Por: Padre Carlos Aquino | effata_37@hotmail.com

«Pobres sempre os tendes convosco, mas a mim nem sempre me tendes» (João 12, 8). Esta palavra proferida por Jesus insere-nos em Betânia, um lugar periférico e interpela-nos ao assinalar-se uma vez mais o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza promovido pela ONU.

Convida-nos a contemplar o escandaloso gesto de Maria, fruto da abundância de afeto ao ungir com perfume de nardo os pés de Jesus. Gesto que revoltou o discípulo hipócrita de nome Judas, cuidador da bolsa que objetou sobre a excessiva e inapropriada atitude de Maria. Mas o autor sublinha que a ele não lhe interessava os pobres, o seu comportamento não tinha como objetivo uma preocupação social, pois o seu interesse era o dinheiro depositado na bolsa que ele tirava em vez de administrar com justiça e verdade.

Impressiona e constitui um enorme desafio às nossas vidas, a palavra de Jesus, que convida a tomar consciência que a pobreza é um flagelo desumano, que compromete o desenvolvimento humano e dos povos e só se erradica com a unção do amor.

Na verdade, não é difícil perceber no contexto deste episódio e também na realidade hodierna quanto o egoísmo e a autorreferencialidade, a corrupção e a falsidade são fruto de exclusão e de verdadeira pobreza, atitudes que Jesus condena profundamente. Constituem também uma pobreza que Deus abomina, fruto da injustiça e do pecado.

O pobre não é simplesmente aquele que não tem nada senão aquele que não tem como ter. Isso pode acontecer devido às injustiças, aos comportamentos ou porque a estrutura produtiva e sociopolítica impede que os pobres, como um grupo social, escapem da pobreza, mesmo trabalhando “no duro”.  Então, no geral, dizemos de alguém que é um homem pobre para significar que ele não tem “peso” humano.

E é bom saber que pessoas que vivem sem recursos financeiros em 2020 eram já 2,0364 milhões. Em Portugal, pobres menores de 16 anos já são 305 mil. Pessoas desempregadas no nosso País em maio de 2022 já representam 46, 5%. Trabalhadores pobres representam 11,2%. Pobres que crescem pela precariedade do trabalho, da reforma, de novos estilos de vida, pelas consequências da guerra, pelo descompromisso social, pelas políticas.

Sintamos a urgência do grito dos pobres e acolhamos as palavras do Papa Francisco na Exortação Apostólica: A Alegria do Evangelho: “Deriva da nossa fé em Cristo, que se fez pobre e sempre se aproximou dos pobres e marginalizados, a preocupação pelo desenvolvimento integral dos mais abandonados da sociedade”(186); “Cada cristão e cada comunidade são chamados a ser instrumentos de Deus ao serviço da libertação e promoção dos pobres (…) isto supõe estarem docilmente atentos, para ouvir o clamor do pobre” (187);“O nosso compromisso não consiste exclusivamente em ações ou em programas de promoção e assistência (…) mas primariamente uma atenção prestada ao outro “considerando-o como um só consigo mesmo”(199).

Porque como disse o poeta: “Deus disse: faz todo o bem/ Neste mundo, e, se puderes,/ Acode a toda a desgraça/ E não faças a ninguém/Aquilo que tu não queres/ Que, por mal, alguém te faça.//Fazer bem não é só dar/ Pão aos que dele carecem/ E à caridade o imploram,/ É também aliviar/ As mágoas dos que padecem,/Dos que sofrem, dos que choram.//E o mundo só pode ser/ Menos mau, menos atroz,/ Se conseguirmos fazer/ Mais p'los outros que por nós” (Os vendilhões do Templo – António Aleixo).