A Tartaruga no Ocidente Mediatizado

11:55 - 21/01/2016 OPINIƃO
por Miguel Duarte | Escritor, DJ e Tradutor | jmduarte.md@gmail.com

É inegável a importância do acesso à informação. A internet sacralizou esse processo. Porém, nesta orgia coletora em que todos somos cúmplices, começa a raiar uma questão fundamental: o que fazer com ela?

Passadas cerca de três décadas sobre o surgimento da internet, verificamos que um espaço crítico que já era medíocre, medíocre continua. E as artes nobres, desdenhando a mão estendida pela cultura democrática, refugiam-se orgulhosamente em diferentes bolsas de identidade. O que o mantra do “dar voz a todos” – encarnado por serviços como o Facebook, Youtube e afins – fez foi apenas expandir mais além as fronteiras da futilidade.

O espírito fátuo do Ocidente tornou-se assim barriga de aluguer para revoluções, convulsões e seduções à la carte, nascidas, crescidas e defuntas na hora, sem os encargos de uma reforma mental. A sua consistência é a de uma birra – a hora de rendição a do jantar. E na sua digestão contorce-se o peso de velhos hábitos indolentes.

Efetivamente, as pessoas já não ouvem uma peça de Mahler, informam-se sobre as peças de Mahler. Já não leem ‘O Idiota’, leem a sua ficha técnica. A fórmula repete-se. E tem no timbre o da apropriação corporativa, no sentido em que tem mais valor o citável do que o memorável. É isto que está verdadeiramente por trás da falência dos afetos. A vulgarização do verbo ‘gritar’.

Mas o indivíduo é, por definição, propenso à ordem, ao método, à estabilidade. Se a vozearia irrompe, brutal e numerosa, o indivíduo cava a sua trincheira de indiferença passiva. Sinais de um tempo menor, em que fazer de morto passa por sapiência. O mundo assim talvez seja tolerável, mas resta a solidão como única realidade.

             “Qual é a pressa?”, perguntava a tartaruga à lebre. Então, que não sejamos apenas aquele que folheia os dias à procura de um final estupendo. De que serve a arte, a língua ou o tempo, se não puderem ser sorvidos na sua plenitude? Se não ficarem embutidos no próprio tecido daquilo que nos define?