Venda de casas a compradores internacionais caiu na ordem dos 20% no início de 2024. Especialistas já antecipavam queda.
O bom clima, segurança e qualidade de vida que Portugal oferece parece não ser suficiente para continuar a atrair estrangeiros para viver no nosso país. Isto porque, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), a venda de casas a compradores internacionais caiu na ordem dos 20% no início de 2024 face ao trimestre anterior. E, por conseguinte, entrou menos capital estrangeiro no mercado residencial português. O que salta à vista é que esta queda na compra de casas em Portugal por estrangeiros coincide com o fim do regime para Residentes Não Habituais (RNH), nos antigos termos, e o término dos vistos gold para investimento imobiliário. Este impacto do fim dos benefícios fiscais no mercado residencial já havia sido, de resto, antecipado pelos especialistas ouvidos pelo idealista/news.
Venda de casas a cair em Portugal – estrangeiros com maior redução
Menor venda de casas em Portugal movimenta menos capital …
Fim do RNH e vistos gold: queda no investimento em casas está era esperada
Venda de casas a cair em Portugal – estrangeiros com maior redução
Os dados do INE divulgados na sexta-feira, dia 21 de junho, revelam desde logo que foram vendidas 33.077 habitações em Portugal no primeiro trimestre de 2024, menos 4,1% face ao período homólogo e menos 3,1% face ao trimestre anterior. E observa-se também que esta queda nas transações de casas foi mais expressiva por parte dos compradores estrangeiros do que por compradores portugueses:
Compradores residentes em território nacional: adquiriram 31.010 habitações, menos 3,1% em termos homólogos e menos 1,6% face ao trimestre anterior. Este é o número mais baixo desde o segundo trimestre de 2020, altura em que foi declarada a pandemia da Covid-19;
Compradores residentes na União Europeia (UE): compraram 989 casas no início de 2024, um número 22,1% inferior ao observado um ano antes e 19,8% mais baixo que no final de 2023;
Compradores residentes em países fora da UE: adquiriram um total de 1.078 casas neste período, menos 11,9% em termos homólogos e menos 22,4% em comparação com o trimestre anterior.
Estes números mostram uma clara queda na venda de casas em Portugal a cidadãos estrangeiros no início de 2024, de tal forma que os portugueses passaram a representar 93,8% do número total de transações, “o peso relativo mais elevado desde o primeiro trimestre de 2022”, destaca o instituto. É preciso recuar até à primavera de 2021 para encontrar um número tão baixo de casas vendidas a estrangeiros.
Mas há mais: no início deste ano registou-se mesmo a maior queda mensal na venda de casas a cidadãos europeus desde o arranque de 2021. E no caso dos cidadãos residentes fora das fronteiras da UE, este período marca a maior redução na transação de casas desde o início de 2022, altura que coincide com a alteração aos vistos gold que proibiu o investimento imobiliário nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, e também no litoral. Recorde-se que os vistos gold era destinado a conceder autorizações de residência por investimento imobiliário para quem não vivia no espaço europeu.
Venda de casas em Portugal por origem do comprador
Território Nacional
União Europeia
Restantes países
Todos estes dados sugerem, assim, que esta redução de compra de casas em Portugal por parte de estrangeiros deverá estar relacionada com o fim do regime RNH (tal como o conhecíamos) no início de 2024 e com o término dos vistos gold para investimento imobiliário em outubro passado. Isto porque estes cidadãos deixaram de ter acesso a estes incentivos fiscais que poderiam pesar na hora de escolher um país para viver e investir.
O período de transição no RNH previsto para quem comprovar que estava a planear a mudança para Portugal ainda em 2023 e o novo incentivo fiscal destinado à investigação científica e inovação (que vem substituir o RNH, embora seja bem mais “restrito”) não deverão ter sido suficientes para atrair estas famílias internacionais.
Esta queda de transações de casas em Portugal por compradores internacionais surge numa altura em que os juros no crédito habitação já estão a dar sinais de descida há vários meses (embora muitos nem precisem de recorrer a financiamento bancário). E a inflação na Zona Euro (bem como noutros países do mundo) também está bem mais baixa que há um ano, impactando menos no poder de compra dos estrangeiros - que, note-se, é bem mais elevado que o dos portugueses
Menor venda de casas em Portugal movimenta menos capital…
A menor transação de casas também impactou o movimento de capital no país. “O valor das habitações transacionadas no primeiro trimestre de 2024 atingiu 6,7 mil milhões de euros, menos 1,8% que em idêntico período de 2023” e menos 6,2% face ao trimestre anterior, indicou o INE.
A nível mensal, a queda do investimento em habitação foi mais expressiva nos residentes fora da UE (-24,6%) que nos cidadãos da UE (-23,4%). Os portugueses movimentaram menos 3,6% em transações residenciais entre o final de 2023 e o início deste ano.
Claro está que, embora em menor quantidade, estas famílias estrangeiras continuam a comprar casas bem mais caras do que os portugueses - mas os preços médios também caíram:
Cidadãos da União Europeia: compraram casas pelo valor médio de 266.273 euros no início de 2024 (-4,4% face ao trimestre anterior e -7% face ao período homólogo). Este valor é 37% superior face ao preço das casas compradas por portugueses (média de 194.567 euros);
Cidadãos fora da UE: adquiram habitações no nosso país pelo preço médio de 402.276 euros (-2,7% face ao trimestre anterior e -3,6% em termos homólogos). Este preço é mais do dobro do valor transacionado por residentes no nosso país.
Tal como mostram os dados do INE, estes compradores internacionais tendem a adquirir casas mais caras, muitas vezes de luxo, e portanto fora do alcance da classe média portuguesa.
“O fim do RNH – tal como já tinha acontecido com o programa dos Golden Visa – acaba por gerar desconfiança e incerteza no mercado, afastando os investidores do país”, nomeadamente os interessados em investir em habitação para o segmento médio da população, que é hoje tão necessário, destacou na altura Gonçalo Nascimento Rodrigues, coordenador da pós-graduação em Real Estate Investments do ISCTE Executive Education.
Também Patrícia Barão, Head of Residential da JLL, frisou que o fim do RNH iria “impactar não só o mercado habitacional como a economia portuguesa, que vai sofrer com a perda de investimento estrangeiro e as receitas fiscais associadas a esses residentes não habituais".
No mesmo sentido, Roman Carel, sócio fundador da Athena Advisers, admitiu que com o fim do RNH "estes investidores irão abandonar Portugal e voltar-se para outros países, com um enorme prejuízo para a economia". Não só deixam de comprar casas, como "do lado da promoção imobiliária, haverá muitos projetos a cair por terra e, além das perdas para a economia e o emprego, irá agravar ainda mais a crise na habitação e inflacionar ainda mais os preços, já que teremos cada vez menos oferta", antecipou ainda em declarações ao idealista/news.
O fim destes incentivos fiscais para os estrangeiros poderá, assim, até ter um efeito contrário ao pretendido, já que um dos argumentos do ex-primeiro ministro António Costa para acabar com estes regimes residiu precisamente no facto de terem contribuído para inflacionar os preços das casas e agravar a crise da habitação em Portugal – embora não tenha revelado estudos empíricos que o comprovem.
Por: Idealista News