OS QUÊS E OS PORQUÊS DE «TALVEZ…ADEUS!»

13:11 - 15/01/2016 OPINIÃO
Por José Mendes Bota, autor do livro «Talvez...Adeus!», apresentado na Biblioteca Municipal de Loulé, 21 de Dezembro de 2015

A notícia do lançamento do meu livro “Talvez…Adeus!” provocou quatro impactos e interpretações diferentes junto de quem dela tomou conhecimento. Há:

            - os que pensam tratar-se de um romance (alguns);

            - os que desejam que eu volte à política activa (número razoável);

            - os que desconfiam que eu quero é voltar à política activa (muitos);

            - os que acreditam que eu não quero mesmo voltar à política activa (alguns).

A realidade pura e simples é: não tenho qualquer intenção, desejo ou plano para regressar à política activa. Mas, já por duas vezes, a vida ensinou-me a não voltar a dizer “nunca”. Daí o “Adeus…talvez!”

Este livro tem três motivações. Desde logo, porque sempre prestei contas dos meus mandatos de representação. Depois, porque é a sequência lógica do livro “Newslettering com as Pessoas”, publicado em 2013. Finalmente, porque tinha que dar por encerrado o balanço da minha participação na XII Legislatura da Assembleia da República, e ele é fácil de resumir: num total de 1.258 dias (incluindo fins de semana e feriados), produzi 1.270 actos de cariz político e/ou parlamentar.

Mas o livro tem, também, dois objectivos: explicar publicamente o que me motivou a interromper o percurso político e fazer um balanço intercalar (já de recta final) da minha história de vida.

Dei por terminado o meu mandato parlamentar a 30 de Novembro de 2014, e no dia seguinte iniciei funções em Bruxelas, como Membro do Gabinete do Comissário Europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas. Não é um cargo político. Sou um trabalhador temporário.

Os gabinetes do Colégio de Comissários da Comissão Europeia formam-se no início do mandato, a oportunidade surgiu e não poderia ser adiada. Tratou-se, no entanto, de um mero despoletar de um conjunto variado de razões já profundamente amadurecidas há algum tempo e que, cumulativamente, tinham consolidado em mim a convicção de ser aquele o tempo ideal para sair da cena política.

Aquelas motivações foram (pelo menos) treze, que passo a explicar.

1. Desde logo, à cabeça, porque tudo tem o seu tempo, é mau que as pessoas se eternizem nos lugares, e é bom sair pelo seu próprio pé, por vontade própria, de bem com todos os que o rodeiam, e não sair contrariado, empurrado ou derrotado. Entre 1979 e 2014 passaram-se 35 anos, 24 deles como parlamentar. É quase uma vida! Era o tempo de virar a página.

2. Deixei de acreditar na capacidade de autorregeneração da classe política em Portugal e no meu poder de contribuir para inverter uma situação ética com a qual não me identifico.

3. Não me revejo na imagem que a opinião pública tem dos deputados, não distinguindo o trigo do joio, quem trabalha de quem pouco ou nada trabalha, quem defende o interesse público de quem representa outros interesses. São todos metidos no mesmo saco e isso incomoda-me.

4. Defendi (e defendo) a exclusividade do mandato parlamentar – não pactuo com conflitos de interesses. Considero que ser deputado é uma honra que justifica muitos sacrifícios de ordem pessoal, familiar e profissional. Não se deve ter um pé no plenário e o outro pé no escritório. Esta posição não merecia o acolhimento dos partidos que detêm o poder maior dentro do Parlamento, e é mesmo combatida ferozmente por muitos dos beneficiários da acumulação de funções parlamentares com funções privadas. O mecanismo regulador destas questões tem muitas insuficiências, e como presidente da Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação não me sentia confortável com essa situação.

5. Desacreditei que se venha a fazer uma verdadeira reforma do sistema eleitoral que aproxime os eleitos dos eleitores, porque todos os partidos representados na Assembleia da República, dos maiores aos mais pequenos, lá no fundo, a temem. O modelo que defendo, ficou exarado em acta de plenário. Acredito que bastariam 150 a 180 deputados e defendo a existência de três tipos de círculos eleitorais (nacional, regionais e uninominais), com voto preferencial para os dois primeiros, e abrindo-se os terceiros a candidaturas não partidárias.

6. As condições de trabalho dos deputados não foram adaptadas às exigências da sociedade moderna. O mundo acelerou, o volume de solicitações feitas aos deputados cresceu exponencialmente, em tempo real sem direito a respirar, muito menos a reflectir. O Parlamento português continua a trabalhar estruturalmente como no século passado.

Conheço imensos parlamentos nacionais pela Europa fora. É hoje impensável que cada deputado não tenha um gabinete individual e um(a) assistente pessoal, pelo menos. O que é grave, é que este é um direito consagrado no próprio Estatuto dos Deputados, e pouco ou nada se fez neste sentido na última década. Não há assistentes pessoais, nem espaço para o(a)s colocar, nem orçamento para lhes pagar. E isso depende de quem, senão dos próprios deputados?

Fiquei cansado de trabalhar demasiadamente desapoiado face ao volume de solicitações que recaíam sobre mim (cheguei a ter 17 responsabilidades simultâneas de presidência, liderança ou coordenação). Partilhei com 15 outros colegas a mesma secretária de apoio (competente), mas isto diz tudo. E exausto fiquei a manter minuto a minuto a caixa de emails em dia, todos os dias. Não tive quem me arquivasse um papel num dossier ou me pesquisasse um assunto. Por regra geral, redigi os meus discursos e iniciativas parlamentares ou políticas. Implorei (por escrito) por mais apoio, várias vezes, mas ninguém me ouviu. Trabalhei muito, e não me arrependo disso, mas chegara a hora de dizer basta.

7. O funcionamento da Assembleia da República é alucinante: o ritmo excessivo da agenda reflecte-se na fraca qualidade da produção legislativa e do debate das ideias. Existem reuniões a mais, sendo frequentes as faltas de quórum e os apelos em cima da hora para recolha de assinaturas de deputados que estão noutras salas, noutras reuniões às mesmas horas, para suprirem a exigência de presenças no livro de ponto. Existem iniciativas legislativas em catadupa, sem qualquer limite, a propósito de tudo e de nada, com um volume de mortandade elevadíssimo, mas que ressuscitam de sessão legislativa para sessão legislativa, de legislatura para legislatura, o que provoca tempo de plenário a mais e tempo para os eleitores a menos. Nos debates impera uma retórica doentia inflacionada pela comunicação social e uma flagrante falta de respeito inter-pares onde a algazarra permanente substituiu a figura do aparte parlamentar, outrora utilizado com parcimónia e, diga-se em abono da verdade, muitas vezes com subtileza, graça e oportunidade. O que se passa actualmente não tem nada a ver com a minha forma de ser e de estar. Também por isso, decidi sair.

8. Desde 1983 até hoje, assisti ao crescente desaparecimento e desvalorização do papel individual do deputado como representante de uma comunidade de eleitores. O centro do poder transferiu-se em exclusividade para os directórios partidários que são quem tem o poder de escolher candidatos a deputados, e quem decide praticamente todos os posicionamentos e inicativas políticas, transmitidas aos grupos parlamentares para execução. Sempre tive pouca vocação para servir de correia de transmissão, e o abafar prolongado da minha rebeldia natural já estava a sufocar-me.

9. Apesar da página de Facebook em que expresso este texto (e que pessoa amiga faz o favor de gerir lá de quando em quando), confesso a minha desadaptação à nova realidade das chamadas “Redes Sociais” que, a meu ver, resvalaram para instrumento letal de livre difamação sem limites nem responsabilização.

10. Houve três assuntos cujos desenvolvimentos me desgostaram imenso: o Acordo Ortográfico, a Regionalização e a exploração de Petróleo (e gás natural) no Algarve. Sobre o primeiro, fiz todos os esforços possíveis dentro do meu próprio grupo parlamentar (PSD) para evitar o facto consumado. Foram esforços infrutíferos mas, mais uma vez, disse o que tinha a dizer em declaração de voto, e a carruagem do erro monumental seguiu imparável.

Sobre o processo de Regionalização, fiz sempre ouvir a minha voz sem desfalecimento, mas os partidos políticos (à vez) nunca mostraram vontade política de o levar adiante. O que já se está a adivinhar para o futuro é uma rasteira ao que preceitua a Constituição, fazendo assentar nas actuais CCDR’s, com o beneplácito dos presidentes de Câmara, um arremedo de regionalização. Mas nunca será um verdadeiro processo de regionalização política de eleição directa e universal.

Finalmente, e apesar da minha oposição política (quase sempre isolada) desde 1986, foi consumada em 2011 a contratualização da exploração de petróleo ao largo da costa algarvia, com todos os riscos inerentes e contrapartidas inexistentes para o Algarve e irrelevantes para o País. Até apresentei uma queixa junto da Comissão Europeia, em Bruxelas. Amarrado a contratos com duração de 55 anos, Portugal não tem condições para reverter a situação. Quem protesta agora, acordou tarde.

11. Do que fiz ou não fiz, do contributo que dei para resolver centenas ou milhares de situações, fala este livro e outros que o precederam. Mas sinto-me com a consciência de dever cumprido ao ver concluída com êxito uma iniciativa de grande impacto internacional e que beneficiará muito milhões de pessoas: a Convenção de Istambul, para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica. Estive em todas as fases deste processo. Começou com uma proposta minha aprovada em Estrasburgo. Contribuí para a sua redacção, fiz o relatório, e corri muitos Países promovendo a sua aprovação e ratificação. Em 1 de Agosto de 2014 entrou em vigor. Senti cumprida a missão mais completa e útil de todo o meu percurso político. Um excelente momento para sair de cena.

12. Obtive reconhecimento internacional pelo meu trabalho em prol dos direitos humanos, dos direitos das mulheres, da regulamentação do lóbi, contra a violência de género, o tráfico de seres humanos e a corrupção. Sucederam-se várias distinções que me honram. O reconhecimento nacional, obtive-o pelo aplauso unânime de todos os meus colegas e pela palavra de todos os Grupos Parlamentares, da esquerda à direita do plenário, no dia 26 de Novembro de 2014. É mais do que suficiente.

13. Completei 60 anos de idade, e mantenho o sonho de querer fazer outras coisas para lá da política ou da profissão.

Dadas estas explicações, é-me fácil fazer o tal balanço do que tem sido a minha vida pública. Foram mais de três décadas dedicadas à causa pública, trabalhando 7 dias por semana, 14-15 horas por dia.

Procurei fazer da Integridade um princípio basilar de comportamento. Nunca subordinei a assinatura, posicionamento ou voto a quaisquer interesses estranhos ou contrários ao interesse público. Nunca entrei num Tribunal que não fosse na qualidade de testemunha.

Percorri um longo percurso político apenas com apoios de base (família, amigos, militantes, eleitores) e, coisa já rara nos tempos que correm, sem a propulsão de juventudes partidárias, sociedades secretas, sociedades de advogados ou grandes grupos económicos).

Desempenhei largas dezenas de cargos, sempre eleito, nunca nomeado, e geralmente para posições de liderança.

Tenho a perfeita consciência de que o meu currículo não sobreviverá para a História. Nada fiz de tão relevante que mereça menção. Sobra-me uma pequena galeria de curiosidades que só a mim interessam e a meia dúzia de amigos ou familiares mais chegados: ter sido o Presidente de Câmara eleito mais jovem do Algarve; ter atravessado 5 décadas na 1ª linha do combate político; ser o parlamentar algarvio com maior longevidade, 24 anos de actividade entrecortados em 8 Legislaturas; ter sido o líder partidário regional mais vezes eleito (oito); ter sido o primeiro político em Portugal com um sítio electrónico próprio (10/05/2006) e a editar 132 Newsletters em 6 anos (desde 25/05/2008).

Este passado foi intensamente vivido tendo sempre presente o que designo de Trilogia do Coração: Algarve – Portugal – Europa.

E circunscreveu-se àquilo a que chamo de Trilogia da Função: Poder Local – Assembleia da República – Parlamento Europeu.

Tive a oportunidade de agradecer aos apoiantes de sempre e a todos os presentes (de vários quadrantes culturais e políticos), por terem partilhado comigo o simbolismo de ter apresentado este livro em Loulé, terra natal onde tudo começou.

O futuro é sempre uma incógnita. Mas, se não for na política da qual me despeço sem saber se para sempre, sobrará sempre a intervenção cívica e a agricultura de afectos e amizades de que não abdicarei.

 

ANEXO

Vida política (1979-2014) em resumo

 

·         24 anos de actividade parlamentar como deputado à Assembleia da República (III, IV, V, VI, VII, X, XI e XII Legislaturas) e ao Parlamento Europeu (III e IV Legislaturas)

·         Na Assembleia da República exerceu os seguintes cargos:

            Presidente da Comissão Parlamentar para a Ética, a Cidadania e a Comunicação

            Presidente da Sub-Comissão Parlamentar de Turismo

            Presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-Polónia

            Vice-Presidente do Grupo Parlamentar do PSD

·         No Parlamento Europeu exerceu os seguintes cargos:

            Vice-Presidente da Assembleia Paritária ACP/CE

            Presidente do Intergrupo “Turismo”

·         Membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa durante 11 anos, onde exerceu os seguintes cargos:

Presidente da Comissão para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens

Vice-Presidente da Comissão para os Assuntos Sociais, da Saúde e do Desenvolvimento Sustentável

            Vice-Presidente da Comissão da Igualdade e Não Discriminação

            Relator Geral sobre a Violência contra as Mulheres

Coordenador político da Rede Parlamentar Europeia “Women Free from Violence”

·         Membro da Assembleia Interparlamentar Europeia de Segurança e Defesa (UEO) durante 8 anos

·         Actividade autárquica durante 15 anos

            Presidente da Câmara Municipal de Loulé

            Presidente da Assembleia Municipal de Loulé

Co-fundador e Vice-Presidente do Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses

·         Actividade Partidária no PSD (Partido Social Democrata)

            Vice-Presidente do Partido

            Vogal da Comissão Política Nacional

            Membro do Conselho Nacional

            Presidente da Comissão Política Distrital do PSD/Algarve

            Presidente da Assembleia Distrital do PSD/Algarve

            Presidente da Comissão Política de Secção do PSD/Loulé

            Presidente da Assembleia de Secção do PSD/Loulé