Colégio Internacional de Vilamoura: o papel das escolas na identificação do problema

“Tem calma”, “vai passar”, “não penses nisso”, “vais ver que não é nada”, “não é bem assim” ou “vais dar a volta por cima” são expressões comuns que usamos para serenar alguém que está a passar por “um mau bocado”. Mas estas podem não ser as palavras mais indicadas. Mudanças físicas e emocionais, pressão entre pares ou medo de não corresponder às expectativas fazem parte de um período da vida de todos, sobretudo enquanto adolescentes. Para alguns jovens, contudo, estes sentimentos revestem-se de uma tristeza profunda e da perda de interesse generalizado, afetando toda a sua vida. É, por isso, cada vez mais importante estar atento, aprender a identificar os sinais de alarme e pedir ajuda. As escolas desempenham um importante papel neste caminho.

“Em todas as escolas, chegam ao Gabinete de Psicologia, recomendados pelos professores ou a pedido dos pais. Vêm do nada, num dia de desespero, por coisas simples, como por exemplo a fobia de apresentar um trabalho, a incapacidade de comunicar com um professor…”. E este acaba por ser, muitas vezes, “o porto seguro para o salto, para um primeiro passo, que é o de pedir ajuda”, explica Susana Frade, Psicóloga do Colégio Internacional de Vilamoura (CIV).

“Os sinais podem estar nas alterações do modo de pensar, agir e sentir. A doença mental acaba por ser a incapacidade para lidar com os desafios comuns da vida, porque a vida tem sempre desafios e obstáculos. E um mesmo diagnóstico pode resultar de uma experiência diferente. Por isso é que a saúde mental é tão rica no seu mundo, e tão difícil de tratar”, refere.

Os casos têm crescido, também no seio do núcleo escolar. “Tem sido um ano em cheio, um ano de atuação, de contenção, mais do que de prevenção. E isso foi transversal a todos os níveis de ensino, principalmente entre os alunos mais velhos, onde foram registadas questões de ansiedade, de fobia - depressivas ou ligadas a depressões - mais graves do que é comum no funcionamento de uma escola”, acrescenta Susana Frade.

Foi para perceber um pouco melhor os “gatilhos” destes problemas que uma equipa de estudantes de 12.º ano se propôs a desenvolver o seu projeto de investigação anual no âmbito da saúde mental. Com a ajuda da Psicóloga do CIV, Cíntia Dourado, Maria Carolina Freitas e Sofia Carvalho prepararam um inquérito para descortinar qual a perceção que os alunos do ensino secundário têm acerca da depressão, da ansiedade e do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). Dinamizaram ainda, na turma do 12º ano, a visualização do documentário “Resumindo a mente: A ansiedade”, aplicando também aqui um inquérito, antes e após a sua visualização, com o intuito de avaliarem os possíveis impactos do mesmo sobre a perceção deste tópico em particular.

Do projeto fez ainda parte a calendarização da palestra on-line “Lidar com o Stress”, dinamizada pela Professora Manuela Neto, da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UAlg, e a colaboração com o projeto “UAlgoritmo – A ciência trocada por miúdos” (revista de divulgação científica da UAlg), através da revisão do artigo “Efeitos de um Programa Breve de Mindfulness sobre a Depressão, Ansiedade e Stress em Universitários Finalistas”, que será lançado no novo número da revista no final do ano letivo.

O projeto “Boomerang”, apresentado pela ex-aluna do CIV, Beatriz Ribeiro, e o seu colega Tomás Gonçalves (ora a frequentar o 3º ano da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa) foi, por isso, muito bem-recebido entre os alunos de ensino secundário. Concebido pelo Departamento de Saúde Pública e Sexual (DSPS) da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa (AEFM), este projeto tem como missão desconstruir preconceitos, abordar com clareza e correção científica assuntos onde a desinformação é fonte de problemas graves e levar futuros médicos e nutricionistas a formar futuros adultos mais informados.

A abordagem, com recurso a jogos sob anonimato, e longe da presença de adultos, bem como a idade dos oradores, não muito distante da do seu público, trouxeram ao CIV uma apresentação que conquistou. Para os alunos, “pode ser muito aflitivo não saber o que dizer ou como agir diante de um ataque de pânico ou de ansiedade”. “Fiquei a saber”, refere Raquel Figueiredo (10.º ano), “que há várias expressões que costumo usar diante de um problema e que não se devem dizer.” “As palavras de conforto podem trazer mais ansiedade. A pessoa não quer sentir-se assim e vê que o tempo da depressão não é o tempo real. Não existe tempo na depressão”, explica a psicóloga Susana Frade. “Para além de nos ensinar a ajudar a nós mesmos”, refere Madalena Brito (11.º ano), “a sessão do Boomerang ensinou-nos a ajudar o outro. Todos já passámos por algo parecido, não estamos sozinhos.” Para além disso, “nunca é demais sermos lembrados destes temas”, realça Tiago Peres (aluno de 10º ano). André Martins (11.º) vai mais longe e considera que “este tipo de informação poderia bem fazer parte de alguma disciplina do currículo”. Para Madalena B., seria algo de positivo a acrescentar “ao suporte básico de vida que nos é ensinado”.

Os alunos consideraram igualmente importante encontrar estratégias de descompressão. “Muitos jovens da nossa idade desacreditam que a meditação possa trazer algum resultado, mas às vezes é tão importante, por exemplo, antes de um teste, parar e concentrarmo-nos por cinco, dez minutos, acalmar, respirar. Devíamos começar a considerar mais este tipo de exercícios”, considera Tiago Peres, que já recorreu à meditação em períodos de maior stress enquanto atleta profissional de futebol.

Stress vs ansiedade

“No nosso projeto de investigação conseguimos perceber que os alunos questionados tinham mais conhecimentos sobre a ansiedade do que sobre outras áreas da saúde mental”, refere Maria F.. Mas, segundo Cíntia D., esta ainda é facilmente confundida com stress. “A associação a conceitos errados é relativamente comum. Os alunos revelaram pensar que a ansiedade é um problema, mas é algo natural, até saudável, porque nos defende; e apenas quando passa a ser constante se transforma numa perturbação”, refere Cíntia. Esta confusão pode, no entanto, surtir outro tipo de problemas. “Há muitos alunos que, ao verificarem ansiedade em algum momento, se autodiagnosticam como ansiosos a nível patológico”, reporta Sofia C.. “Ao dizer que sofrem de ansiedade”, acrescenta, “acreditam que isto pode servir como desculpa para justificar algumas atitudes.”

Para as finalistas de secundário, este comportamento poderá ter origem “sobretudo nos bloguers e influencers que, por hábito, contam já ter passado por muito, ter sofrido de ansiedade, entre outros distúrbios”. “É preciso não esquecer”, argumenta Maria F., “que, para sofrer de alguma perturbação, esta precisa sempre de ser diagnosticada.”

Perdidos, sem bússula

“Os dois últimos anos trouxeram muitos desafios aos profissionais de saúde e da educação”, recorda a Psicóloga do CIV, com “um crescimento dos transtornos emocionais, comportamentais, psicoses, auto lesões e/ou comportamentos de risco”. Por isso, é fundamental estar atento aos “cinco sinais de alerta, em nós e nos outros: percebermos se o comportamento é constante, se não faz parte do padrão de cada um. Alterações de humor, ciclos de sono, deixar de cuidar de si próprio e comportamentos autodestrutivos, como o consumo de drogas e álcool, são outros dos sintomas”, adverte Susana Frade. “A depressão é um túnel. Estamos perdidos, sem bússola, no escuro.”

“A verdade”, acrescenta a profissional de saúde mental, “é que sempre ouvimos a frase ‘mente sã em corpo são’, mas, pelos vistos, será mais ‘em corpo são’, porque a mente não tem tido os mesmos direitos.” “A saúde mental sempre foi a ‘prima pobre’ da saúde, por todo o estigma que traz consigo… Há sempre um estereótipo de alguém incapaz, que pode ser perigoso, para si e para os outros, e isso é muito longe daquilo que é a saúde mental definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS).”

Esta noção de que o estigma continua presente é revelada por todos os colegas entrevistados pelas três finalistas. “Existe uma tendência para encarar os problemas que se passam dentro da nossa mente como algo que cada um pode combater…” (Maria F.). Mas não é assim. “Uma doença mental é igual a uma doença física”, menciona Raquel F.. “Antes, acreditava-se que não passava de ‘macacos na nossa cabeça’, mas a doença mental pode ser ainda mais gravosa, porque nos afeta a todos os níveis. É, por isso, preciso aprender a desmistificar”.

 

Por: CIV