Joaquim Bispo, escritor diletante, http://vislumbresdamusa.blogspot.com/
(Anteriormente: Um astronauta dirige-se a uma lua de Saturno e tenta mitigar a solidão da viagem de 20 anos.)
Continuação: Da adolescência guardou aquele gosto pelo inesperado: entusiasmava-se com o que a sorte lhe atribuiria, em pesquisas aleatórias de leitura. Instalou-se no conforto de uma ténue gravidade artificial da zona de lazer, posicionou o visor a uma distância cómoda e lançou a pesquisa. A máquina apresentou-lhe “O jovem pastor e a fadazinha”, um conto valáquio de Gorki. À memória acorreu a imagem de um prado de extensão inimaginável. E do deslumbramento juvenil do pastorzinho aconchegado entre céu e planura.
Lembrava-se de todos os grandes clássicos: da monumentalidade de Tolstoi, da sátira social de Gogol, dos contos suaves e realistas de Chécov. Este conto tinha estado encoberto; havia tanto tempo que não o lia... Dentro em pouco, estava embrenhado nas peripécias ingénuas e carinhosas do pastor e da pequena fada nas margens do Danúbio:
«O pastor sentou-se à sombra de uma árvore solitária que, amante da liberdade, se afastara da floresta para crescer em plena estepe; erguia-se orgulhosa e altivamente, balouçando suavemente os ramos sob a carícia do vento que soprava do mar.»
Oleg deitou-se no chão da câmara, o corpo enclausurado, separado da sua Terra por centenas de milhões de quilómetros; na mente, a ponte que o terno e inspirador conto lançara e o ligava ao seu chão natal.
«O rumor dessa folhagem formava uma longa onda sonora que se alongava pelo céu de um azul vivo onde flutuavam suavemente brancas nuvens macias que fundiam sob os raios ardentes do alegre sol primaveril.»
Imagens aprazíveis das juvenis deambulações pelas margens do Volga afagaram-lhe a superfície da alma. Vislumbres de campos, mares verdes ondulantes sob a claridade infinita do céu…
«A fada balouçava nos ramos da grande faia e cantava:
A brisa é suave e perfumada.
Traz até nós, de toda a parte
suspiros, murmúrios e ruídos…»
Ah, a magia de uma árvore, a liberdade de um campo aberto, o seu deslumbramento de criança…
Oleg, o sorriso tristemente feliz, afastou os olhos do visor, inundados, incapazes de prosseguir a leitura.
Lá fora, a noite espacial era a eterna e infinita estepe que o separava de casa.