A Louletana Paula de Sousa, é uma cidadã do mundo que decidiu desenvolver um projeto inovador, que considera ser o caminho para um estilo de vida mais comprometido com a proteção do ambiente e assim minimizar a sua pegada ecológica. Nesta entrevista dá-nos a conhecer o seu percurso de vida, assim como, decidiu contruir uma Bicicleta em Bambu.

VA - Quem é a Paula de Sousa?

PS - Tenho 43 anos, sou de Almancil, solteira, com uma filha que hoje têm 24 anos, fui mãe solteira. Quando tinha 2 anos os meus pais emigraram, fiz os meus estudos na Venezuela, aos 20 anos voltei para Portugal para tratar da minha mãe que tinha câncer e que infelizmente 2 anos depois faleceu. Acabei os meus estudos muito mais tarde em Portugal, sou Técnica em Sistemas Informáticos e um ano depois especializei-me em Design Gráfico e Web Design onde trabalhei por alguns anos. Em 2013 a minha vida deu uma volta de 360 graus e acabei por desistir do mundo corporativo. De família ligada desde sempre à vida marítima, sempre fui apaixonada pelo mar, a minha mãe dizia que aprendi a nadar antes de caminhar, comecei a estudar para me tornar Instrutora de mergulho, profissão que me dedico até hoje.  

 

VA - Como surgiu a ideia de construir uma bicicleta em bambu?

PS - Em 2017 depois de acabar um contrato de trabalho nas Ilhas das Caraíbas Francesas, viajei de um modo particular pelas ilhas a fazer                  veleiro-stop. Consistia em pedir boleia aos veleiros em troca de fazer os trabalhos no barco e cozinhar. E foi ali que conheci um rapaz que queria viajar de bicicleta, foi através dele que conheci a bamboocycles, um rapaz mexicano que faz cursos onde as pessoas num fim de semana constroem elas próprias os seus marcos em bambu. Fiquei apaixonada pela ideia já que, há algum tempo, estava a tentar levar um estilo de vida mais comprometida com a proteção do ambiente e minimizar a minha pegada ecológica.

 

VA - Que conhecimentos já tinha ou adquiriu para conseguir construir a bicicleta?

PS - Não tinha nenhuns conhecimentos, nem sabia o que era um pinhão de bicicleta, cheguei a esse curso completamente às cegas. Nunca tinha construído nada com as minhas próprias mãos, a não ser aviões de papel... No curso, aprendemos as bondades do bambu e como trabalhar com ele, fazemos as bicicletas à nossa medida, mas 100% artesanais (eu já tinha o meu projeto definido, a minha iria ser uma bicicleta para viagens longas). Os materiais são só bambu, resina e fibra de carbono para as junções. Nestes 3 dias por questões de técnica e de material, não consegui acabar a bicicleta e fiquei bastante frustrada. O resto fiz em casa sozinha, acreditando na minha intuição e na teoria que tinha aprendido. Foi um desafio e quando ela ganhou forma, pelas minhas mãos, acreditei que podemos fazer tudo o que nos propomos!

 

VA - A bicicleta em bambu já surgiu em outros países há mais de uma década. Como tem evoluído a sua comercialização pelo mundo?

PS - Na minha humilde opinião, vejo que há quem resista às mudanças, às ideias inovadoras, não arriscam e preferem aquilo que já conhecem. Mas na verdade é nos países de baixos recursos que a imaginação e a necessidade fazem com que cresçam novas ideias empreendedoras de evolução lenta, mas que pouco a pouco vão ganhando força, mais agora que se fala tanto em ser amigo do ambiente. Na África, as bicicletas de bambu, estão a ser muito exploradas em diferentes países.

 

VA - Quanto custou fabricar essa bicicleta e o que a torna mais apetecível. É mais barata, mais ecológica? 

PS - Esta bicicleta é o meu bebé, a minha segunda filha. Desde o início, o meu plano era construir a bicicleta para viagens de longa duração, então fiz uma lista de tudo o que envolvia a construção da bicicleta. Se contarmos o preço do curso, a viagem à Colômbia, as peças, as rodas, os travões e demais acessórios, gastei à volta de 2 mil euros, mas o preço dela é mais sentimental que monetário.

O que a torna para mim de grande valor é o que aprendi sobre o bambu e o fato de eu própria a ter montado, com alguma ajuda claro. O bambu é natural, forte, leve, é um recurso renovável, absorve as vibrações da estrada, é bonito, não produz CO2, a fibra de carbono com a qual as partes do bambu estão unidas não é passível de fadiga. Isso significa que com o uso, a bicicleta não vai deteriorar-se, o bambu resiste até 1 tonelada por cada cm2 na compressão, sendo o dobro do aço.

A velocidade com que cresce, amadurece e regenera faz com que seja um recurso altamente renovável e se somarmos a isso que produz 30% mais oxigênio do que as árvores, poderíamos começar a pensar, mais seriamente, na produção de florestas de bambu, que talvez pudessem ajudar verdadeiramente na resolução do problema do aquecimento global.

 

VA - Como conseguiu reunir as condições monetárias, de tempo e de logística para realizar a viagem dos seus sonhos numa bicicleta de bambu e porquê?

PS - Este projeto nasceu em 2017, mas só começou a ganhar vida em abril de 2019 - devido a morte súbita do meu pai, tive de suspender tudo. Terminei a construção em agosto desse ano com o apoio da Miami Bikes, à qual ficarei para sempre grata por deixar-me construir a bicicleta na oficina deles. Como disse anteriormente, sou instrutora de mergulho e trabalho sempre em modo freelancer, nesse ano estava nos Estados Unidos, a fazer uma formação e nos meus dias de folga dedicava-me à bicicleta. Nesses 2 anos estive sempre a trabalhar, em diferentes países e trabalhos e poupei o máximo que consegui para poder iniciar esta travessia. Como adotei um estilo de vida mais minimalista, os meus gastos são definidos pelas minhas prioridades.

 

O 1º protótipo de uma bicicleta em Bambu, foi apresentado ao mundo em 1998 pelo designer brasileiro Flavio Deslandes no 5º Congresso Internacional Mundial de Bambu. 

 

VA - Quando começou essa viagem, quantos países e quilómetros já percorreu. De onde partiu e onde chegou e qual o objetivo final da viagem?

PS - Novembro de 2019 foi o início da viagem. Colômbia foi o país onde iniciei, levo cerca de 2 mil quilômetros percorridos. Não tenho um objetivo final, pois não quero que acabe, também não tenho um plano definido pois gosto de ir improvisando pelo caminho e surpreendendo-me com cada paisagem e cada cultura. A pandemia fez-me parar quando estava a caminho da fronteira com a Venezuela. Até o momento já percorri 3 países se contar Portugal.

 

VA - Qual o balanço que faz desta experiência até agora - qual o estado de espírito, a receção das pessoas nos pontos de paragem e se cumpriu os objetivos previstos à partida?

PS - As vivências de uma viagem em bicicleta são das mais variadas, viajamos devagar e temos uma perceção diferente dos sítios por onde passamos, em linhas gerais as pessoas são recetivas, sobretudo as pessoas de idade, ao ver uma rapariga sozinha, querem ajudar e eu sou muito grata por todas as pessoas que tenho conhecido na estrada. Por vontade própria e cuidado, optei por acampar em sítios mais isolados, mas também já acampei em estações de serviço, praças, estações de bombeiros, de polícia e até no jardim de uma igreja, as pessoas ficam curiosas às vezes até ganho o pequeno almoço. Medo? quando comecei a viagem os pensamentos variam, mas com o tempo vão-se dissipando os estereótipos, agora só tenho medo dos cães, eles não me dão muita confiança. Já fiquei em casa de famílias que conheci no caminho e até sabe bem tomar um banho de água quentinha e uma refeição feita pela Dona Maria…

A bicicleta permitiu-me expandir o meu horizonte, por ter autonomia e poder deslocar-me para onde eu quiser, de uma forma mais ecológica. O bambu mostrou-me que a natureza é sábia o suficiente, para fornecer os recursos que precisamos para nos mobilizarmos e a minha força de vontade deu-me a certeza, de que podemos fazer tudo o que quisermos e que as nossas fraquezas e medos estão só na nossa mente.

  VA - Depois da América Latina também pedalou por Portugal, qual é o próximo passo?

PS - Portugal foi uma grande surpresa para mim, de norte a sul pela costa, embora as pessoas fiquem curiosas ao ver uma rapariga de bicicleta sozinha, são mais retraídas, no entanto não faltou quem me oferecesse água nas aldeias ou quem me perguntasse se a bicicleta era de madeira. O meu desejo é ir a África, embora eu saiba que é um desafio muito grande, mas estou a trabalhar para isso.

Neste momento por estar desempregada, dei continuação à construção de uma página de Internet, tipo Blog que já tinha iniciado quando comecei a viagem, mas que está em espanhol e não tem ainda muito conteúdo. Chama-se RodandoKon-tiki que é o nome da Bicicleta. Se tiver curiosidade em visitar a página o endereço eletrónico é: bybikearound.com.

Nesta página iniciarei a venda de postais digitais e impressos, imanes com as imagens que tenho feito ao longo destes anos e t-shirts e conto com algum trabalho que consiga arranjar aqui no Algarve para ajudar na poupança para a viagem à África.

Agradeço muito esta oportunidade de poder divulgar este projeto, principalmente porque algumas mulheres pensam que as suas capacidades são limitadas, mas na verdade podemos muito mais do que aquilo que às vezes pensamos.

 

Instagram: @seascubatravel  

Facebook: Paula de Sousa.

Por: Nathalie Dias