Xarém de Crude

15:26 - 10/06/2016 OPINIÃO
por Miguel Duarte | Escritor, DJ e Tradutor | jmduarte.md@gmail.com

É com inusitado espanto que vejo os nossos autarcas e representantes em empertigado rodopio por causa dos contratos de exploração petrolífera. Arrombada a casa, surgem agora na rua a bradar por sangue e chibata, já os assaltantes vão longe, a cavalo de legalidades e assinaturas.

Porque estes contratos não resultaram duma operação relâmpago. Nem tão pouco eram segredo de estado. Já nos anos 80 se discutia para a região esta possibilidade, recentemente intensificada e contratualizada. Não podem alegar ignorância, porque disso foram avisados. E foram-no, acima de tudo, por aquele que as pessoas conhecerão por ter sido, em tempos, o mais jovem presidente de câmara da região, deputado por mais de duas décadas, e que opôs, quase sempre a sós, essa resistência ao lóbi petrolífero no Algarve nos palcos institucional e público. Se os seus esforços esbarraram num muro de indiferença, não se deve só aos de lá, mas também aos de cá.

Aparentemente, a ideia de que praia e crude não casam era demasiado encandeante conclusão para quem andava aturdido com os holofotes deste nosso Allgarve. E é sobremaneira irónico que o manifesto que agora empunham galhardamente seja um decalque quase integral daquele há anos escrito – e largamente ignorado – por esse mesmo político louletano, com o bónus de uns remendos.

Os que estavam e os que vão estando formaram um belo coro do assobio, então, dirigido pela mão do desleixo. Porém, iniciado o foguetório mediático, não tardaram em surgir de capa e espada entre a turba, investidos de ambientalismo e bravura.

E ficam bem de capa e espada! Mas vejam: com a pressa que o estoiro lhes suscitou, não repararam que chegavam à refrega ainda com os chinelos de praia nos pés e a tesoura do corta-fitas na cinta, em vez da espada. O que até é oportuno! Como na altura própria não lhes deu nenhuma comichão, agora arriscam-se mesmo a vir ao Garrão para inaugurar, não bandeiras azuis, mas um novo paradigma da moda estival: sol e praia com molho de crude.

Esperamos todos, sinceramente, que este movimento seja um êxito. Mas a verdade é que vem tarde. E, se falhar, não é preciso procurar muito para imputar parte da responsabilidade do que se está a passar. Basta olhar para alguns dos rostos que agora se desfazem em purismo regional. Entre a incúria dos de cá e o desvelo dos de lá, há um rio negro que corre e vai galgando aos poucos o nosso prato de Xarém.