Carlos Filipe é um fotografo especial. A sua área nem sempre foi a fotografia, mas foi nela que se encontrou, principalmente quando começou a fotografar animais com deficiência. O seu objetivo é mostrar a beleza dos animais e facilitar a adoção.

A Voz do Algarve (V.A.) - Como surge o seu gosto pela fotografia?

Carlos Filipe (C.F.) - O meu gosto pela fotografia surgiu há sensivelmente 12 anos, quando eu tinha 30 anos. Eu não sou natural do Algarve, mas vim para cá viver e não tinha muitos amigos na altura. Aos poucos comecei a desenvolver mais o gosto pela fotografia e fazia muitos autoretratos. Metia-me a mim como modelo, nos meus primeiros trabalhos.

V.A. - Apesar da fotografia ser a sua grande paixão, não é a sua formação académica. O que fazia antes?

C.F. - Eu estive na Universidade, tirei uma licenciatura como professor primário e trabalhei alguns anos na área, até mesmo na parte privada, mas era difícil conseguir colocações. Mudei depois de profissão, mas continuei a fotografar. Tenho formação de fotografia analógica e, para mim, a fotografia é algo que se tem de ter cá dentro o gosto. Mas temos de conhecer as bases, para conseguirmos construir a nossa parte mais artística.

V.A. - Iniciou-se na fotografia em autoretratos, mas a dada altura, teve de parar. Conte-me sobre esse momento.

C.F. - Comecei na parte dos autoretratos, mas depois comecei a explorar um pouco as várias vertentes da fotografia: moda, retrato, paisagem, casamentos e batizados. Foi então que cheguei a um ponto da minha vida em que estagnei a minha parte criativa. Isto tem muito a ver com a nossa forma de estar, porque eu sou muito exigente com o meu trabalho – costumo até dizer que não preciso de inimigos, deito-me abaixo facilmente. Como eu tinha esse lado, cheguei a um ponto em que perdi o rumo e já só pensava no resultado final, não pensava no processo de criação. Então decidi fazer uma paragem, despedi-me e fui conhecer o mundo. Como não tinha dinheiro, fui em busca de soluções e descobri que existam companhias áreas que contratavam pessoas em idade mais avançada para Comissário de Bordo e estive aí cerca de dois anos. Foi aí que me comecei a encontrar e vi que existia um mundo para além daquilo que eu conhecia. Conheci vários países, vivi na Austrália quatro meses e quando voltei a minha cabeça estava mais “aberta”. Decidi então recomeçar o meu processo artístico novamente e voltei a fotografar. Fiz trabalhos muito interessantes. Quando eu voltei, um jornalista de Lisboa convidou-me para fazer uma exposição online e o título que eu lhe dei foi “A Ressurreição”, porque achei que fazia sentido.

V.A. - E quando é que começa a fotografar animais?

C.F. - Os animais surgiram mais tarde, porque eu senti que faltava algo que me inspirasse e também sentia falta de companhia, então decidi adotar um animal. Contudo, o meu cão, o Boris, apareceu na minha vida de forma natural, porque foi encontrado na rua e quando o vi, automaticamente percebi que era ele o animal que procurava. Comecei então a fotografar o Boris e, a primeira reação das pessoas, foi chamar-me “maluco”, mas depois começaram a gostar. Eu gostava de ajudar associações de animais, mas não tenho muito à vontade para recolher cães de rua, é algo que mexe muito comigo, então pensei em oferecer os meus serviços como fotografo. Criei um evento onde eu montava o estúdio em qualquer sítio onde estivessem a decorrer ações solidárias e se quisessem tirar uma foto com o seu animal, pagavam um valor e esse dinheiro ia diretamente para a associação. No meu primeiro evento conseguimos angariar cerca de 400 euros. Já fiz cerca de 6 ações solidárias, onde conseguimos juntar quase cinco mil euros. Com a covid-19, tivemos de parar.

V.A. - Como passamos dos animais para os animais com problemas físicos?

C.F. - Quando eu estava a fazer a primeira ação solidária, apareceu-me uma cadela solidária e eu fiquei estupefacto. Nunca tinha tido contacto com um animal naquela condição. Depois de falar com os donos, fiquei horrorizado com a história, porque aquela cadela tinha sido atropelada e tinha de ser amputada, mas a antiga dona não quis. Quem ficou com a cadela, foi a senhora da clínica e era ela que estava ali à minha frente a relatar tudo. Foi um choque. Ao mesmo tempo, fiquei com vontade de fotografar, posteriormente, a cadela e mostrá-la de uma forma mais bela. Eu queria que a história dela e de outros animais como ela passasse cá para fora e falei com o João Ferreira, que trabalhava na ADAP – Associação Defesa de Animais de Portimão, para me ajudar a encontrar mais animais.

V.A. - Deve ter sido difícil para si lidar com toda a situação, uma vez que já assumiu ter algumas fragilidades…

C.F. - Sim, é verdade. Um dos primeiros casos que nós tivemos, foi de uma cadela em Portimão, a Fofinha, que não tinha olhos e estava muito debilitada. Cerca de uma hora depois da sessão, ela morreu através do processo da eutanásia. Guardo a imagem dela para sempre. Nessa altura, todos me questionavam se eu realmente deveria fotografar animais “especiais” ou não, porque eu sofria muito. Confesso que hoje ainda não tenho muitas defesas e choro, mas lido bem com a situação.

V.A. - A sua dedicação à causa levo-o mais longe e escreveu um livro no qual os animais que fotografou eram os protagonistas. Qual foi o objetivo deste?

C.F. - Para além de fotografar, eu tinha muita vontade de contar as histórias dos animais. A ideia inicial era apenas fotografias, mas eu convidei depois um colega meu de vídeo e gravamos os depoimentos dos donos a contar as histórias dos animais. Entretanto surgiu-me um convite da editora Almalusa para eu criar o livro. Como eu sei que existe muita gente que lê livros, transcrevi as entrevistas em vídeo. Nasceu assim os “Amigos Imperfeitos”, traduzido também em Inglês. Foi uma experiência muito boa e o livro tem também um QR code com hiperligação para o vídeo correspondente à história do animal. Esta obra foi vendida praticamente a preço de custo, porque o meu objetivo era mesmo dar atenção ao conteúdo. Tive várias apresentações e enviámos livros para vários locais da Europa.

V.A. - Qual é o segredo da sua comunicação com os animais? Para si, foi sempre fácil chegar até estes, visto que muitos têm problemas físicos e motores, o que pode agravar a comunicação?

C.F. - Ao princípio foi complicado, porque eu não estava habituado e fotografar animais não é fácil. Muitas das coisas que testava com o meu cão, não funcionava depois com outros. Contudo, tenho formação em professor primário e tive uma cadeira de Psicologia Infantil, onde descobri que ela é aplicada também aos animais. As crianças e os animais acabam por ser semelhantes em alguns pontos. E eu fui explorado várias dessas técnicas para chegar até ao animal. Temos de perceber o que os estimula, como a comida ou aos sons, mas há que ser muito criativo.

V.A. - Com uma notoriedade afirmada em toda a região algarvia, quem são as pessoas que o procuram?

C.F. - Diria que toda a gente. No início tínha a ideia de que eram mais os ingleses, mas, neste momento, o mercado português está a abrir. Existem muitas famílias que querem incluir o seu animal de estimação na fotografia, porque o consideram um membro da família. Nos últimos tempos, tenho também recebido muitas pessoas com animais seniores, uma vez que sabem que eventualmente estes irão partir em breve. As pessoas querem guardar recordações dos seus animais.

V.A. - Considera que uma boa fotografia, poderá facilitar a adoção?

C.F. - Sim, sem dúvida. Eu tenho essa experiência porque, quando comecei com os eventos, comecei a ser procurado pelas Associações para fotografar animais que estavam para adoção e, em alguns casos, esses animais foram adotados rapidamente. Gosto de dizer que a minha experiência contribuiu para isso. Não tenho vergonha de o dizer, mas existem animais que eu olho e penso: “nunca na minha vida o adotaria”, quer seja pelo aspeto ou pelas fotografias escuras e sem qualquer tipo de tratamento. E eu queria mesmo mostrar a essência do animal, com o seu brilho nos olhos e os traços e expressões que estes têm.

V.A. - Como é que uma pessoa se pode dirigir a um animal que é diferente, sem ser ofensivo?

C.F. - Nunca podemos ir com a postura de “coitadinho”, porque à partida nunca sabemos a história do animal. Talvez o que faz ser diferente, foi o que o salvou. Isto aplica-se também às pessoas, porque quando vemos alguém com alguma deficiência, temos de agir o mais “normal” possível”.

João Ferreira, amigo de Carlos Filipe, mostrou-nos os seus animais especiais

Tem 6 cães (3 com deficiência), dois gatos e uma cabra. Apaixonado por animais, João Ferreira, de 26 anos, mostrou-nos o Alex, cego e surdo de nascença, Spirit, que só tem três patas e a Allegra que não tem duas patas e cauda, tem problemas na coluna e é incontinente.

A trabalhar na ARA – Animal Rescue Algarve, em Loulé, João quer “passar a mensagem de que podemos agir normalmente”, mesmo tendo animais deficientes.

“Da mesma forma que não desistimos das pessoas com incapacidades, não podemos desistir dos animais. Adotem animais”, finaliza.

 

Por: Nathalie Dias