Os pintassilgos

20:00 - 12/07/2024 OPINIƃO
Joaquim Bispo, escritor diletante, http://vislumbresdamusa.blogspot.com/
O verão chegara, enfim. Do Liceu já Albertino se esquecera, nos seus treze anos ávidos de amplidão campestre, o pé descalço, as roupas soltas, o chapéu desabado.
 
Um dia descobriu um ninho de pintassilgos, nos ramos de uma oliveira pequena. Três ovos. Que oportunidade! Foi-o guardando, os passarinhos nasceram e foram-se emplumando. Quando achou que estariam prestes a voar, meteu-os na gaiola que construíra, com água no bebedouro e alpista no comedouro. Como o sol escaldava, resolveu pendurar a gaiola no ramo alto de uma árvore frondosa. Já tinha os seus pintassilgos!
 
No dia seguinte, chegou a “malhadeira”, aquela monstruosa máquina debulhadora, com que nessa década de sessenta se debulhava o produto das searas. Recebia molhos de centeio, por uma abertura superior, que, depois de safanões e pancadas no seu interior, vertia, por um bocal, o grão, que era aparado em sacas de serapilheira e acarretado para a tulha, e lançava, pelo outro lado, a palha em novelões, que se acondicionava ao lado da eira em montões arredondados, para resistirem às chuvas.
 
A meda do centeio era grande, a lide contagiante. Ao fim do segundo dia, cumprida a debulha, foram-se todos embora: os ceifeiros, para as suas terras; as terceiras para outras tarefas; a debulhadora, a caminho de outra eira. Ficava no olhar um brilho baço de fim de festa.
 
De repente, lembrou-se. Os pintassilgos! Desatou a correr para a árvore afastada, em desatino. Trepou rapidamente até ao galho onde os tinha dependurado, mas o coração apertava-se-lhe - não ouvia pio algum. Por fim, assomou. O fim de tarde ia ainda quente, mas, pelo corpo de Albertino perpassou uma onda do frio glacial das noites de inverno. O olhar tentava discernir o que o remorso persistia em enevoar. Daqueles três passarinhos, já todos cobertos de pequenas penas firmes e bem compostas, já a imitar a coloração dos pais, nada mais restava do que três novelos de peninhas emaranhadas, desgrenhadas, tombados no chão da gaiola.
 
Retirou-os. Estavam frios. Tinham morrido há muito. De frio? De fome? Tanto fazia. Albertino só sentia que, pela sua cobiça pueril, pela sua negligência, tinham morrido três lindas avezinhas. Morte estúpida, perda pura.
 
Voltou para casa acabrunhado. Não chorou. Os adultos reprovavam o choro nos rapazes.