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Fim do RNH suavizado em 2024: quem vai poder beneficiar do regime?

10:40 - 16/12/2023 ECONOMIA
Especialistas revelam novidades, confirmando que ainda há falta de informação oficial sobre as mudanças do RNH no OE2024.

O regime dos Residentes Não Habituais (RNH), depois de ter sido anunciado pelo Governo socialista que iria terminar totalmente já no início de 2024, foi alvo de alterações no âmbito da especialidade do Orçamento de Estado para 2024 (OE2024), e vai, afinal, continuar a ser uma porta de entrada para emigrantes portugueses e cidadãos estrangeiros que tencionam viver em Portugal. Incluído na proposta inicial do OE2024, o fim do RNH gerou uma onda de contestação e inquietação geral, nomeadamente por parte de investidores, fiscalistas, advogados e profissionais do imobiliário, levando o Governo socialista a reconsiderar e a introduzir mudanças que reforçaram o regime transitório para os RNH em 2024 e acabaram por incluir novos beneficiários no novo incentivo fiscal à investigação científica e inovação.

Mas no mercado continuam as dúvidas sobre a aplicabilidade das novas regras do regime que vem substituir o RNH no próximo ano, por exemplo, a nível dos novos postos de trabalho abrangidos pelo novo benefício fiscal em startups. Para ajudar a esclarecer, o idealista/news foi tentar perceber o que está em causa junto de especialistas, bem como do Executivo de António Costa, que fez uso da maioria absoluta para passar o OE2024 no Parlamento.

Foi no dia 2 de outubro que o primeiro-ministro, António Costa, anunciou a intenção do Governo de acabar com o estatuto de RNH já em 2024, alegando que é uma medida de “injustiça fiscal”, que tem ajudado a “inflacionar o mercado de habitação, que atingiu preços insustentáveis”. Este estatuto de RNH acabou mesmo por ser revogado no OE2024 – aprovado, no Parlamento, no passado dia 29 de novembro -, mas foi criado um outro, que o vem substituir: o novo incentivo fiscal à investigação científica e inovação.

Em concreto, a ideia do Governo demissionário passa por acabar com o RNH para novos pedidos em 2024 - desde que não se enquadrem no regime transitório -, mantendo, porém, o benefício fiscal para quem já está a usufruir deste estatuto em Portugal. E, a partir do próximo, só poderão usufruir de uma taxa de IRS de 20% durante 10 anos e ter isenção de tributação de alguns rendimentos no estrangeiro, os cidadãos estrangeiros e emigrantes que não tenham residido em Portugal nos últimos cinco anos e que exerçam profissões na área da inovação e investigação científica.

É precisamente a tipologia de profissões elegíveis uma das grandes diferenças face ao modelo ainda em vigor, tendo agora uma abrangência bem mais “restrita”, tal como consideram os especialistas ouvidos pelo idealista/news. Segundo a proposta inicial do OE2024, este estatuto fiscal seria apenas aplicável aos profissionais da carreira de docente de ensino superior e de investigação científica, postos de trabalho qualificados no âmbito do investimento produtivo, ou postos de trabalho de investigação e desenvolvimento que requeiram doutoramento. Mas, depois das alterações ao OE2024, desenhadas pelo PS e aprovadas na votação final global, haverá mais postos de trabalhos enquadrados no novo incentivo fiscal à investigação científica e inovação em 2024.

 

Regime transitório e novos beneficiários: quais as alterações ao RNH no OE2024?

Depois do fim do RNH em 2024 ter gerado muita contestação por parte de fiscalistas, advogados e profissionais do mundo imobiliário que consideraram a medida “restrita”, “ineficaz” e com impacto “residual” nos preços das casas, o PS resolveu avançar com duas propostas de alteração ao fim do RNH no OE2024, que obtiveram luz verde na especialidade e na votação final que decorreu no passado dia 29 de novembro:

  • criar um regime transitório para os RNH em 2024, de forma a acautelar o caso dos trabalhadores, reformados ou investidores que comprovem ter preparado a sua mudança para Portugal durante 2023, mediante a apresentação de um contrato de trabalho, contrato de arrendamento ou até da compra e venda de um imóvel. Esta mudança gerou uma corrida de cidadãos estrangeiros que procuram agora garantir a documentação necessária ainda em 2023 para assegurar que se qualificam neste regime transitório do programa, como é o caso dos cidadãos norte-americanos;
  • ampliar os postos de trabalho abrangidos pelo novo incentivo fiscal à investigação científica e inovação, que vem substituir o RNH já no próximo ano. Nomeadamente, postos de trabalho "em entidades certificadas como startups, nos termos da lei" ; "os postos de trabalho qualificados reconhecidos pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, E. P. E. (AICEP) ou pelo IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, I.P. como relevantes para a economia nacional, designadamente no quadro da atração de investimento produtivo"; e ainda os "postos de trabalho ou outras atividades desenvolvidas por residentes fiscais nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira", nos termos que serão definidos por decreto legislativo regional.

Agora, resta saber quais são, em concreto, estes novos postos de trabalho que permitem beneficiar do novo regime RNH circunscrito à inovação e investigação científica. Foi o que o idealista/news procurou saber junto de advogados e fiscalistas, bem como do Governo, sendo que da sua parte não foi dado qualquer esclarecimento adicional, até à data de publicação desta notícia.

Startups: que postos de trabalho estão elegíveis para os RNH?

O novo regime de RNH fica assim disponível em 2024 para quem trabalhe em startups em Portugal. Em causa, estão jovens empresas que cumpram estes principais critérios:

  • empreguem menos de 250 trabalhadores;
  • tenham um volume de negócios anual que não exceda os 50 milhões de euros;
  • exerçam atividade há menos de 10 anos;
  • tenham sede ou representação em Portugal ou pelo menos 25 trabalhadores no país;
  • não resultem da cisão de uma grande empresa.

Esta alteração ao fim do RNH vem ao encontro do apelo do diretor executivo da Startup Portugal, António Dias Martins, que dias antes havia defendido que "o regime de RNH deve continuar a aplicar-se para colaboradores e investidores de startups. Isto porque, segundo o responsável, este regime tem sido "um argumento muito importante” para a atração e retenção de talento em Portugal, “mas também para a atração de investimento", sendo uma medida com retorno e “impacto positivo” para Portugal.

Mas que trabalhadores de startups estarão abrangidos pelo novo regime de RNH no próximo ano? Haverá postos de trabalho em áreas concretas incluídos, nomeadamente na área da inovação e investigação científica? Os especialistas ouvidos pelo idealista/news alegam que ainda não há informação concreta e oficial, por parte da tutela, sobre esta matéria, mas fazem as suas interpretações.

“O RNH na modalidade de incentivo fiscal à investigação científica e inovação vai ser acessível às pessoas que, não tendo sido residentes em Portugal nos cinco anos anteriores, ocupem postos de trabalho em entidades certificadas como startups. Nesta situação, os requisitos para a qualificação decorrem da própria empresa e do seu enquadramento legal enquanto startup, não havendo, para já, discriminação de quais os postos de trabalhos elegíveis”, explica ao idealista/news Miguel Paixão, fiscalista sénior da Belzuz Abogados.

"Não há, para já, discriminação de quais os postos de trabalhos elegíveis nas startups", diz Miguel Paixão, fiscalista sénior da Belzuz Abogados

Tendo em conta a informação que é possível apurar até ao momento, Joana Garrido, especialista em impostos na PwC, entende que “não existe qualquer tipo de limitação ao tipo de atividade a desenvolver” dentro dos postos de trabalho em startups que são elegíveis para o Incentivo Fiscal à Investigação Científica e Inovação (IFICI).

Neste contexto, Raquel Galinha Roque, sócia da CRS - Advogados, e Natacha Branquinho, advogada associada na CRS-Advogados, dizem que “sendo este regime ainda mais restrito do que o anterior, parece-nos que não poderá ser aplicável a qualquer trabalhador ou categoria profissional [em startups], mas antes a categorias que efetivamente relevem para o quadro da inovação”.

Ao que tudo indica, também os trabalhadores de startups ligadas à área da inovação e investigação científica vão poder beneficiar deste regime fiscal em 2024, alargando assim o espetro de profissionais elegíveis que se restringia inicialmente no OE2024 a professores, doutorados e trabalhadores qualificados no âmbito do investimento produtivo.

 

Quais são os postos de trabalho reconhecidos pela AICEP ou pelo IAPMEI?

Além de permitir que os trabalhadores de startups possam beneficiar do novo regime de residentes não habituais em 2024, o Governo socialista - atualmente em gestão, depois de o Presidente da República ter oficializado a demissão de António Costa - incluiu também outros postos de trabalhos qualificados, nomeadamente os reconhecidos pela AICEP ou pelo IAPMEI como relevantes na atração de investimento produtivo e que, portanto, ajudam a impulsionar a economia.

Mas ainda não se sabem que postos de trabalho são estes em concreto. Contactada pelo idealista/news, fonte oficial da AICEP declarou telefonicamente que não tem informação sobre esta listagem, remetendo esclarecimentos adicionais para a tutela. Mas nem o Ministério das Finanças, nem o Ministério da Economia e do Mar responderam às questões colocadas, por escrito, à data de publicação deste artigo.

Os especialistas auscultados dizem isso mesmo: até à data, não há informação sobre os postos de trabalho reconhecidos pela AICEP ou pelo IAPMEI, que vão estar abrangidos pelo novo incentivo fiscal à investigação científica e inovação, que vem substituir o RNH já no próximo ano. “Nesta fase não são conhecidos os postos de trabalho que serão reconhecidos pela AICEP ou pelo IAPMEI para aplicação deste incentivo fiscal. Adicionalmente, não é igualmente conhecido qual será o procedimento utilizado para este efeito, nomeadamente se a AICEP e o IAPMEI irão emitir uma lista dos postos de trabalho que qualificam para o benefício fiscal ou se será introduzido um mecanismo de reconhecimento casuístico de cada atividade por parte destas instituições”, comenta Joana Garrido, da PwC.

O mesmo argumentam as especialistas da CRS-Advogados: “Os postos de trabalho reconhecidos pela AICEP ou pela IAPMEI serão sujeitos a uma avaliação que nos parece ser casuística, mas discricionária, das entidades referidas”.

“Na verdade, não existe, ainda, a divulgação pela AICEP ou pelo IAPMEI de ‘uma lista’ onde figurem quais os ‘postos de trabalho’ efetivamente reconhecidos como relevantes para a economia nacional, designadamente no quadro da atração de investimento produtivo. O que está claro é que tais postos deverão ter enquadramento nas áreas da investigação científica e da inovação”, apontam Nuno Oliveira Santos e Joana de Sá, sócios e coordenadores de Fiscal e Laboral (respetivamente) na PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados.

 

Apesar da lista dos novos postos de trabalho reconhecidos pela AICEP ou pelo IAPMEI ainda não ter sido divulgada, Miguel Paixão, da Belzuz Abogados, afirma que estes empregos “têm de ser considerados como relevantes para a economia nacional, nomeadamente, no âmbito da atração de investimento”. E os setores incluídos nos Benefícios Fiscais Contratuais ao Investimento Produtivo são os seguintes, segundo indica:

  • Indústrias extrativas - divisões 05 a 09;
  • Indústrias transformadoras - divisões 10 a 33;
  • Alojamento - divisão 55;
  • Restauração e similares - divisão 56;
  • Atividades de edição - divisão 58;
  • Atividades cinematográficas, de vídeo e de produção de programas de televisão - grupo 591;
  • Consultoria e programação informática e atividades relacionadas - divisão 62;
  • Atividades de processamento de dados, domiciliação de informação e atividades relacionadas e portais web - grupo 631;
  • Atividades de investigação científica e de desenvolvimento - divisão 72;
  • Atividades com interesse para o turismo - subclasses 77210, 90040, 91041, 91042, 93110, 93210, 93292, 93293 e 96040;
  • Atividades de serviços administrativos e de apoio prestados às empresas - classes 82110 e 82910.

Portanto, resta agora saber como vão ser selecionados e quando serão divulgados os postos de trabalho reconhecidos pela AICEP ou pelo IAPMEI que se incluem nos critérios para os emigrantes portugueses e cidadãos estrangeiros poderem usufruir do regime fiscal que vem substituir o estatuto dos RNH em 2024 e, assim, planear o futuro e a sua mudança para Portugal.

 

Por: Idealista