André Magrinho, Professor universitário, doutorado em gestão | andre.magrinho54@gmail.com

Sendo certo que a crise sanitária associada à COVID 19, está bastante mais aliviada com o forte progresso na taxa de vacinação, como é o caso de Portugal, eis que efeitos colaterais se fazem sentir com enorme estrondo: escassez de produtos e de matérias-primas a par de aumentos vertiginosos nos preços. É a tempestade perfeita, tanto mais que não existem soluções imediatas.

Na indústria automóvel é sobretudo a falta de chips que mais penaliza o setor. Na construção civil é a escassez de alumínio, cobre e aço, a par do vidro, madeiras, painéis solares e muitos outros. No entretenimento, particularmente nos jogos, é também a falta de chips o principal problema. Na alimentação, o incremento do consumo e as más colheitas, onde se releva o aumento vertiginoso dos preços do trigo, do café, entre outros, pode vir a ter um impacto muito forte nos bolsos do consumidor. No têxtil, cujas exportações são muito importantes para a economia portuguesa, o forte aumento nos preços da energia, combustíveis, fretes marítimos e falta de matéria-prima, pode, em parte, comprometer o nível de retoma esperada da economia. No comércio marítimo, sentem-se dificuldades de transportes, como engarrafamentos nos portos, escassez de contentores e de matérias-primas e os custos a dispararem: a importação de um contentor que há cerca de um ano e meio poderia custar cerca de 500 dólares, pode custar atualmente 10 a 15 mil dólares. No mobiliário, com importância significativa na economia de algumas regiões do país, a escassez de madeira de pinho, pode vir a constituir um grande problema. Em setores associados à moda, como as confeções e o calçado, o tempo de entrega e a escassez, o forte aumento de preços de matérias primas que entram na produção, como por exemplo o algodão, estão a criar fortes constrangimentos. Até no setor do papel, a subida vertiginosa de preços associada também à crise energética e dificuldades nas cadeias de abastecimento está a criar problemas ao setor livreiro e de media. São apenas alguns exemplos, do que está a acontecer em muitas das cadeias de abastecimento, afetando muito significativamente a Europa, mas fazendo-se sentir por todo o mundo ocidental.

Como se explica tudo isto? São várias as razões. Desde logo, o rescaldo da COVID 19, que ao provocar simultaneamente um choque na procura e na oferta, torna agora muito difícil uma resposta a um crescimento rápido da procura global. A Ásia começou a recuperar primeiro e a absorver os stocks de matérias-primas e produtos existentes, alguns custos associados ao imperativo da transição energética, que levaram ao desinvestimento na exploração de hidrocarbonetos, sem resposta equivalente por parte das energias renováveis, também explicam alguma da subida de preços do petróleo e do gás, a que também não são indiferentes fatores de natureza geopolítica. As guerras comerciais que têm vindo a emergir, sobretudo entre os EUA e a China também explicam uma parte do que está a suceder. Mas, o que é menos compreensível é que, a partir dos anos oitenta do século passado, as deslocalizações industriais de uma parte muito significativa das indústrias de mão de obra intensiva, e bem assim, o crescimento generalizado das cadeias globais de valor, em particular as cadeias de abastecimento, tenha descurado completamente os imperativos mínimos de segurança económica, como se constatou logo no início da pandemia, como se os Estados, mesmo os mais poderosos, como os EUA e a Europa, tivessem deixado de pensar e de ter inteligência estratégica. E, na verdade, não existem atalhos a curto prazo para muitos dos problemas criados.