Algarve: Holocausto cultural e o exemplo da SHE

12:10 - 18/03/2016 OPINIƃO
por Miguel Duarte | Escritor, DJ e Tradutor | jmduarte.md@gmail.com

Numa altura em que Portugal dispara no mercado turístico, o Algarve aperalta-se para o que se prevê ser a enchente da década. Se, por um lado, cai por terra a Fonte de Boliqueime, por outro a fonte dos desejos que é a 125 abre-se ao dólar em tudo o que é areal, golfe ou lounge.

Aqui, espera-os de bandeja no ar o novo algarvio, não o filho viçoso, cosmopolita, conquanto castiço, idealizado pelos pais, mas o garçon versado em caipirinhas.

Encerrado o C.C. de São Lourenço, não resta já entre a serra e a espreguiçadeira bálsamo que alivie o holocausto cultural. Efetivamente, não há por cá um museu de referência. Não há cinema de autor que aqui pouse. Ou teatro. Ou bailado. Aquilo que há, quando há, é isolado, fugaz, e dirigido a públicos de sofá e turistas de ocasião. Não colhe daí proveito a nossa juventude.

Se ainda se pode dizer que existe uma identidade algarvia, um santuário para a mesma, é porque ainda não se levou a batata-doce de Aljezur aos desfiles VIP da Quinta do Lago. E se há cultura, um ideal de vida extra-estival, este emerge mercê de algumas almas abnegadas que, entaladas entre a Oura e os muros dos resorts, ainda rapam ao tacho das Noites Isto e Aquilo as migalhas que as sustentam. Não admira assim que, cá, o artista troque fatalmente o pincel, a caneta, pela toalha e bronzeador. Tudo abençoado, municipalmente, no abraço dum summer festival! Honra seja feita ao TMF, cuja programação oferece uma consistência rara num mar de iniciativas inócuas.

Já vimos a ‘cortesia’ com que os nossos responsáveis permitem que as petrolíferas veraneiem de barril à banda na costa algarvia. Mas não podemos ter uma economia de servilismo e depois alardear o corridinho como património da humanidade. Se queremos que os jovens de hoje carreguem, amanhã, a chama de uma cultura, devemos aprender a apoiar a sua iniciativa. Precisamos de sítios como a Sociedade Harmonia Eborense. Aí, num Alentejo depauperado de equipamentos e oferta cultural, brota aquilo que é um viveiro de oportunidades e expressões, integralmente sustentado pelos seus sócios, livre do preconceito comercial, onde os jovens têm um espaço em que a geração de ideias é estimulada num contexto de herança histórica e pluralismo artístico.

Também os nossos jovens precisam de algo assim. Precisam de soltar-se desta cinta de silicone e projetar ideias para lá do avental de cozinha. Ou arriscamo-nos a que a Via Algarviana caia do coração da região para vir abandonar-se, resignada, num Spa de Vale do Lobo.