Diabetes Informativa

20:53 - 27/04/2016 OPINIƃO
por Miguel Duarte | Escritor, DJ e Tradutor | jmduarte.md@gmail.com

 

Se eu desse a alguém a tarefa de escolher no corredor de doces dum supermercado as bolachas mais saborosas, estaria certamente a criar uma missão impossível. O mundo das guloseimas é um mundo competitivo. Ao triunvirato da farinha, dos ovos, do açúcar, a indústria da engorda juntou-lhe uma caldeirada de derivados que, levados na neurose gastronómica de provadores credenciados, despoletou no mercado uma feroz luta pelo título de ‘doce mais doce do mundo.’ Título que consubstancia, porém, a quantidade de corantes e açúcar que os magos do colesterol conseguem atafulhar por centímetro quadrado de bolinho.

Vivemos, portanto, numa Era em que meras necessidades físicas se elevam a impulsos palatais, e estes a vícios cegos. E é no corredor dos doces que se exibe toda esta peculiar cambada, acenando ao consumidor com sensuais nacos de massa em todas as cores, formas e sabores imagináveis.

Muito a propósito, também a enorme secção que os serviços noticiosos abriram em sede da internet e tv cabo parece ter degenerado a função informativa. É que à força de tanto engolir telenovelas ao quilo à hora do jantar, o espectador contraiu uma fome insaciável que exige da própria realidade aquilo que ela não é. Um breve olhar pelos telejornais denuncia logo o dedo habilidoso de guionistas e gestores de audiências, transacionando em sangue e berros aquilo que de outro modo seria a base alimentar do espírito crítico. Antes que o diabo esfregasse o olho, o mundo passou a ser feito de slogans e palavras de ordem, como nas bolachas o recheio passou a ter mais açúcar e menos fruta. É fartura feita à medida, doping emocional, imune ao crivo da crítica.

Foi assim que o jornalismo atual meteu um dia os papéis para um Simplex e saiu de lá todo ele industrial e espampanante, levando como leitura de cabeceira os grandes teóricos do marketing e do espetáculo. Inadvertidamente, criou-se um sistema que permitiu que bloguistas, panfletistas e demagogos se equiparassem ao resto da doçaria, trajando opiniões e manipulações com as mesmas cores luzidias da informação oficial.

O espectador está por isso confuso, meus caros. E nunca como hoje foi tão necessário um jornalismo sério e isento. Um jornalismo que possa servir não de contraponto às elites herméticas do país, mas à própria indústria que ajudou a parir.