Presidente da APPII diz que o programa pode ser reformulado para ajudar a aumentar a oferta de casas à venda e para arrendar.
Foi em 2012, em plena crise financeira, que se começou a escrever a história dos vistos gold em Portugal. Durante 10 anos, este programa ajudou a alavancar a economia portuguesa e a dinamizar o imobiliário, atraindo investimento estrangeiro em troca de autorizações de residência no país. Mas - depois de uma revisão à lei introduzida no início deste ano devido à pressão dos partidos da esquerda para acabar com o programa - o futuro dos vistos dourados volta agora a estar na ordem do dia. O primeiro-ministro admitiu, publicamente, esta semana que o Governo está a avaliar o fim dos vistos gold. Surpreendido e preocupado com este anúncio, o setor imobiliário recusa-se, porém, a colocar um ponto final na história dos golden visa. Em contrapartida, acredita que há antes um novo capítulo para se escrever sobre os vistos dourados e apresenta um conjunto de soluções.
Em entrevista ao idealista/news, o presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII) reconhece que «o programa dos vistos gold pode e deve evoluir (…)», mas insiste que não pode acabar. «Deve ser redesenhado para responder às novas necessidades do país», defende Hugo Santos Ferreira. A grande proposta do presidente da APPII passa pela reformulação do programa dos vistos gold de forma a contribuir para o aumento da oferta de casas novas para vender e arrendar no país, ajudando, assim, a resolver o problema de oferta de habitação.
«O programa dos vistos gold pode e deve evoluir (...) fazendo face às nossas necessidades. A grande necessidade, que se agrava todos os anos, é a falta de habitação, que pode e deve ser resolvida pela criação de mais oferta, nomeadamente na construção nova. Essa podia ser uma boa forma de redesenhar o programa de forma a incentivar a construção nova».
A polémica em torno dos vistos gold voltou a instalar-se, depois de António Costa ter admitido, à margem do Web Summit, na quarta-feira, que o fim dos vistos gold está a ser estudado pelo Executivo socialista de maioria absoluta. «Há programas que nós estamos neste momento a reavaliar e um deles é o dos vistos gold que, provavelmente, já cumpriu a função que tinha a cumprir», disse o primeiro-ministro. «Neste momento, estamos a avaliar se os vistos gold fazem sentido», acrescentou o líder do Governo, sem avançar com mais detalhes ou datas.
O mercado imobiliário reagiu a este anúncio com «grande surpresa, mas também preocupação», admitiu Hugo Santos Ferreira em entrevista, frisando que esta declaração do primeiro-ministro só «vem trazer ruído e ainda mais instabilidade a um mercado que já vem vivendo um momento de incerteza, fruto do cenário macroeconómico e geopolítico internacional». O fim dos vistos gold não é uma opção em cima da mesa para o presidente da APPII, que considera que num momento de crise económica, como a que estamos a passar, o país precisa deste tipo de programas para atrair investimento.
A discussão à volta dos vistos gold não passa pela sua extinção, acredita Hugo Santos Ferreira. Há que «adicionar atividades no cardápio investimentos elegíveis [aos vistos gold], nomeadamente construção nova para aumentar a oferta de forma exponencial». Além disso, o porta-voz dos investidores e promotores imobiliários aponta também a criação de incentivos ao investimento no mercado de arrendamento, à compra de imóveis sustentáveis e ainda à inovação, tal como detalha em entrevista ao idealista/news que, agora, reproduzimos na íntegra.Como é que o setor imobiliário vê o anúncio do Governo sobre o estudo do fim dos vistos gold?
É com grande surpresa, mas também preocupação e consternação que o setor imobiliário viu este anúncio. Vem trazer ruído e ainda mais instabilidade a um mercado que, fruto do cenário macroeconómico e geopolítico internacional, já está a viver, naturalmente, um momento de incerteza e instabilidade. Se não fazia sentido uma declaração destas noutros momentos e, agora, é tudo o que não precisávamos nesta altura.
O Governo argumenta que o programa vistos gold já deverá ter cumprido a sua função nos últimos dez anos. Concordam?
Pensamos exatamente o contrário. E é curioso verificar que, em 2022, Portugal vive um período de conturbação, tal como no momento em que foi criado o programa, em 2012. São situações diferentes, porque naquela altura vivia-se uma crise financeira e, hoje, uma crise económica, mas, no fundo, são datas de incerteza em que se precisam programas como este para captar investimento.
E posso justificá-lo com dados: todos os anos o programa de vistos gold tem trazido, em média, cerca de 500 milhões de euros ao país em investimento. Só este ano, de janeiro a setembro, o golden visa já trouxe 465 milhões de euro. E em setembro quase 70 milhões de euros, só num mês.
A pergunta que fazemos agora é: se queremos acabar com este programa, de facto, onde é que pretendemos ir buscar estes montantes, que têm sido canalizados para o imobiliário? E convém não esquecer que este setor sustenta uma série de indústrias e fileiras económicas muitos importantes. Portanto, o programa está longe de ter os seus desígnios cumpridos. E, neste momento, é ainda mais importante. Agora, é claro que pode e deve evoluir.
É óbvio que as necessidades do país em 2012 /2013 não são as mesmas de 2022, isso é evidente. Mas, insisto, não podemos deixar de fora um programa que tem sido responsável por dinamizar a economia e por trazer dinheiro ao nosso país.
«Para um investidor golden visa que quisesse investir em Lisboa, uma das condições passaria por, em vez de proibir, obrigar a colocar o imóvel no mercado de arrendamento residencial de longa duração por um período mínimo» De que forma é que o programa dos vistos gold poderia ser reformulado para responder às atuais necessidades do país?
Temos vindo a sugerir ao Governo algumas hipóteses, como trazer a sustentabilidade, questões sociais, o arrendamento, a dinamização da inovação também para os vistos gold. Pensamos que é assim que o programa pode e deve evoluir e não a desperdiçarmos um programa que traz milhões de euros à economia por ano - e que é essencial.
Por exemplo, poderia ser pedido aos investidores imobiliários que quando comprassem um imóvel para efeitos de atividade de investimento gold visa, tivessem um nível de certificação energética de X. Assim estávamos a pôr os investidores em golden visa ao serviço da sustentabilidade, da melhoria do ambiente, bem como do nosso parque edificado. Era positivo para o país e ajudaria a responder à crise energética internacional. E, ao abrigo do Pacto Ecológico Europeu no combate às alterações climáticas, estaríamos em perfeita sintonia com as novas diretivas europeias nessa matéria.
Também sugerimos que poderíamos ligar o golden visa às questões sociais, por exemplo, através do arrendamento. Para um investidor golden visa que quisesse investir em Lisboa (zona de pressão urbanística, de facto) uma das condições passaria por, em vez de proibir, obrigar a colocar o imóvel no mercado de arrendamento residencial de longa duração por um período mínimo, por exemplo, de 5 anos, que é o mesmo prazo da atividade de investimento mínima exigida. Isso é facilmente comprovado mediante a apresentação de contratos de arrendamento, contrato de promessas de arrendamento. E, portanto, estávamos a colocar mais imóveis no mercado de arrendamento e a ajudar a nivelar o preço.
Mas também, porque não, ligar o investimento golden visa à questão da inovação do próprio país. Por exemplo, pedindo aos investidores que quisessem investir nas zonas de maior pressão urbanística (Lisboa e Porto) fizessem uma doação fiscalmente considerada a um fundo de inovação, para ajudar e contribuir para o desenvolvimento da inovação do nosso país.
Estas são várias ideias sempre na mesma lógica de adicionar mais atividades ao cardápio e pôr os golden visa ao serviço das novas necessidades do país.Os vistos gold poderiam portanto, na sua opinião, ser redesenhados para premiar a construção nova e assim aumentar a oferta de habitação, numa lógica semelhante ao benefício que se criou para a reabilitação urbana?
O programa dos vistos gold deve ser redesenhado para responder às necessidades do país. E realmente se a grande necessidade, que se agrava todos os anos, é a falta de habitação, que pode e deve ser resolvida pela criação de mais oferta, nomeadamente com construção nova, essa podia ser uma boa forma de reformular o programa. Mas sempre numa lógica de adicionar atividades dentro de um cardápio de investimento elegíveis no golden visa.
Ou seja, não limitar atividades, mas sim adicionar outras novas no cardápio de investimento elegíveis – nomeadamente a construção nova para aumentar a oferta de forma exponencial. Isto é importante de realçar porque deve ser o investidor a decidir onde alocar o seu capital. Não podemos querer obrigar o investidor a alocar o seu capital onde ele pode não ver interesse, porque isso só tem uma consequência: vai-se embora para outro país.
«O problema da subida dos preços das casas não tem que ver com o golden visa, tem a ver com outra questão: a falta de oferta e muita procura».
Sobre a acusação de que a subida de preços das casas e a falta de acesso à habitação por parte dos portugueses se devem aos vistos gold, o que tem a dizer?
Quanto à questão da subida dos preços das casas, de facto, insisto que não está relacionado. E os dados que têm sido sempre divulgados a respeito do golden visa dão estas métricas. Na Área Metropolitana do Porto apenas 0,9% das transações forem ligadas ao golden visa. E 2% na Área Metropolitana de Lisboa. E, portanto, estamos a falar de números muito reduzidos face ao total das transações imobiliárias realizadas. Mais: por cada mil imóveis transacionados apenas 7 foram indicados aos golden visa. Não é esse o ponto.
O problema da subida dos preços das casas não tem que ver com o golden visa, tem a ver com outra questão: a falta de oferta para muita procura e, portanto, desequilíbrio entre a procura e a oferta. E também resulta da valorização dos próprios ativos que se estão a qualificar, porque estamos a construir melhor, não mais, mas melhor. Isto leva a uma valorização dos ativos.
Também há um outro mito que importa desmontar, que é dizer que o golden visa leva à escassez de habitação acessível. São segmentos de mercado completamente diferentes. Para compararmos, o valor médio do investimento golden visa ronda os 575 mil euros. E um português de classe média compra uma habitação por um valor máximo de crédito hipotecário, a uma taxa de esforço de 33%, que rondará os 350 mil euros. Portanto, estamos a falar de valores completamente diferentes: a média de investimento dos vistos gold é muito acima do valor máximo de financiamento que um português de classe média pede aos bancos para comprar casa.
Há ainda a acusação de que os vistos gold de pouco têm servido para criar emprego em Portugal...
É uma falácia completa. De forma objetiva, já criou 220 postos de trabalho e, indiretamente, cria e sustenta milhares e milhares de postos de trabalho na construção, nos materiais, na reabilitação urbana, o próprio comércio e várias pequenas atividades que têm surgido nas cidades fruto também do dinamismo do turismo e de todos estes fenómenos.
O setor da construção terá cerca de 600 mil trabalhadores suportados muito por este tipo de programas, que investem naturalmente em atividades como o imobiliário. Mas também estamos a falar da indústria dos materiais de construção, e outras.
Por: Idealista