Ricardo Proença Gonçalves, licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Gestão de Unidades de Saúde, pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve.É igualmente membro estagiário da Delegação Regional do Algarve da Ordem dos Economistas

As projeções económicas e orçamentais para os próximos anos estão na ordem do dia, não só porque se aproxima o habitual período de planeamento orçamental e financeiro das organizações e entidades estatais, mas também porque nos encontramos à escala global em circunstâncias absolutamente extraordinárias.

A atual crise económica bateu à porta de todos(as) e em todo o mundo.

A mais recente projeção do Conselho de Finanças Públicas (CFP), difundida no seu relatório de Perspetivas Económicas e Orçamentais 2020-2024, refere nas suas projeções macroeconómicas que poderá haver, este ano, uma contração de 9,3% do PIB.

Todavia, o documento em si não se foca apenas no presente ano de 2020, mas sim nos próximos quatro anos.

Os peritos em macroeconomia explanam no relatório que todo o conjunto de indicadores analisados no documento levarão cerca de quatro anos até que se volte a recuperar o nível e os valores do período pré-pandemia, aliás um dos indicadores em questão que se destaca pelas piores razões é a procura interna, que em 2019 se situava nos 2,8% (contributo para a variação do PIB, em p.p) e que em 2024 prevê-se que o valor seja aproximadamente 1,7%, ou seja, poderá ficar aquém do valor do ano de 2019 e isto é um sinal preocupante, pois a procura interna tem sido um grande impulsionador no crescimento do PIB nacional nos últimos anos.

E no Algarve?

Qual deverá ser a estratégia a seguir nos próximos anos para mitigar todas as projeções (preocupantes) para a economia em 2020-2024?

No caso do turismo, que é notório pela elevada relevância na economia do Algarve, segundo o relatório do CFP, prevê-se que a normalização deste setor apenas ocorra em 2022.

E aqui, a questão que se impõe é: Poderá a economia do Algarve aguentar dois anos de “travessia no deserto” neste setor económico que é o principal gerador de emprego (direta e indiretamente) na região?

Não será agora a altura ideal para se efetivar a tão afamada diversificação da economia da região?

No curto-prazo pretende-se preservar empregos existentes ou promover novas empresas e setores pouco explorados na região?

Mais do que dar respostas seguras e assertivas às questões que se vão levantando é mais importante fazer as perguntas certas, principalmente quando se pretende refletir e estudar quais os caminhos que se podem seguir para levar “tudo isto” a bom porto.

Assim, e falando acerca da diversificação da economia do Algarve, há todo um conjunto de setores que podem de certo modo impactar no mercado de trabalho da região, nomeadamente as indústrias culturais e criativas, e as industrias transformadores de alta e média tecnologia.

No caso das indústrias culturais e criativas, segundo as estatísticas da Cultura 2018 do INE, em 2017 existiam no Algarve 2.974 empresas culturais e criativas e que absorviam 2% da população empregada.

No atual contexto de crise, é um enorme desafio reanimar a cultura, pois este setor é maioritariamente composto por profissionais independentes e que não conseguem aceder a condições laborais e a mecanismos de apoio adequados às suas necessidades.

A cultura é um setor detentor de um valor económico que vai muito além do seu real valor financeiro, pois acrescenta aos fluxos financeiros externalidades positivas geradas pelas sinergias que todo o setor inclui nos seus diversos stakeholders, porém, para a cultura progredir e impactar de alguma forma o mercado de trabalho e a economia da região, torna-se necessário alterar o seu atual modelo de negócio e potenciar competências de gestão para os diferentes agentes culturais.

Relativamente às industrias transformadoras de alta e média tecnologia, este tema não é de agora e, obriga a pensar para lá do curto-prazo.

Apesar da indústria transformadora ter perdido algum peso na economia nacional nos últimos anos, o atual contexto de entreajuda europeu é favorável à reindustrialização, contudo, e falando no caso do Algarve, a indústria que se deseja não é a indústria transformadora baixa, que vive de preços baixos, com margens finas e salários baixos.

A indústria transformadora que poderá impactar o mercado de trabalho e a economia algarvia é a indústria transformadora de alta e média tecnologia, centrada no conhecimento tecnológico, com soluções integradas e sustentáveis, e aqui o Algarve já começa aos poucos a produzir algumas soluções, como é o caso da Triller, uma aplicação semelhante à famosa Tik-Tok e que foi possível efetivar e colocar no mercado graças às políticas de fixação de capital intelectual nas áreas da inovação tecnológica que algumas empresas que integram o Algarve Tech Hub estão a implementar.

Este é, portanto, o momento de aposta na diversificação de uma economia que habitualmente sofre o dobro das dificuldades causadas pelas crises económicas e sociais, quando comparada com outras regiões, e pode muito bem no contexto atual beneficiar das externalidades favoráveis da “bazuca” de fundos da União Europeia nos próximos anos.

Que o “tiro seja certeiro” na resolução das dificuldades do Algarve.