Miguel Madeira nasceu na Venezuela, tem 56 anos, e é filho de pais portugueses. Estudou na Universidade do Algarve e é, atualmente, funcionário da Câmara Municipal de Loulé. Nesta entrevista fala-nos da sua «aventura» pela escrita, do mais recente romance policial «A Quinta da Fonte da Pipa» e ainda das suas visões políticas em Loulé.
A Voz do Algarve (V.A.) – Viveu na Venezuela até aos sete anos e depois veio para Portugal, onde se mantém até agora. Desde pequeno que tem apetência para as letras?
Miguel Madeira (M.M.) - Curiosamente, o meu gosto quando era miúdo era mais pelo desenho do que pela escrita. Contudo, sempre gostei imenso de ler e creio que o gosto pela escrita começa sempre pela leitura. Na altura da minha juventude, o livro era uma companhia, uma vez que não existia internet ou telemóveis. A leitura era uma forma de conhecer pessoas e territórios.
O gosto pela leitura materializou-se quando em 1991 fui convidado pelo Presidente Joaquim Vairinhos para dirigir um serviço na Divisão da Juventude na Câmara Municipal de Loulé. Para dar a conhecer o que era feito nessa divisão, o Presidente pedia-me para produzir pequenos comunicados de imprensa e, nessa altura, comecei a questionar-me sobre o porquê de não escrever. Posso acrescentar que o Jornal “A Voz de Loulé” foi o primeiro espaço onde eu publiquei crónicas e comecei a ter aí algum feedback.
V.A. - Depois de ter publicado dois livros um sobre crónicas que foi publicando na imprensa regional e um outro sobre a “Governança Municipal”, os seus últimos trabalhos são romances. Fale-nos um pouco desse percurso. Quais são as suas fontes de inspiração?
M.M. - O livro “A Cruzada” surge de uma coletânea de crónicas do Jornal “Algarve Hoje”. Na altura o que eu escrevia tinha um certo impacto na dinâmica político-partidária local. Houve quem me incentivasse a recolher as crónicas e publicá-las num livro. Em 2006 saí o livro “A Cruzada” e eu tenho de afirmar que, apesar de respeitar muito o trabalho dos jornais, o livro dá uma dignidade enorme aos textos no sentido em que as pessoas o guardam e estimam bastante. Todo o processo de elaborar o livro até à apresentação, fez-me querer continuar a escrever.
O segundo livro, que tem o nome “Governança Municipal”, é um trabalho académico e surgiu naturalmente, porque foi passar para livro a minha dissertação de Mestrado. Nesse sentido, a obra tem pequenos ajustes e contém uma homenagem ao Professor Doutor António Covas, que é na minha opinião uma pessoa brilhante e que me ajudou na altura da elaboração da dissertação de Mestrado. Posso dizer que fui um dos primeiros autores a publicar sobre a “Governança Municipal”, uma vez que havia pouco material sobre esta temática.
"Eu sempre fui fascinado por séries e livros policiais e, além disso, considero que os romances policiais se aproximam do público – porque toda a gente gosta de um bom mistério".
V.A. – Podemos dizer que “A Cruzada” e a “Governança Municipal” foram livros “diferentes” do que faz agora, uma vez que está atualmente a produzir romances policiais? Porquê este “salto”?
M.M. - Eu sempre fui fascinado por séries e livros policiais e, além disso, considero que os romances policiais se aproximam do público – porque toda a gente gosta de um bom mistério. O terceiro livro surge porque eu queria chegar a mais público.
V.A. - Depois de “A Obsessão”, surge a “A Vingança”. Porquê a escolha de títulos curtos e misteriosos para estas obras?
M.M. - Em relação aos títulos, creio que estes refletem de forma sucinta o principal móbil da obra. Nesse sentido, quem ler “A Obsessão” vai perceber que há uma personagem que comete um conjunto de crimes precisamente pela obsessão que tem por outra personagem com quem gostava de ter uma relação afetiva. “A Vingança” é uma continuação da história, mas que se percebe bem caso seja lida de forma separada.
Uma preocupação minha com os títulos, é criar algo curto para que o público possa fixar. Não mantive essa lógica no último livro, “A Quinta da Fonte da Pipa”.
V.A. - “A Quinta da Fonte da Pipa” tem várias personagens que podem ser interpretadas como personalidades da cidade de Loulé. Quando se inspira para criar personagens, visualiza a pessoa ou faz uma construção do zero?
M.M. - É um processo misto. Relativamente às histórias em concreto, nada tem a ver com a realidade. A minha opinião sobre os lugares, é que eu consigo dar mais consistência às histórias escrevendo sobre lugares que eu conheço e, consequentemente, esses locais são frequentados por determinadas pessoas – que também existem e que eu coloco em posições que diferem da realidade. Eu senti uma vontade imensa de homenagear espaços e pessoas de Loulé, como Manuel Farrajota, Barros Madeira, Manuel Guerreiro Gonçalves e Daniel Castro. É interessante perceber que existem pessoas que depois me questionam sobre personagens do livro e a sua ligação às gentes de Loulé. Por norma, o público gosta desta representatividade.
V.A. - O que é que uma pessoa pode esperar ao ler “A Quinta da Fonte da Pipa”? É uma história sobre toda a narrativa que envolve a quinta e que é conhecida pelas gentes de Loulé?
M.M. - Não, o livro não se reporta à história da Quinta da Fonte da Pipa. Fiz uma pesquisa com dados da quinta, alguns fornecidos pelo Mendes Bota, mas a história é diferente. No livro, o imóvel é mais velho do que na realidade é, portanto existe aqui a parte da ficção muito presente. Chamei a este livro “A Quinta da Fonte da Pipa” por ser um título que funciona como “cartão de visita” para a história, que decorre nesse emblemático espaço.
V.A. - Como é que o Miguel Madeira se define como escritor?
M.M. - É uma pergunta difícil. Diria que sou um escritor em construção. Identifico-me com a dinâmica que os livros policiais têm, com todas as suas particularidades de crimes, mistério e suspeitos. Eu escrevo, não me considero profissional, portanto é um investimento meu também. Nos meus tempos livres, ocupo o meu tempo com a escrita e isso dá-me bastante satisfação pessoal. O reconhecimento que vou encontrando, acrescenta-me incentivo.
V.A. - Destes cinco livros que já lançou, todos foram pagos do seu bolso ou teve algum apoio financeiro?
M.M. - Tive alguns apoios, mas é um esforço que eu mesmo tive de fazer para o alcançar. Existe uma aposta por parte das editoras em escritores, mas apenas nos mais reconhecidos – o que eu compreendo. Portanto, escritores com menos reconhecimento, têm de ajudar a suportar os custos dos livros a par das editoras. O retorno de vendas dos livros acaba por equilibrar um pouco as contas.
V.A. - O que acha que poderia ser feito pelas autarquias a nível de apoios na cultura?
M.M. - Para responder a essa questão vou dar um exemplo real do que aconteceu comigo: depois de editar “A Quinta da Fonte da Pipa” dirigi cartas a várias entidades públicas, nomeadamente as autarquias, que são, por regra, detentoras de Bibliotecas. No que diz respeito à Câmara Municipal de Loulé e a todas as Juntas de Freguesia do concelho, apenas um respondeu e adquiriu 10 exemplares do livro. Isso é demonstrativo da visão que estes órgãos têm em relação à cultura. Não sei se será uma questão de natureza pessoal ou política (devido às diferenças no partido político), mas a verdade é que outros Municípios manifestaram resposta. O livro d’ “A Quinta da Fonte da Pipa” existe na Biblioteca Municipal de Loulé porque eu doei exemplares. Eu sou de Loulé, tenho família em Loulé e posso até dizer que a minha bisavó inaugurou o Mercado Municipal. A minha ligação a este concelho é inquestionável e eu trabalho na Câmara Municipal de Loulé.
"Neste momento não ocupo cargos partidários, mas, mesmo como cidadão, não posso ficar calado".
V.A. - Ao longo das suas mais de duas décadas de atividade profissional, teve certamente oportunidade de acompanhar a gestão autárquica. Como vê a evolução do nosso concelho nas últimas duas décadas?
M.M. - No âmbito cultural tem existido um processo de continuidade, no sentido em que as iniciativas têm passado de mandatos para mandatos – portanto, existe uma preocupação em dignificar este concelho de alguma forma. É justo reconhecer também a importância do Festival MED, da Noite Branca ou do Salir do Tempo.
Relativamente à questão do apoio ao livro, não tenho dados para perceber como estão as coisas, mas falei do meu caso em concreto. Contudo, penso que quem detém o poder público, poderia colocar regulamentos e regras, que permitissem às pessoas recorrer a determinados apoios. Com isto, iriamos robustecer o nosso círculo cultural, porque a cultura é feita por pessoas. Se, eventualmente, eu me tornasse reconhecido na escrita, seria benéfico para o concelho – por exemplo – e o mesmo aconteceria com outros autores. Nos meus livros eu falo do que é do concelho: das ruas, praias e de restaurantes e creio que, com isto, estou a suscitar curiosidade dos leitores, para além de ser um registo da realidade que acontece em Loulé.
Deveria existir um apoio mais expressivo no que diz respeito à edição em papel. Os jovens estão mais familiarizados com o suporte eletrónico, porém, muitas vezes, esquecemo-nos das pessoas que ainda dão significado ao papel. Tem de existir uma resposta para o largo espectro de pessoas que existe. Os jornais desapareceram das mesas dos cafés, dos dentistas e dos restaurantes e quando perguntamos a alguém o que está a ser feito, ninguém sabe de nada. E o que é publicado, é controlado por aquele que é o detentor da informação, não há contraditório e, por isso, as pessoas se começaram a desligar do fenómeno político. Não há jornais de borla e, para fomentar a cidadania é necessário que existam determinados financiamentos. E para quem acha que “isso custa demasiado dinheiro”, eu posso deixar a dica: às vezes seria só abdicarmos de um espetáculo e já teríamos apoiado, de forma significativa, muitas pessoas.
Neste momento não ocupo cargos partidários, mas, mesmo como cidadão, não posso ficar calado.
V.A. – Contudo, o seu nome foi sondado para ser candidato à Câmara Municipal de Loulé…
Não nego. Contudo, é preciso dizer que o processo de escolha de um candidato tem um timing e, nessa altura houve essa hipótese por parte do PSD, mas o partido decidiu depois envergar por outros caminhos. Eu sou pelas regras, mesmo quando elas não me são convenientes, e portanto, nunca procuro desvalorizar decisões. Houve uma sondagem, que serviria como instrumento de decisão, e quem de direito decidiu e fez a escolha, sendo que os cidadãos se pronunciaram depois sobre a mesma. O que é importante é que no ano de 2025 as pessoas sintam que a oferta de candidatos vá ao encontro dos seus anseios e esperanças. A política tem um enviesamento que é: os votantes escolhem o candidato que os partidos “lhe põem à frente”.
V.A. - Se fosse sondado para ser candidato à Câmara Municipal de Loulé, ponderaria ocupar um cargo político?
M.M. - Pondero. Desde 1988, quando comecei a lecionar educação física na Escola D. Dinis de Quarteira, estou ligado à causa pública. Quer seja no emprego, na saúde, na autarquia, como convidado na UAlg ou como dirigente associativo, posso dizer que a minha vida tem estado sempre ligada à causa pública. É um desafio que ponderaria de uma forma muito ativa.
V.A. - Se estivesse nas suas mãos gerir um concelho como o de Loulé, ou de Faro, que medidas imediatas tomaria para melhorar a cultura ou outra área de atividade autárquica?
M.M. - No que diz respeito ao concelho de Loulé, eu diria que tem de haver uma grande preocupação em colocar a Câmara Municipal a funcionar melhor e ao serviço dos seus cidadãos. É um esforço muito grande, mas que seria feito, entre outras coisas, atendendo às condições de trabalho dos colaboradores e à preparação dos serviços no que toca ao tempo de resposta. Não se pode deixar que alguém faça um investimento em Loulé e depois, quando submetidos os processos de licenciamento ao Município, acabe por ficar tudo parado e este se torne um processo demorado e que prejudique as expectativas dos interessados. Estas questões produzem uma má imagem no concelho de Loulé.
Há ainda uma questão que não consigo compreender. Loulé, que tem o primeiro e único Plano Diretor Municipal aprovado em 1995, tem feito sucessivos ajustes ao mesmo, determinados pela Administração Central (porque são necessários fazer), mas não aposta numa revisão profunda que permita criar condições para que o concelho consiga aproveitar todo o seu potencial.
A habitação é também uma área crítica. É uma realidade para a qual o Município de Loulé está a despertar, mas com os vencimentos que os trabalhadores recebem, principalmente os jovens, é-lhes impossível sair de casa dos pais.
Os idosos são também uma preocupação, porque os filhos não têm condições para acolher os pais em casa, devido à tipologia das habitações. Para os que têm capacidade de autonomia, sem apoios, há suportes que lhes têm de ser concedidos (quer em alimentação, quer em higiene das casas), que tem de ser feita em estreita parceria com os agentes associativos, IPSS´s e Misericórdias. Caso contrário, não é possível que tenhamos uma população sénior com qualidade de vida. É necessário a Câmara Municipal se empenhar de forma mais ativa nesta questão.
A autarquia de Loulé não tem de fazer escolhas sobre resolver um ou outro problema, porque tem capacidade financeira para resolver ambos. É preciso ter aptidão para materializar estas necessidades que existem e isso só se faz com uma liderança com outras características.
V.A. - Se pudesse enviar um recado a alguém, a quem enviava e o que diria?
M.M. - O recado que eu daria é que os cidadãos louletanos, empenhados e apaixonados por esta terra como eu, temos a obrigação de oferecer às pessoas deste concelho uma alternativa. Se as coisas estão desta forma, é porque existe alguém satisfeito. Contudo, creio que há outro caminho possível, mas para isso é preciso que certas pessoas que já sentem ter cumprido o seu dever, protagonizem uma alternativa ou ajudem a construir uma alternativa.
V.A. - Quem quiser comprar o seu livro onde o pode encontrar?
M.M. - Os livros estão disponíveis em mãos em Loulé, através de uma mensagem no Facebook, por exemplo. Caso contrário, no site “Pela Positiva”, existe no final de cada crónica que publico o link para puderem adquirir o livro.
Por: Nathalie Dias