consumo de água na produção do abacate. É verdade que o abacate gasta mais água que a laranja? Ou os valores são próximos, como afirmam outros estudos?
P.M. - É importante primeiro realçar que dados recentes mostram que o Algarve produz cerca de 15 mil toneladas de abacate, fazendo desta região a maior produtora desta fruta. Temos tabelas onde definimos o consumo de água para as principais culturas do regadio. Esse estudo mostra que o consumo do abacate anda muito próximo dos citrinos. Está ainda discriminado nesse estudo que há outras culturas no país que consomem mais água, como o milho e o nogueiral, entre outras, por exemplo.
V.A. - Hoje em dia temos cerca de 15 mil hectares de citrinos no Algarve, contra 2.050 hectares de abacate. O abacate já consegue fazer “sombra” aos citrinos no que toca a importância para a região?
P.M. - O abacate não é uma ameaça à laranja, porque o aumento da área do primeiro não se está a fazer à custa da conversão de áreas dos citrinos ou da alfarrobeira. Alias, as alfarrobeiras até aumentaram a sua área. Hoje em dia, a tecnologia que existe já nos permite fazer hortofrutícolas até à serra, sendo que o abacate tem aí uma limitação natural, porque é uma espécie muito suscetível à geada e solos com má drenagem. O abacate, contudo, não tem muitas pragas, identificámos apenas um pequeno ácaro, o que é uma vantagem ao nível do custo de produção e da qualidade do produto. O crescimento do abacate não advém do consumidor nacional, pois este vai para o mercado de exportação. Existem outros países a produzir, mas a qualidade do abacate produzido no Algarve destaca-se e é por isso que tem vindo a ganhar importância no mercado de exportação. O agricultor é um empresário, que produz aquilo que também é rentável para si, obviamente.
V.A. - Porque é que se construiu a ideia de que o abacate consome muita água?
P.M. - Porque estamos numa região que tem escassez de água e que tem um problema crítico estrutural de défice de aprovisionamento de água.
V.A. - O que podemos fazer para colmatar essa escassez de água, resultante dos períodos de seca que são cada vez maiores?
P.M. - O que observamos no Algarve é que, de ano para ano, o volume de precipitação média acumulada tem vindo a diminuir. Também observamos que a distribuição é cada vez menos uniforme – sendo mais concentrada, menos frequente e com chuvas mais intensas. Esta questão levamos a pensar que devemos ter melhores estruturas de apanhamento para aproveitar essa água. Tudo pode ser feito, tendo em conta, claro, todas as questões. Não vou comentar a necessidade de mais uma barragem, mas sim de outras soluções do ponto de vida ambiental e financeiro. No Plano Regional de Eficiência Hídrica do Algarve, já estão inscritos um conjunto de investimentos que vão ser feitos ao nível do Programa de Recuperação e Resiliência, com 200 milhões de euros de verba, e que cobre várias dimensões, como a racionalização dos consumos e a educação para a utilização racional da água. Temos ainda as intervenções do ponto de vista do investimento, onde se destacam três setores: no abastecimento público e combate de perdas; a nível do turismo quer-se fazer investimentos nos campos de golfe para que o abastecimento de água seja feito a partir das águas residuais; e a dessalinizadora que tem custos elevados e problemas ambientais associados, mas que podem ser minimizados. Ir bombar água no Guadiana, na zona do Pomarão, e colocá-la na barragem de Odeleite, em Castro Marim, é uma solução que teremos de adotar, seguindo os exemplos de outros países. Cada vez mais o Algarve tem de ter um sistema integrado em que tenha diversas origens de água, como as subterrâneas, águas das Etar’s, para além daquilo que cai da precipitação. A Direção Regional da Agricultura e Pescas do Algarve propôs ainda a construção de dois açudes móveis insufláveis que permitam fazer a regularização e aproveitamento das chuvadas intensas para efetivar uma retenção temporária de água, em duas ribeiras: a Ribeira de Monchique e a Ribeira da Foupana, em Cortiçadas (Alcoutim e Castro Marim). Estes açudes têm outra vantagem, que é auxiliar na infiltração da água para recarga dos aquíferos que é extremamente importante para o Algarve – a agricultura depende 75% da utilização da água dos aquíferos. Com as alterações climáticas, temos de ter estruturas preparadas para continuarmos a ter agricultura e turismo. A água é fundamental para termos economia.
V.A. - Neste momento, já é permitido fazer furos? O que falta para essa suspensão ser levantada?
P.M. - Foi imposta uma moratória/suspensão para a emissão de novos títulos de utilização de recursos hídricos a partir de aquíferos. Antes existam 9 aquíferos, hoje em dia são 8 porque um recuperou a sua qualidade e quantidade e a suspensão foi levantada. A suspensão das outras mantém-se e só será levantada no dia em que a APA – Agência Portuguesa do Ambiente verificar que os níveis da qualidade e quantidade melhoraram.
V.A. - Com o aumento o combustível, como é que está a situação dos pescadores no Algarve. Vão existir alguns apoios?
P.M. - Estão previstos um pacote de medidas que estão a ser trabalhadas a nível da União Europeia. Essas medidas incidirão ao nível dos impostos e ajudas aos custos de produção. Quanto às taxas e licenças que são altas, essas são questões que poderão ser trabalhadas se se vir que há um encargo muito substantivo. Temos de garantir condições para que as pessoas possam continuar a exercer a sua atividade em condições que lhes permitam ter um determinado rendimento. Se o custo de produção aumentar, o preço de venda terá de aumentar também e isso levanta um problema ao nível do consumidor, que verá a escalada de preços. O apoio é fundamental ao nível do pescador e produtor, mas também na regulação de preços. Contudo, não vão existir problemas ao nível do abastecimento.
V.A. - Que outros projetos tem a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Algarve?
P.M. - Temos agora um projeto muito interessante, que tem a ver com a criação do Centro de Referência Nacional da Dieta Mediterrânica, nomeadamente no Centro de Experimentação Agrário de Tavira. É um projeto ambicioso e que resulta de um desafio que o Ministério da Agricultura colocou no sentido de tentar valorizar e divulgar cada vez mais a Dieta Mediterrânica. O que se pretende criar naquele centro, em parceria com a Câmara Municipal de Tavira e o ABC – Algarve Biomedical Centre, é um espaço de referência nacional na parte da alimentação, do agronómico, investigação e espécies adaptadas ao stress hídrico. Portanto, queremos continuar esse trabalho agronómico e noutras valências associadas à Dieta Mediterrânica, como a patrimonial, saúde e bem-estar e envelhecimento ativo. Temos boas perspetivas de financiamento e parceiros alinhados para este projeto.
Por: Nathalie Dias