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BdP vai tornar acesso ao crédito habitação mais fácil - explicamos

16:02 - 08/08/2023 ECONOMIA
Teste de stress aplicado nos empréstimos para medir a taxa de esforço vai descer de 3% para 1,5%, para acomodar taxas de juro.

A revisão do cálculo que serve de base à concessão de crédito habitação vai mesmo avançar. O Banco de Portugal (BdP) já veio a público anunciar que vai aliviar a recomendação da taxa de esforço, reduzindo o teste de stress dos atuais 3% para 1,5%, de forma a facilitar o acesso ao crédito habitação para comprar casa em Portugal. Explicamos tudo o que vai mudar na hora de pedir um empréstimo para comprar casa em Portugal, em breve. Não percas este guia preparado pelo idealista/news.

Foi no início de julho, que a vice-governadora do BdP, Clara Raposo, anunciou que o regulador português estava a ponderar rever o teste de stress aplicado na concessão de créditos habitação, sem ter revelado qual seria a dimensão e os termos da sua descida. A ideia de base era aligeirar os critérios nos empréstimos habitação e adequar a recomendação macroprudencial ao contexto atual marcado pelos juros em alta – até porque quando entrou em vigor, em 2018, as taxas de juros estavam negativas.

Agora, já se sabe oficialmente que esta alteração do cálculo das taxas de esforço vai mesmo andar para a frente, reduzindo o teste de stress de 3% para 1,5%. Explicamos qual é o impacto deste alívio das taxas de esforço no crédito habitação em Portugal neste guia.

O que vai mudar no cálculo da taxa de esforço no crédito habitação?

Hoje, quando uma família se dirige ao banco para contratar um crédito habitação de taxa variável com prazo superior a 10 anos, a instituição bancária simula qual seria a taxa de esforço do cliente caso a taxa Euribor subisse 3%. E nesse teste de esforço, as famílias não podem gastar mais de 50% do seu rendimento para pagar a prestação da casa.

Ou seja, atualmente com a taxa Euribor a 12 meses (a mais usada no crédito habitação) a 4%, o teste de esforço põe a taxa de juro simulada em 7%, um valor que significaria um grande esforço para pagar a prestação da casa, impedindo muitos de aceder a um novo crédito para comprar casa.

Agora, este cálculo vai mudar: ao invés do teste de stress de 3%, a taxa de esforço vai ser calculada com um teste de stress de 1,5%. Recorrendo ao mesmo exemplo, significa que a taxa de juro em situação de stress estaria nos 5,5% (menos 1,5 pontos percentuais à atualmente calculada).

Porque é que o BdP decidiu avançar com mudanças no teste de stress?

O Banco de Portugal considera que, com os atuais níveis das taxas de juro, não se justifica simular um aumento tão considerável – isto porque as taxas de juro na Zona Euro nunca estiveram nos níveis considerados hoje no teste, de 7%, por exemplo. Portanto, a ideia passa por adaptar esta regra àquilo que é o contexto atual das taxas de juro e do mercado.

Além disso, o regulador e supervisor bancário admite que a alteração da recomendação permitirá a mais famílias acederem a crédito habitação, sem com isso comprometer a prudência que os bancos devem ter na concessão de empréstimos, refere a Lusa.

concessão de créditos habitação tem vindo a arrefecer em Portugal. Em junho passado, os bancos emprestaram 1.524 milhões de euros em crédito habitação (a taxa de juro média dos empréstimos para habitação própria permanente a taxa variável atingiu 4,37%), menos 8,7% do que os 1.402 milhões de euros do mesmo mês de 2022 (quando a taxa de juro média foi de 1,47%). De notar que as renegociações dos créditos têm vindo a subir, assim como as amortizações antecipadas, o que ajuda a explicar estes números.

A mudança no cálculo da taxa de esforço já está em vigor?

Não. Esta alteração já foi aprovada no Conselho de Administração do Banco de Portugal, mas ainda terá de ser colocada em consulta pública (o que acontecerá para a semana durante 30 dias úteis).

Tudo indica que as alterações aos testes de stress deverão entrar em vigor no fim do verão ou no início do outono (em outubro, em concreto). A partir desta data, as taxas de esforço dos novos contratos de crédito habitação já vão ser calculadas com as novas regras.

Acesso ao crédito habitação mais fácil
 
Foto de Alex Green no Pexels

 

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Qual o impacto desta revisão do teste de stress na concessão de crédito habitação?

A ideia é, portanto, tornar o acesso ao crédito habitação mais fácil, com a redução para metade do teste de stress. Antes de se tornar público a dimensão desta alteração, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) já havia dito que vê “esta medida como positiva, considerando que os bancos já tinham referido, algumas vezes, que o atual limite estaria a dificultar o acesso das famílias ao crédito".

Também Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal assume que o teste de stress no patamar dos 3% “coloca muitas famílias fora da possibilidade de obter um crédito habitação” e, por isso, concorda que “os mecanismos de controlo de risco de incumprimento devem ser ajustados às diferentes situações de mercado".

Mas há quem assuma que esta medida terá baixo impacto. “O impacto no mercado não será assim tão grande, até porque os bancos têm a possibilidade de poderem financiar famílias que neste momento já não cumpram estes critérios, tendo de explicar porque é que o fazem. Por exemplo, famílias que têm rendimentos mais baixos, mas têm património muito elevado. Creio que [a revisão] facilita de alguma forma a atividade dos bancos que têm de justificar menos casos do que até agora. E no caso dos bancos que rejeitam crédito a quem não passa neste teste de stress, poderão fazer a aprovação a mais famílias”, explicou o economista Filipe Garcia à Antena 1, admitindo que esta alteração pode vir confirmar a ideia de que os juros não deverão subir muito mais.

Também Natália Nunes, diretora do Gabinete de Protecção Financeira da Deco, admite que esta alteração “ teoricamente aumenta as probabilidades de aceder ao crédito habitação”. Mas considera que não vai resolver o problema do acesso à habitação e "até poderá levar a mais riscos, porque no fundo alarga o quadro de dívida das famílias”, explicou citada pelo Público.

Isto porque várias fontes de mercado consideram que é a falta de rendimento dos clientes - sobretudo os baixos salários - face aos elevados preços das casas o maior impedimento no acesso ao crédito habitação e não tanto a questão dos testes de stress.

Com esta revisão a prestação da casa pode baixar?

Não. O teste de stress é utilizado para simular a capacidade financeira das famílias de fazer face a um cenário de choque de juros. Esta simulação é realizada no antes do crédito habitação ser concedido, para verificar se a taxa de esforço obtida é ou não inferior a 50% num cenário adverso.

Nada tem que ver com a taxa de juro efetivamente paga, que resulta da soma do spread com a Euribor contratada. Portanto, a prestação da casa indexada a taxa variável só pode descer se for mudada uma destas variáveis: ou há renegociação do spread com o banco ou a Euribor desce.

As mudanças no teste de stress influenciam créditos a taxa mista e fixa?

Este teste de stress é aplicado no cálculo da taxa de esforço apenas para os créditos habitação de taxa variável e mista (correspondente ao período variável), mas não aos empréstimos de taxa fixa.

Isto porque a ideia é testar a capacidade financeira das famílias para fazer face ao custo das prestações da casa num contexto de subida de juros àquele patamar. Este cenário não se verifica nas taxas fixas, uma vez que as prestações da casa não mexem no início ao fim do contrato.

Já a taxa mista, como nome indica, inclui um período inicial de juros fixos (5 ou 10 anos, por exemplo), seguido de um período de taxa variável, pelo que o teste de stress vai influenciar sim o cálculo da taxa de esforço no período variável.

Pedir crédito habitação em Portugal
 
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A alteração do cálculo da taxa de esforço aplica-se aos créditos ao consumo?  

Sim, a medida já aprovada em Conselho de Administração do Banco de Portugal também se aplica sobre o crédito ao consumo.

Como muda o cálculo das taxas de esforço para empréstimos com prazos mais baixos?

A recomendação do BdP determina que quanto maior for o prazo de pagamento do crédito maior será o teste de stress utilizado para simular uma eventual subida de juros (varia entre 1% e 3%, se o prazo for inferior a 5 anos ou superior a 10 anos, respetivamente).

Já vimos que no caso dos créditos habitação – que geralmente têm prazos alargados, acima dos 10 anos – o teste de stress vai baixar de 3% para 1,5%. E assim vão mudar para os créditos com prazos mais baixos (geralmente aplicados aos créditos ao consumo):

  • Se o contrato de crédito tiver prazo igual ou inferior a 5 anos, o teste de stress deverá baixar de 1% para 0,5%;
  • Se o contrato de crédito tiver um prazo superior a 5 anos e igual ou inferior a 10 anos, o choque baixa de 2% para 1%.

Há mais alterações nos limites colocados ao crédito habitação?

Não. Esta será mesmo a única medida macroprudencial que vai mudar. Todas as outras recomendações do BdP vão permanecer inalteradas, como é o caso dos prazos dos créditos habitação consoante a idade e os limites do montante emprestado (até 90% do valor mais baixo entre a avaliação e o preço da casa).