GP PSD | Cristóvão Norte dirige carta aberta ao Ministro da Saúde

12:07 - 12/12/2016 POLÍTICA
CARTA ABERTA PELO HOSPITAL CENTRAL DO ALGARVE E PELA DEFESA QUE OS ALGARVIOS POSSAM SER TRATADOS NA REGIÃO

Exmo. Senhor Ministro da Saúde,

A concretização de um novo Hospital Central do Algarve constitui uma incontroversa necessidade para a região. Incontroversa porque, desde 2003, todos os governos, sem excepção, partidos, deputados, autarcas, ordens, sindicatos, entre outros, sublinharam que se trata de uma infraestrutura fundamental. Necessidade, porque o Algarve carece de uma infraestrutura hospitalar moderna que providencie maior diferenciação dos cuidados médicos e que promova a fixação de recursos humanos na região. Trata-se não apenas de um imperativo social, como também económico, o qual se enquadra em qualquer pensamento fundamentado sobre o futuro da região.

Cabe, por isso, sublinhar os passos que foram dados no passado: em 2005, o Governo em funções encomendou um estudo à Escola de Gestão do Porto, liderado pelo Prof. Doutor Daniel Bessa, para proceder ao ordenamento das prioridades da construção de novas unidades hospitalares. Desse estudo, o qual ponderava um vasto leque de parâmetros, os quais compreendiam custos, acessibilidades, qualidade da oferta, entre outros, o Hospital Central do Algarve ficou classificado em 2.º lugar, tendo essa lista sido homologada pelo Despacho 12891/2006. Já antes, em 2003, tinha sido celebrado um acordo estratégico que definia o Parque das Cidades como a localização adequada para a unidade.

Após este compromisso, o qual já era público, foi aprovado, em 2007, o perfil assistencial e a dimensão do novo Hospital do Algarve, tendo-se registado no ano seguinte a abertura dos procedimentos concursais e a apresentação pública, a qual contou com a presença do então Primeiro – Ministro.

Foram ainda abertas negociações com consórcios qualificados, mas o processo não conheceu avanços, tendo ficado parado desde 2009.

Em 2011, o Governo suspendeu os hospitais previstos, em observância da regra constante no Memorando de Entendimento de Assistência Financeira, no qual o Estado estava obrigado a reavaliar todas as grandes obras públicas. Foi assim com todas as infraestruturas previstas. O Hospital Central do Algarve não foi excepção.

No Orçamento de Estado de 2017, o Governo prevê lançar uma nova geração de hospitais: Hospital de Todos os Santos (Lisboa), Seixal e Évora. Estes hospitais estavam classificados em 1º, 3º e 4º lugares, respectivamente, no estudo técnico de 2006. Apenas o novo Hospital Central do Algarve – o qual estava classificado em 2.º -  não avança, tendo o Sr.Ministro da Saúde proferido declarações no sentido de remeter a sua realização para data posterior a 2019, não obstante não ter dado qualquer justificação para a decisão de excluir o novo Hospital do Algarve da lista de prioridades, após ter sido por mim interpelado na discussão do orçamento de Estado na especialidade.

 

Quero-lhe transmitir que esta decisão é lesiva dos interesses da região e dos algarvios, mas também do país, porque:

•          Desconsidera a importância de um novo hospital para atrair e fixar recursos humanos, em particular médicos de especialidades de que a região padece de modo crónico;

•          Ignora a importância de responder a um acelerado crescimento demográfico e a uma notória evolução turística, a qual pondera cada vez mais factores como a segurança e os cuidados de saúde disponíveis;

•          Desvaloriza a obrigação de oferecer uma maior diferenciação dos serviços clínicos prestados e, por isso, coloca a região perante uma maior dependência de outros hospitais, designadamente situados em Lisboa. Os doentes devem poder ser tratados na região;

•          Contraria a aposta do ensino de medicina na Universidade do Algarve, o qual carece de um centro académico de excelência que fortaleça as condições do ensino e desenvolvimento da investigação. Não deixa, por isso, de ser paradoxal anunciar-se um centro de investigação e não se apostar nas infra-estruturas capazes de o realizar;

•          O Hospital Central do Algarve é um pressuposto para o reforço da dinâmica económica e social da região, a qual o encara como elemento inultrapassável para a realização das suas opções presentes e futuras.

 

Constitui, por outro lado, uma decisão incompreensível, pois:

•          Não se distingue fundamento técnico, pois não há qualquer estudo que aponte em sentido contrário ao de 2006. As decisões políticas devem estar alicerçadas em avaliações técnicas, o que não é o caso;

•          Conflitua com a assumpção de que a região seria uma prioridade de intervenção no domínio hospitalar, pois tem-se comprovado que o Algarve sofre de estrangulamentos estruturais longe de estarem ultrapassados;

•          Os parâmetros de medição dos cuidados de saúde têm-se vindo a ressentir ano após ano, atingindo em 2016 o patamar mais baixo;

•          Segundo os dados oficiais da ACSS, datados de Setembro de 2016, o Centro Hospitalar do Algarve regista um decréscimo da sua oferta assistencial:

1.         O segundo mais alto índice de mortalidade dos 40 hospitais do país;

2.         O pior índice de demora média do país;

3.         Uma das piores percentagens de reinternamento no prazo de 30 dias ;

4.         Uma redução de 9,6 % de cirurgias programas face ao mesmo período de 2015;

5.         Uma redução de 4,8 % de cirurgias urgentes face ao mesmo período de 2015;

6.         Uma redução de 4,6% do número de primeiras consultas face ao mesmo período de 2015.

7.         Resulta claro que se registam mais casos de utentes que são transportados para fora da região para terem acesso aos cuidados que necessitam. Ora, em muitos casos, tal colide com a urgência da intervenção, pois as janelas terapêuticas não se compadecem com esse tempo de espera. Esse facto, por exemplo na especialidade da neurocirurgia, entre outras, determina o aumento da morbilidade.

 

Tomo a liberdade de lhe dirigir esta missiva conhecedor de ter estado previsto a sua visita ao Algarve no dia 12 de Dezembro, na qual, por razões que desconheço, se fará substituir pelo Sr. Secretário de Estado. Faço-o, não tomado por qualquer espírito sectário que vise responsabilizar alguém, mas sim para demandar a sua intervenção em domínio tão delicado. Essa é a responsabilidade que tenho perante quem represento, e não a de alimentar polémicas estéreis em benefício de efémeros ganhos partidários, como demasiados vezes constatei no passado.

 Faço-o, por outro lado, conhecedor de que a matéria é estrutural e, por isso, não basta cingir a discussão a modelos de gestão, o que não quer dizer que estes modelos não devam ser avaliados e, se necessário, corrigidos e aperfeiçoados. Todavia, ainda que exemplar seja o modelo ou os seus protagonistas, tal jamais será suficiente para atingir as finalidades de valorização do SNS quando não coexistam os recursos humanos indispensáveis para a realização dessas tarefas.

Sabe V.Exa. que o Algarve regista falta de médicos, em particular nalgumas especialidades como a anestesia e a ortopedia, entre outras, e de enfermeiros, e que as medidas tomadas não têm sido eficazes. Sabe também que esse facto não é novo. Já, em 2005, fui autor de uma petição que reuniu 10000 assinaturas pela criação do curso de Medicina na Universidade do Algarve, cujo pressuposto era a incapacidade da região fixar médicos. Ora, o panorama não mudou radicalmente, pelo que essa lacuna se encontra longe de ser suprida, com a agravante da dinâmica demográfica da região ter intensificado essa debilidade.

Por vezes, desafortunadamente, o aproveitamento político tem prejudicado a lucidez e discernimento na avaliação destes estrangulamentos, o que conduz a precipitações e declarações menos esclarecidas.

Importa, isso sim, corrigir a situação e oferecer melhores cuidados de saúde aos algarvios, os quais têm que ser tratados no Algarve, carecem de um hospital central e necessitam de mais recursos humanos para esse fim. E, nesse sentido, impõe-se que o Estado pondere todas as opções para colocar cobro a esta incapacidade de colocar os médicos onde são necessários. O serviço público não pode ser prejudicado por essas opções, pelo que, em último recurso, deve-se lançar mão de mecanismos impositivos para suprir estas assimetrias que se apresentam seriamente lesivas do exercício do direito à saúde.

Espero que V.Exa. seja capaz de responder aos compromissos que assumiu no ano passado, aquando da tomada de posse do Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Algarve e que reavalie a decisão tomada, no sentido de garantir que o novo Hospital Central do Algarve é concretizado.

 

 

Aceite os meus respeitosos cumprimentos,

 

Cristóvão Norte

Deputado círculo eleitoral de Faro